quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Ricardo Ismael*: Governo escolheu ser a pedra, e não a vidraça

- O Globo

Governador Luiz Fernando Pezão tem tido pouca ou reduzida capacidade de reação às críticas que se ampliaram com a crise

Ainda repercutem as declarações do ministro Torquato Jardim, com críticas e graves denúncias à política de segurança pública do Rio de Janeiro. Não se trata de manifestação impensada. Existiu a intenção de colocar a discussão na agenda, de uma forma que pudesse escolher ser a pedra, e não a vidraça.

Alguns aspectos de natureza político-administrativa podem ser destacados. Tudo indica que temos mais do que uma crise na cooperação federativa entre o governo federal e as autoridades estaduais responsáveis pela área de segurança pública. O ministro da Justiça aponta para uma inflexão nesta relação. Ao que parece, questiona o papel passivo da União, que tem colocado rotineiramente as Forças Armadas à disposição do governo estadual, embora a situação não mostre sinais de melhora, e seja flagrante a inadequação das tropas do Exército nas atividades definidas nessas operações no Rio.

O governo de Michel Temer continuará apoiando o estado, inclusive enviando militares ou parte do efetivo da Guarda Nacional. Entretanto, o ministro da Justiça parece não antever, no curto prazo, uma evolução favorável nas condições atuais das comunidades cariocas com presença do crime organizado. Seu diagnóstico é que existem problemas estruturais no âmbito de atuação do poder público estadual, que não estão sendo resolvidos. A permanência dos problemas deve, nesta visão, ser debitada na conta do governo estadual.

Algum leitor atento poderia perguntar: mas como é possível este descompasso, se temos o PMDB no plano no federal e o PMDB no plano estadual? De fato, em outros tempos, as diferenças entre aliados partidários seriam tratadas com discrição nos gabinetes de Brasília ou no Palácio Guanabara, especialmente se houvessem sérios problemas a enfrentar. Neste momento, porém, prevaleceu o objetivo de preservação do governo Temer, numa área mal avaliada pela população, e que será decisiva nas próximas eleições nacionais.

O governador Luiz Fernando Pezão tem tido pouca ou reduzida capacidade de reação às críticas, que se ampliaram na medida em que avançou o colapso das finanças públicas do estado, comprometendo os salários dos servidores, os serviços públicos e a economia fluminense. Nesse episódio, o governador reagiu de imediato, por meio de nota à imprensa, repudiando a iniciativa do ministro da Justiça. Entretanto, parece ter sido surpreendido, e, por isso mesmo, ele não consegue sair de uma posição defensiva.

A sociedade acompanha tudo com atenção. Seria um equívoco ignorar e naturalizar a censura. Mas também seria um erro não perceber que se trata de um problema nacional, e que não cabe jogar no colo dos estados.

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• Ricardo Ismael é cientista político e professor da PUC-Rio

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