segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Fernando Limongi: Cinismo resignado

- Valor Econômico


Preço a pagar pelos equívocos de Temer é incomensurável


A semana foi curta, porém suficiente para sintetizar o que será o ano e pouco que resta ao governo Temer. Por um lado, anunciou-se a procrastinação da retomada da agenda reformista. De outro, acumularam-se respostas protocolares, mas rápidas, a novas acusações contra o presidente. Em um e outro caso, tudo o que o governo tem a oferecer são desculpas prontas. Quanto às reformas, alega-se que paralisia decorre da resistência dos parlamentares a medidas impopulares em ano eleitoral. No outro front, novas revelações serão tratadas como foram as de Lúcio Funaro, como mais uma tentativa vil de desestabilizar um governo comprometido até o último fio de cabelo com as reformas. A contradição entre a prática e o discurso é evidente.

Passada a ameaça maior, o governo sequer demonstrou disposição para retomar a iniciativa legislativa. Com o presidente confinado a repouso pós-operatório, o Planalto não emitiu sinais de que se disporia a arregaçar as mangas e tratar das reformas em nome das quais justificou sua permanência no poder. Por enquanto, o núcleo duro do Planalto manteve silêncio sepulcral sobre a retomada da tal "agenda positiva".

As escassas referências à reforma da Previdência vieram da boca do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, aparentemente o único membro do Executivo que ainda acalenta a ambição de permanecer no Planalto depois de 2018. Meirelles sabe bem que suas pretensões eleitorais dependem da capacidade de entregar as 'reformas' que o guindaram à condição de salvador da pátria. Ciente das limitações e dificuldades impostas pelos responsáveis diretos por seu emprego, o ministro deixou escapar que se contentaria com um prêmio de consolação, a vice-presidência.

O fato é que além de Meirelles, nenhum outro membro do governo veio a público reafirmar em alto e bom som o compromisso do governo com as 'reformas'. Em defesa do governo, pode-se argumentar que é cedo para a cobrança. O imediato pós-crise, assim como o pós-operatório do presidente Michel Temer, exigiria um período de convalescência, de repouso. E a tropa precisa ser remontada e treinada a cada batalha. Leva tempo para que a base se prepare para novo embate.

O governo, contudo, nem ensaiou fazê-lo, declarando que o ambiente político, ditado pelo calendário eleitoral, conspiraria contra a retomada da reforma da Previdência. A desculpa é conveniente. O governo simplesmente coloca na conta do Congresso a culpa por sua inoperância e falta de compromisso político com o que declara ser sua missão. A disposição deste governo, o governo comandado por Eliseu Padilha desde a Casa Civil, para tocar 'reformas modernizantes' é zero. As reformas que este governo persegue são as que constam da portaria que dificulta a fiscalização das condições de trabalho. As tais 'reformas modernizantes' são invocadas com veemência apenas nos momentos críticos de defesa do presidente e são esquecidas tão logo servem a este propósito.

Uma coisa é constatar que a reforma da Previdência tem chances escassas de ser aprovada. Não há dúvidas que reformas deste tipo são sempre difíceis de aprovar e que muitos congressistas preferem empurrar a questão com a barriga, receosos dos custos eleitorais imediatos embutidos. Porém, coisa radicalmente diversa é resignar-se diante da constatação. Se este governo fosse tão comprometido com as reformas como alega, seria de se esperar que colocasse contra a parede os que querem obstruir a retomada do crescimento econômico do país.

Aliás, se votar medidas impopulares fosse em si um obstáculo intransponível, o governo não teria obtido os votos que o livraram da denúncia de Janot. A existência de contingente que apenas garantiu o quórum, mas não deu seu voto em favor do relatório de Bonifácio Andrada, mostra que sustentar Temer é mais custoso que apoiar a agenda política que o colocou no cargo. Se mobilizada, a base do governo conta com os votos necessários para aprovar a reforma da Previdência. A questão é saber se o governo fará esforços reais neste sentido.

Tudo indica que as energias do Planalto continuarão concentradas na luta pela sobrevivência. Menções a "negócios escusos" envolvendo o trio Temer-Padilha-Moreira continuarão a pipocar. Lúcio Funaro é a 'bomba da vez', mas há outras que pedem cuidados e causam temores na trinca encastelada no Planalto.

O pior, sem dúvida alguma, passou. Temer e seu grupo podem dar como certo que garantiram seus cargos, que ficam no Planalto até dezembro de 2018. Mas o custo a pagar para preservar seus postos é enorme. E não só eles. Pagam todos.

Tome-se como exemplo a mais recente denúncia contra o presidente. Lúcio Funaro afirmou ter certeza de que o presidente Michel Temer recebeu "ao menos R$ 2 milhões em propina do grupo Bertin ". Disse mais: que as provas estão na agenda do empresário em mãos da polícia. A notícia sequer repercutiu. Nenhum órgão de imprensa lhe deu maior espaço. Ao que se saiba, ninguém se indignou, nem correu para apurar quais seriam as tais informações da agenda mencionada pelo delator.

Temer nem precisou sair de seu resguardo pós-operatório. Em lugar de negar os fatos, recorreu a uma nota de sua assessoria recorrendo à já habitual estratégia de desqualificar quem o acusa. Afirmar que a denúncia de não merece crédito, pois Funaro não passaria de um "delator que já mentiu outras vezes à Justiça", foi suficiente para que imprensa esquecesse o caso e as panelas permanecessem no armário.

Não que alguém acredite na palavra do presidente. Não é preciso que uma criança grite que o rei está nu. Todos o sabem. Mais: todos sabem que todos sabem. Pior ainda: é conhecimento comum que o espetáculo constrangedor se estenderá por mais um ano. O preço a pagar pelos equívocos acumulados é incomensurável. A desmoralização é completa. Aos cidadãos, resta apenas o refúgio do cinismo resignado.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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