sábado, 21 de outubro de 2017

Paes esteve na 'farra dos guardanapos', símbolo dos escândalos na gestão Cabra

'Farra dos guardanapos' teve cantores de Monte Carlo, trenzinho e 'operação Paes'

Italo Nogueira | Folha de S. Paulo

RIO - Aquela segunda semana de setembro de 2009 era especial para o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB). Em alguns dias ele receberia a condecoração máxima do governo francês, a comenda Légion D`Honneur. Contudo, algo o incomodava.

Mesmo com uma comitiva de empresários brasileiros e franceses, secretários e assessores –alguns amigos de infância–, ele se ressentia, segundo a Folha apurou, da falta do então prefeito Eduardo Paes (PMDB), eleito um ano antes graças ao seu apoio.

Queixoso, mobilizou aliados políticos e assessores comuns para demonstrar sua insatisfação. Paes recebeu ligações e mensagens do Hotel Le Bristol, um dos 5 estrelas mais luxuosos de Paris, onde estava a comitiva, para convencê-lo a ir à capital francesa.

O ex-prefeito cedeu. Comprou às pressas uma passagem para Paris e dividiu a mesa principal com o governador no jantar onde ocorreu a hoje conhecida "farra dos guardanapos".

Paes, apurou a Folha, saiu à francesa, quando os convidados, ainda sentados, já estavam bastante animados, acompanhado do deputado Pedro Paulo (PMDB) e as respectivas mulheres.

Pouco depois, quando o prefeito não estava mais lá, os convidados colocaram os guardanapos na cabeça. Registrada, a cena entrou para a história da política do Rio.

Imagem obtida pela Folha mostra Paes no jantar. Procurado, o ex-prefeito disse apenas nunca ter negado que comparecera no evento.

"Aliás, fui nesse e em outros vários jantares e encontros oficiais com o então governador do Estado Sérgio Cabral", disse o hoje ex-prefeito.

A insistência de Cabral na presença do aliado mostra que aquele 14 de setembro era uma espécie de apogeu para o peemedebista.

A procuradora Fabiana Schneider afirmou que a festa que reuniu boa parte dos alvos da Operação Lava Jato no Rio "pode ter sido uma comemoração antecipada" da vitória da cidade na eleição para sede da Olimpíada de 2016.

As investigações apontam que a propina ao senegalês Lamine Diack, membro do COI (Comitê Olímpico Internacional), fora negociada dias antes, paga duas semanas depois e culminara na vitória do Rio em 2 de outubro ""menos de três semanas após da "farra".

"O Ministério Público Federal se aproveita de episódios isolados para adaptá-los às suas versões. Não se tratou de uma comemoração prévia, senão, póstuma, que em nada se relacionava com a candidatura do Rio para sediar as Olimpíadas, mas, sim, com o recebimento da maior honraria francesa naquela data", disse o advogado Rodrigo Roca, que defende Cabral.

O EMBARQUE
O ex-governador embarcara para Paris no dia 10 de setembro. Sua agenda oficial só descreve compromissos a partir do dia 14. Recebeu quase R$ 7.000 em diárias do Estado –a maior entres as viagens que realizou.

No dia 14, ele recebeu a condecoração das mãos do então presidente do Senado francês Gerard Larcher. Logo em seguida ocorreu o jantar.

O evento teve uma organização tripla. O responsável por bancar a festa foi o empresário português João Pereira Coutinho, cujo grupo SGC à época ampliava seus investimentos no Brasil em diferentes áreas como imobiliária, shoppings, locadora de carros e saneamento básico.

O deputado Júlio Lopes (PP-RJ) foi o responsável por sugerir o local da festa. Acionou a amiga baronesa Sylvia Amélia de Waldner, brasileira casada com o barão francês Gerard de Waldner, para usar o salão do "The Travellers Club".

O clube foi fundado na Inglaterra e aberto em Paris em 1903. É composto por cerca de 700 membros, todos homens de negócios e embaixadores. Passou a aceitar a entrada de mulheres em seus aposentos poucos anos antes da "farra".

Presidente do clube à época, o barão abriu as portas do salão, que fica no Hotel de la Païva, número 25 da avenida Champs-Élysées.

Construído na segunda metade do século 19, era propriedade da cortesã Esther Lachmann. Ela conseguiu os recursos para erguer o palácio após casar com o marquês português Albino Francisco Araújo de Paiva. Ganhou do marido o título de marquesa de la Païva.

Foi ali que cerca de 70 convidados selecionados se reuniram para o jantar. Entre o prato principal e a sobremesa, um grupo musical de Monte Carlo levado por Pereira Coutinho começou a tocar um mix de músicas brasileiras e internacionais.

Na foto em que Paes aparece, é possível ver que um guardanapo já vai ao ar. Após a sobremesa, a festa animou. Numa das mesas do canto, os empresários Georges Sadala e Fernando Cavendish, os então secretários Sérgio Côrtes (Saúde) e Wilson Carlos puxaram um trenzinho por entre as mesas.

Pouco depois, o mesmo grupo colocou o guardanapo na cabeça. Nenhum dos presentes à festa com quem a Folha conversou soube dizer o motivo da brincadeira.

A festa durou entre três e quatro horas, incluindo o jantar. Por volta da meia-noite, o grupo tirou outras fotos do lado de fora e aos poucos se dispersou.

A divulgação das fotos em abril de 2012 pelo ex-governador Anthony Garotinho, rival político de Cabral, manchou a imagem do peemedebista.

Dos presentes na hoje célebre foto, nove já foram presos e outros estão sob investigação. Até o filho da baronesa e enteado do barão, o empresário Mariano Marcondes Ferraz ""que não estava na festa–, foi detido por fraudes na Petrobras sem relação com Cabral.

SEM CONDECORAÇÃO
Após perder medalhas concedidas pelo Tribunal de Justiça e Ministério Público do Rio, Cabral deve ficar também sem a Legión D'Honneur. O regulamento da condecoração prevê a sua retirada em caso de condenação criminal –Cabral tem três.

Apesar do impacto político da festa em sua carreira, o ex-governador parece manter boa memória daquela noite: até hoje uma caixa de madeira com a inscrição "Légion D'Honneur", na mesa de centro da sala de sua casa em Mangaratiba, guarda um álbum de fotos daquela noite.

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