sábado, 25 de novembro de 2017

Insegurança jurídica ameaça combate à corrupção – Editorial: O Globo

Atitude do ministro Lewandowski de devolver ao MP acordo de delação de marqueteiro vai contra decisão da própria Corte e desestimula delatores em potencial

Já é extensa a sucessão de investidas contra instrumentos como a “colaboração premiada”, vitais para a devassa histórica que organismos de Estado têm feito contra esquemas de corrupção entranhados entre políticos e empresas com atuação no setor público, assessorados por operadores financeiros especializados em lavar dinheiro.

Quando o mensalão do PT, revelado em 2005, parecia o suprassumo do golpe contra o Tesouro, por meio de um desfalque no Banco do Brasil dado pelo militante Henrique Pizzolato, em conluio com Marcos Valério e companheiros petistas, veio a Lava-Jato para demonstrar que a corrupção lulopetista e de aliados (PMDB, PP etc.) era bem mais ampla.

E para começar-se a desmantelar a supermáquina de desvio de dinheiro público por meio de superfaturamentos na Petrobras e outras empresas públicas, a lei das Organizações Criminosas, de nº 12.850, de 2013, sancionada, por ironia, por Dilma Rousseff, foi crucial. Dela consta a delação premiada, sem a qual nenhum depoimento esclarecedor sobre o esquema teria sido feito.

Por óbvio, esta lei, bem como os instrumentos que permitem condução coercitiva para depor, e prisões preventivas e temporárias, passaram a ser atacados por lobbies no Congresso e fora dele. Arguida no Supremo devido aos desdobramentos das delações da JBS, em especial de Joesley Batista, cujo alvo foi o presidente Temer, a delação terminou discutida pela Corte, e ficou estabelecido, pela maioria dos ministros, que o Ministério Público pode negociar os termos da colaboração, a serem garantidos pelo Judiciário, o que é estabelecido pela lei 12.850. Mas tudo dependerá do cumprimento dos termos do acordo. O pedido de anulação da delação de Josley, a que implicou Temer, foi rejeitado.

Pelo voto vencedor, do ministro Edson Fachin, com a contribuição do colega Alexandre de Moraes, que incluiu no veredicto parâmetros do Código de Processo Civil para se determinar a anulação de acordos, o MP negocia os termos da delação, remete-os ao juiz, para que ele cheque sua “regularidade, legalidade e voluntariedade", aspectos formais. Regra da lei 12.850. Como foi dito naquele julgamento, o Estado tem de dar segurança ao delator nesta fase inicial da negociação do acordo. Se assim não for, ele não delatará, e criminosos continuarão impunes. O que não significa cassar o poder do juiz, porque, no final, ele poderá considerar as denúncias ineficazes.

Foi neste contexto que o ministro Ricardo Lewandowski, voto vencido naquela ocasião, devolveu, na semana passada, ao MP, o acordo de delação do marqueteiro do PMDB fluminense, Renato Pereira, logo na primeira fase, a de homologação, indo contra ao que fora decidido no STF. Relator do processo, alegou que os procuradores, ao negociarem penas com o delator, invadiram espaço do Judiciário, quando, na verdade, sem este acerto, não há qualquer conversa com delator, sequer inicial.

Assim, abalou todo o princípio da contribuição premiada. É um golpe duro na Lava-Jato, em qualquer investigação anticorrupção, e mais forte que todas as manobras em curso no Congresso na defesa de criminosos de colarinho branco. O Supremo tem de voltar ao tema, a partir de arguição da Procuradoria-Geral da República, para não ajudar a enterrar de vez o instrumento da colaboração premiada.

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