terça-feira, 28 de novembro de 2017

Marco Aurélio Nogueira: Huck, Alckmin e a política

- O Estado de S. Paulo

Com o artigo de Huck e o acordo que põe Alckmin na presidência do PSDB, a política poderá entrar em outra etapa

Dia movimentado na política nacional. Começou com o artigo em que Luciano Huck deixa claro que não será candidato a Presidente, embora pretenda manter uma agenda cívica e política. Muita gente criticou, em nome do que seria uma falsidade do apresentador, areia usada para encobrir alguns maus passos que ele teria dado ao longo de sua trajetória recente. As suas seriam palavras lançadas ao vento, prontas para serem consumidas por quem quer que seja. As redes sociais foram invadidas por vozes indignadas, algumas intolerantes e outras simplesmente contrárias ao que poderia estar associado ao projeto Huck.

No artigo em questão, ele deixou algumas pontas soltas e manteve um certo suspense sobre os rumos que tomará. Houve mesmo quem viu no texto uma manobra “sebastianista”, na linha “se é para o bem de todos e interesse geral da Nação, digo ao povo que volto”. Parte do jogo. O texto, muito bem redigido, contém também uma mensagem interessante, especialmente por estar sendo emitida por uma celebridade como Huck. É que o artigo faz a devida valorização da política e da atividade política, podendo assim auxiliar a que se reduza o preconceito que parte da sociedade tem em relação a isso. Ajuda muito, portanto, mostrando que há muitos espaços a serem explorados para que se criem verdadeiras pontes democráticas na sociedade, que interliguem “velhos” e “novos”, política tradicional e momentos cívicos.

Fico imaginando o efeito que teria a seguinte passagem do artigo caso fosse levada para o “Caldeirão do Huck”, e repetida ao vivo e a cores: “não há nada mais importante do que tomarmos consciência da importância da política e de que precisamos nos mover concretamente na direção da atuação incisiva, para que não sejamos mais vítimas passivas e manobráveis de gente desonesta, sem caráter, despreparada e incapaz de entender o conceito básico da interdependência ou de pensar no coletivo. A hora é de trabalhar por soluções coletivas inteligentes e inovadoras para o país, e não de focar o próprio umbigo ou de alimentar polêmicas pueris e gritas sem sentido”.


Depois do artigo, abre-se um outro momento, mais rico e promissor, na política brasileira. Claro, sempre a se ver. Embora a candidatura de Huck não esteja mais posta na mesa, o futuro a Deus pertence e o “centro democrático” ainda não encorpou. Os mares que atazanavam o pobre Ulysses usado por Huck como imagem continuam a atazanar nós outros seres viventes.

O mesmo deve ser dito do anúncio do acordo que praticamente celebrou a ida do governador Geraldo Alckmin para a presidência do PSDB. O partido vivia em um estado de turbulência interna jamais visto em sua história. Os tucanos sempre se bicaram uns aos outros, especialmente seus caciques. Perderam muitas oportunidades por causa disso. Na fase atual, corriam o risco de perder até mesmo o protagonismo político e a força eleitoral em 2018. As luzes amarelas piscaram forte e devem ter ajudado a que um acordo fosse alcançado. Se o armistício for levado a sério, todos ganharão com ele. Até os que não são tucanos, pois a democracia ganha quando os partidos principais se revigoram. É de se esperar que algo assim ocorra no PSDB.

Com o equacionamento da questão da presidência e a suspensão dos atritos internos mais visíveis, o PSDB poderá se dedicar a dois outros movimentos igualmente estratégicos. Um, será o de formular uma plataforma consistente em termos doutrinários, anexando a ela uma agenda nacional com sensibilidade social, que pelo menos honre a tradição socialdemocrática que o partido carrega no nome. Tal passo poderá começar a ser dado já na Convenção Nacional marcada para o início de dezembro. Seria uma espécie de cartão de visitas de Alckmin.

O segundo movimento é ainda mais importante. Vai para fora, para além das fronteiras tucanas. Seria o de se projetar como artífice de uma articulação democrática que traga a marca da renovação política e também esteja impregnada de sensibilidade social. Afinal, nada está decidido nesse campo e muita poeira ainda nele terá lugar.

Se o PSDB se dedicar a caminhar nessa direção, poderemos estar ingressando em outra etapa, na qual todos os cálculos terão de ser refeitos.

Olhos atentos, portanto, para o que farão os tucanos a partir de agora.
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Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política na Unesp

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