sábado, 7 de outubro de 2017

Um Poder acima de todos | Augusto Tarradt Vilela

- Folha de S. Paulo

A posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal quanto à interferência no Poder Legislativo tem, em geral, se mostrado excessiva, como se pôde observar nos casos do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), do ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT MS) e do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), todos afastados pelo Poder Judiciário.

No caso do senador Aécio Neves (PSDB-MG) não foi diferente. A decisão da primeira turma do STF, por maioria de 3 a 2, trouxe fundamentos preocupantes e subjetivos, como o argumento do ministro Luiz Fux -que, embasando-se em motivos valorativos e não técnicos, colocou-se a "auxiliar" Aécio a "pedir licença" do Senado Federal para que pudesse comprovar sua ausência de culpa à sociedade.

O perturbador é que esses atos transformam o guardião da Constituição (STF), num aparente efeito mutacional, em um Poder superior aos demais, sem qualquer respaldo da própria Constituição Federal.

Ocorre que a Constituição não permite esse desnível ao impor, em seu art. 2º, a independência e harmonia dos Poderes, construindo uma estrutura protetiva, inclusive de um Poder sobre o outro, a fim de evitar desequilíbrio. Exemplo disso é o envolvimento dos Poderes no processamento de seus membros.

Para que o presidente da República seja julgado pelo Poder Judiciário, este necessita da autorização do Poder Legislativo; se um membro do Poder Legislativo estiver sendo julgado pelo Poder Judiciário, sua Casa poderá sustar o julgamento; havendo julgamento de um ministro do Supremo Tribunal Federal pelo Senado, a sessão será presidida pelo presidente do STF.

Há uma coerência constitucional para que não se permita a sobreposição de Poderes, justificada na experiência histórica de utilização, pelas ditaduras, de outros Poderes, em especial do Judiciário, para legitimarem seus atos, como ocorreu na ditadura brasileira, que se valeu de Atos Institucionais para até mesmo modificar a estrutura do Judiciário.

Destaca-se que, em observância a esse princípio de não intervenção, inexiste permissão constitucional para o afastamento de parlamentar pelo Judiciário, tampouco há possibilidade de decretação de prisão preventiva judicial de parlamentar.

Entretanto pode-se questionar: "Qual a relação da impossibilidade de prisão com o afastamento e imposição de recolhimento do senador Aécio Neves?"

As medidas cautelares diversas da prisão só podem ser aplicadas quando presentes os motivos da prisão. Contudo, de acordo com o §2º do art. 53 da CF, senadores apenas poderão ser presos em flagrante de delito inafiançável, sendo competência do Senado Federal resolver sobre sua prisão.

Isso é dizer que o cabimento e os motivos para existência de prisão não podem ser utilizados pelo Poder Judiciário; logo, esses mesmos motivos não podem justificar a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão pelo STF, para preservar a independência dos Poderes.

Por mais que populares essas decisões do STF, precisamos entender o sentido da Constituição Federal e impor que todos os Poderes a respeitem. É certo que os Poderes Legislativo e Executivo estão passando por forte crise de credibilidade, mas esta crise deve ser solucionada pelos meios constitucionais cabíveis, pelo voto e pela pressão popular.

Se se permitir que o Supremo tudo possa, construiremos um Poder absoluto e, relembrando Rui Barbosa, "a pior ditadura é a do Poder Judiciário; contra ela, não há a quem recorrer".
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Augusto Tarradt Vilela, advogado criminalista, é professor de direito penal e processual penal na Fesdep (Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul)

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