segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Cida Damasco: Duas faces

- O Estado de S. Paulo

Um país com celular e sem esgoto. Quem vai cuidar dessa desigualdade no pós-2018?

Que Brasil o novo presidente vai receber em 2019? Dependendo do posicionamento dos consultados, as respostas variam de um polo a outro: um Brasil ainda mergulhado em crise ou um Brasil em franca recuperação. São cada vez mais escassas opiniões que se equilibram no meio desses dos extremos. A base para essas respostas, porém, é a mesma. Grandes indicadores de desempenho da economia, principalmente relativos a crescimento do PIB, desemprego, inflação e – ele, sempre ele – e estado do setor público.

O ideal, porém, é que outros tantos indicadores, principalmente da área social, sejam acoplados aos econômicos, para permitir respostas mais abrangentes, que mostrem de fato o País real que temos – até porque a união entre os dois conjuntos de dados é indissolúvel. E, por esse ângulo, é preciso dizer, sem rodeios, que o Brasil teve seus avanços, mas ainda vai mal em setores cruciais para se medir o desenvolvimento de um país.

Dos resultados da PNAD divulgados na sexta-feira pelo IBGE, salta à vista um País com grandes contradições e com condições de vida ainda inaceitáveis, em várias regiões e em vários estratos da população. Nesse terreno, é exemplar a comparação entre o acesso a novas tecnologias e à infraestrutura básica. Em 2016, 92,3% dos 69,2 milhões de lares brasileiros tinham pelo menos um morador com telefone celular, 63,6% tinham acesso à internet e 97,4% tinham televisão – com os modelos de tela fina, aqueles carregados pelos consumidores que lotaram as lojas na Black Friday, presentes em mais da metade dos domicílios. Enquanto isso, apenas 66% das famílias contavam com tratamento de esgoto. Na região Norte, prova dessa disparidade, o acesso à internet estava em 54,6% dos lares e o esgoto tratado, em apenas 19%.

Destaque negativo em todas as pesquisas, ano após ano, a situação do saneamento ajuda a explicar o drama da saúde no Brasil, independentemente de corte ou preservação dos recursos específicos destinados a essa área. É o caso, por exemplo, da velocidade com que novas doenças se espalham pelo País e com que velhas doenças, dadas como erradicadas, ressurgem de tempos em tempos. Embora esse problema seja recorrente, quem viu algum candidato a candidato a presidente da República – e vamos combinar que esse contingente se amplia a olhos vistos – simplesmente se referir a ele em suas falas sobre as prioridades para depois de 2018?

O saneamento voltou ao centro das discussões com a crise econômica do Rio e a exigência de privatização da Cedae, a companhia local de água e esgotos, para o governo federal sacramentar a ajuda financeira ao Estado. A crise econômica persiste, misturada e agravada pelo quase colapso político, o suporte da União se mostra insuficiente e a privatização da Cedae está emperrada. Fora as justificadas críticas à privatização com o objetivo principal de arrumar dinheiro para cobrir as necessidades de caixa de curto prazo, é inegável que o debate em torno da Cedae reforçou a defesa de um plano mais global de venda das companhias de saneamento em todo o País – retomando a expectativa existente quando se resolveu o imbróglio da titularidade das rede de saneamento, municipal ou estadual, que muitos consideravam a principal barreira à vendas dessas empresas.

Claro que a questão do saneamento é apenas uma, embora seja emblemática. Claro também que o desempenho medíocre da economia trabalha contra a superação dessa e de outras tantas desigualdades. Como mudar esse quadro, com um Estado sob ameaça de quebra, portanto pouco afeito a novos investimentos, principalmente a investimentos com pouca visibilidade eleitoral? Como atingir esse objetivo, com o setor privado sufocado por altos níveis de endividamento e, por isso mesmo, super seletivo na escolha de setores/projetos onde vai aplicar seu dinheiro?

A questão central, porém, é que se esse circuito não for rompido, tais desigualdades continuarão mantendo o País na situação em que se encontra hoje. Consumo próximo aos níveis de primeiro mundo, mesmo em faixas da população com renda abaixo do topo da pirâmide, e infraestrutura equivalente à de terceiro mundo, sobrevivendo em amplas áreas de todo o País. Não precisa ser nenhum especialista em planejamento para concluir que, desse jeito, o País continuará girando em falso, sem chegar ao destino desejado.

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