- Blog do Noblat
Às vezes por incompreensão, e geralmente por má-fé, muitos confundem o pluralismo da democracia e a defesa dos interesses coletivos com práticas corporativistas e conservação de privilégios. A recente decisão do governo de rever aumentos salariais ao funcionalismo público e a imediata reação dessas categorias é exemplar nesse sentido.
As dificuldades fiscais não só do atual governo, mas do Estado brasileiro e da própria federação como um todo, são conhecidas de todos nós. A despeito de uma série de medidas de contenção de gastos adotadas desde o ano passado e do início da retomada do crescimento econômico, fecharemos 2017 ainda com déficit primário superior a R$ 150 bilhões, segundo estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.
Mesmo assim, profissionais que, antes de tudo, são servidores públicos – isto é, escolheram como atividade laboral servir nas instituições da República – querem aumentos que são verdadeiros privilégios em comparação ao resto dos brasileiros. Não bastassem as benesses de que já gozam, como estabilidade e aposentadoria muito acima da média nacional, tais categorias olham apenas para o próprio umbigo (e principalmente, aos próprios bolsos) e parecem não ter a menor consideração com o que é melhor para o Brasil.
É claro que, num regime democrático como o nosso, existem freios e contrapesos para que grupos minoritários não sejam oprimidos pelas imposições da maioria. Essa é a essência do pluralismo pensado nos séculos 18 e 19, e não a defesa de privilégios a uma casta de burocratas sustentados pelo trabalho e pelos impostos da massa de trabalhadores, empresários e profissionais autônomos do país.
Mais impactante – mas de certa forma não tão surpreendente – é a rápida adesão de parlamentares a esses interesses corporativistas, em detrimento do que é o mais adequado para a coletividade. A apresentação de duas centenas de emendas, quase sempre propondo exceções ao adiamento do reajuste salarial dos funcionários públicos, é um sinal inequívoco do quanto o corporativismo e a política paroquial distorcem a democracia e o exercício da atividade política.
Verdade seja dita, tal distorção corporativista não é exclusiva do Legislativo. No Executivo, também vemos abusos da parte de quem não se contenta com o muito que ganha e busca brechas para burlar o teto constitucional – ainda mais decepcionante quando tal fato envolve integrante do nosso partido, nascido longe das benesses do poder. Da mesma forma, o Judiciário, poder responsável pelo cumprimento das leis, coleciona estratagemas para engordar vencimentos sem a devida contrapartida em eficiência no serviço ofertado à população.
A tarefa de construir um Brasil com mais igualdade de oportunidades, menos privilégios e corporativismo, é grande demais, e também é muito urgente. Toda a energia dos que estão efetivamente comprometidos com um futuro mais próspero e justo deve ser canalizada nessa direção, e não em discussões eleitoreiras ou paroquiais, como se tornou rotina nos últimos tempos.
Enfrentar essas distorções que ameaçam a vida democrática e republicana, de forma coesa e unida, é a missão que mais urge ao Brasil.
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José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB
O Senhor está no rumo certo em sua análise, mas está sendo comedido: em verdade, as corporações tomaram de assalto o Estado, a começar pelas chamadas carreiras de Estado, que formam a primeira linha da privatização do interesse público. Depois dessa primeira linha, em ondas sucessivas que se encontram com as empresas, partidos e outros empreendimentos privilegiados, sobra pouca coisa de finalidade realmente pública do ponto de vista de quem apura a efetividade da aplicação dos orçamentos. Pois mesmo quando republicana (ou seja, legal) a execução do orçamento, o que impede que seja uma república de privilegiados é a democracia: pois bem, a democracia é do tamanho daquilo que é efetivamente público na gestão fiscal. Faça as contas, portanto, e verá que as corporações estatais e privadas criaram um novo apartheid social no Brasil: há os pertencem a uma corporação poderosa e os outros, que pagam a conta.
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