quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Risco eleitoral de 2018 já traz ansiedade ao mercado

"Se a gente fizer uma agenda ruim a partir da próxima eleição, provavelmente estaremos fadados a cair no precipício"

"Haverá um momento em que, ou se quebra direitos adquiridos, ou o país quebra. As duas coisas são ruins"

Por Lucinda Pinto | Valor Econômico

SÃO PAULO - A falta de unidade entre aqueles que defendem a continuação da atual agenda econômica traz de volta o risco de um "acidente" na eleição de 2018, com a vitória de um candidato não comprometido com as reformas. O alerta é do ex-diretor de Política Monetária do Banco Central Luiz Fernando Figueiredo. "De novo, estamos brincando perto do precipício", diz, e isso estaria trazendo grande ansiedade ao mercado.

Economista vê risco de um 'acidente' na eleição de 2018
A falta de unidade daqueles que defendem a continuidade da atual agenda econômica traz de volta um risco, até aqui minimizado, de haver um "acidente" na eleição de 2018, e um candidato não comprometido com as reformas vencer o pleito. Esse é o alerta do ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e atual sócio da Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo.

Evitando mencionar nomes de potenciais candidatos, o gestor diz que o PSDB, visto como historicamente o partido comprometido com a continuidade da atual política econômica, deve buscar um "processo de aglutinação" para evitar que a eleição acabe dando vitória "ao lado mais populista". "De novo, estamos brincando perto do precipício", diz.

A preocupação com o processo eleitoral, afirma Figueiredo, tem trazido grande ansiedade ao mercado e explica, em parte, a piora dos preços dos ativos. Isso porque a garantia de que o próximo governo dará continuidade às reformas é essencial para que o país não entre num processo de desorganização, que pode, inclusive, abrir espaço para uma nova recessão ainda mais severa.

"O Brasil está numa situação de oportunidade ou de precipício. A gente foi para o limite", afirma. "Se a gente fizer uma agenda ruim a partir da próxima eleição, provavelmente estaremos fadados a cair no precipício", diz. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Os mercados financeiros voltaram a reagir ao noticiário político nas últimas semanas. Há, de fato, uma frustração que leve a uma deterioração no cenário local?

Luiz Fernando Figueiredo: No curto prazo, o que a gente sente é uma separação do processo político do econômico. O país está voltando a crescer, até o crédito está melhorando. Melhora para a pessoa física e, para pessoa jurídica, tem uma cara de que vai melhorar. A economia está voltando a ter vida, mesmo com esse imbróglio político. Mas, como temos um processo eleitoral mais à frente, isso não terá vida muito longa, principalmente se o processo for muito instável. O Brasil está numa situação de oportunidade ou de precipício. A gente foi para o limite. A situação fiscal passou do ponto em que havia espaço de acomodação. Isso não quer dizer que o Brasil precise resolver sua situação fiscal agora, mas a gente tem um fato muito relevante que são as eleições. Se a gente fizer uma agenda ruim a partir da próxima eleição, provavelmente estaremos fadados a cair no precipício.

Valor: Qual é o risco de um cenário de retrocesso se confirmar?

Figueiredo: Minha visão é que isso não deve acontecer, porque nenhum governo que entrar vai querer se jogar do precipício - como o Lula não fez de 2002 para 2003. Então, esse não é o meu cenário mais provável, porque apesar desse governo não ter popularidade, as pessoas estão vendo que essa agenda está nos tirando do buraco. O Brasil viveu a recessão mais longa e mais profunda de sua história e voltou a crescer. A inflação está baixa, com cara de que vai ficar baixa por tempo longo, a taxa de juros também está indo para um patamar baixo para o padrão brasileiro. E uma coisa que a gente esperava mais para o fim do primeiro semestre do ano que vem é a queda do desemprego. Este ano já se reduziu o número de desempregados em um milhão. O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, comentou que o emprego está voltando muito mais cedo do que se esperava. Então, o ambiente em que a gente está entrando é de um ciclo virtuoso. É difícil que a população queira uma política econômica alternativa ao que está aí. Para mim, a tendência majoritária é que tenhamos uma eleição nessa linha.

Valor: Mas então o que trouxe de volta a instabilidade?

Figueiredo: É que o Brasil gosta de flertar com o precipício. E aqueles que defendem essa agenda na direção correta não param de bater cabeça. Pode ser que isso mude, mas hoje a chance de ter uma surpresa na eleição e ir para o caminho errado não é pequena. O lado mais centro, centro-direita, que tem uma visão de agenda correta. ainda não se aglutinou para ser uma força relevante em termos nacionais.

Valor: O sr. está se referindo às disputas internas no PSDB?

Figueiredo: Sim, foi um sinal péssimo. Não sou um entendido em processo eleitoral, mas o que estamos vendo é o oposto do que gostaríamos de ver. O Brasil tem uma enorme oportunidade, com uma boa agenda, que pode abrir caminho para o crescimento na próxima década. Diante dessa situação, em vez de a gente ter um processo de aglutinação em torno de um grupo que esteja nessa direção, estamos vendo uma briga entre os potenciais candidatos e pode acontecer o acidente de a gente ter uma eleição em que o centro esteja fracionado, e a gente acabe indo para o lado mais populista, para o Lula ou Bolsonaro, coisa desse tipo. De novo, estamos brincando perto do precipício.

Valor: Quem seria essa liderança que teria capacidade para conduzir essa aglutinação?

Figueiredo: O PSDB sempre representou essa agenda. Mas o que a gente vê é uma confusão. Eu prefiro não falar em nomes, em candidatos. A minha preocupação é, se você continuar tendo essa bateção de cabeça, no fim não haverá unidade em cima de uma linha de conduta. E abre muito a chance de um acidente.

Valor: Que risco o país está correndo?

Figueiredo: Se em poucos anos a gente não conseguir inverter a trajetória da dívida em relação ao PIB, a gente vai para um nível de desarrumação econômica que poucas vezes vimos na nossa história. O que a gente viu em termos de recessão nos últimos anos talvez seja um aperitivo perto do que a gente vai ver para frente. O Brasil conseguiu ter algum grau de estabilidade, apesar dos desarranjos das contas fiscais, por duas razões. A primeira é que, embora sem nenhuma popularidade, este governo tem uma das melhores agendas da história recente, não só do ponto de vista fiscal mas de gestão macroeconômica e também com uma agenda microeconômica. Isso ajudou muito a postergar, apesar das contas fiscais, um desarranjo maior. A segunda razão é que o Brasil poucas vezes na sua história teve um balanço de pagamentos tão saudável. A nossa conta corrente externa está perto de zero, é muito levemente negativa. E poderia ser, numa situação saudável, muito mais negativa do que é hoje. E ainda contamos com um volume de investimentos diretos muito relevante, perto de 4% do PIB. Em circunstâncias anteriores, o Brasil enfrentou o desarranjo fiscal com uma fragilidade externa muito grande, e por isso acabou vivendo um caos. O que eu quero dizer é que nós ganhamos um tempo maior. Mas esses dois fatores não predominarão a partir da eleição.

Valor: Sobre a reforma Previdência, o que o sr. considera plausível neste momento?

Figueiredo: A reforma não ressuscitou, mas a chance de haver reforma ressuscitou. Seria algo como 50% da proposta original, que geraria uma economia de R$ 800 bilhões em dez anos. É disso que estamos falando. O que de jeito nenhum significa que, no próximo governo, o restante da reforma não tenha que acontecer. Essa reforma nada mais é do que um instrumento na direção de redução de privilégios. Não é uma questão de escolha. Tem que reduzir porque senão não se conseguirá continuar como um país estável. Está quase quebrando de tantos privilégios que tem que pagar.

Valor: Mas o sr. vê hoje chances reais desse primeiro pedaço da reforma ser aprovado neste governo?

Figueiredo: Para mim, há entre 30% e 40% de chance dessa reforma passar. Mas para isso, tem que se construir esse processo. A maneira correta de dizer é que, por mais que a reforma não seja popular, a maneira de se colocar é que precisamos já reduzir os privilégios. O Brasil, com esse volume de privilégios, não consegue mais respirar. Só de subsídios, a conta neste ano é da ordem de R$ 240 bilhões. O país está sufocado por esses privilégios.

Valor: O governo não deveria ter conduzido um debate mais transparente com a sociedade sobre a reforma? Isso não foi uma falha?

Figueiredo: O governo poderia ter se comunicado muito melhor, não há dúvida. A reforma da Previdência não está colocada claramente como uma reforma para reduzir privilégios. E é uma redução de privilégios principalmente do setor público. O que estamos vendo é: hoje, os que recebem pouco se aposentam, em média, com 62 anos. No serviço público, é ao redor de 54 anos. O tamanho do déficit do setor público, para 900 mil pessoas, é várias vezes maior. É incontestável. E essa discussão tem que acontecer. Então, é uma questão muito mais de comunicação. E me parece que, de tudo o que você tem, o da Previdência é o mais gritante.

Valor: O que vai acontecer se não houver nenhuma reforma da Previdência antes da eleição?

Figueiredo: No cenário de curto prazo, não muda muito. Porque, no fim das contas, essa reforma vai ajudar a relação dívida/PIB daqui a dois anos. Mas toda vez que você demora, a reforma à frente tem que ser mais dramática. Vai se acumulando não só o déficit, como o processo de transição tem que ser mais curto. Estamos muito perto de ter de quebrar direitos. Ainda não é necessário, porque haverá um processo de transição. Mas haverá um momento em que, ou se quebra direitos adquiridos, ou o país quebra. As duas coisas são ruins. Nós temos ainda a chance de fazer uma transição razoável. Mas vai passando o tempo e vai ficando cada vez mais difícil. Se deixar tudo para o próximo governo, vai ter que fazer uma reforma mais dura.

Valor: E existe a questão do teto de gastos não poder ser cumprido sem a reforma.

Figueiredo: O mercado muitas vezes diz que não vai ser possível cumprir o teto dos gastos. E é verdade que, sem reformas, não vai conseguir cumprir. Por outro lado, acho muito difícil, se a gente chegar às vésperas de descumprir o teto, que o Congresso aprove a flexibilização disso. Porque, provavelmente, estaremos num ambiente de caos. Porque aí estará se jogando a toalha em relação a qualquer controle fiscal.

Valor: Então, se chegarmos no ponto de discutir o teto de gastos, é porque estaremos de fato numa situação muito aguda?

Figueiredo: Sem dúvida. Olhando de hoje, você pode achar que vai ser tranquilo [desrespeitar o teto de gastos]. Não vai ser assim. Do lado do governo, eles não vão poder assinar um gasto se passar do teto, senão eles poderão ser inclusive presos. Vamos lembrar que um governo que trabalhou com pirotecnia fiscal foi 'impichado' recentemente.

Valor: Os movimentos de mercado - alta do dólar, saída do estrangeiro da bolsa - refletem essas preocupações locais?

Figueiredo: Eu acho que o ambiente de um mês para cá piorou. Piorou o ambiente político, de se aprovar essa agenda econômica e isso tem que estar refletido no preço. Por outro lado, também estamos mais perto das eleições. E não parece que os partidos estejam se aglutinando nesse caminho correto. Pelo contrário. Então isso também gera aflição. Mas se a gente está falando que o mercado está colocando no preço o risco eleitoral, eu acho que está muito longe. Se a gente tiver um processo eleitoral muito caótico, a gente está falando de outros preços, de um nível de prêmio muito alto. O mercado hoje reflete três fatores: uma certa realização de lucros; a aproximação do fim do ano que, em geral, leva os agentes a reduzirem risco; e uma piora sensível no ambiente político. Não só no ambiente político de curto prazo, mas também essa história eleitoral, que não está afunilando para um caminho mais razoável.

Valor: As recentes pesquisas de voto - mostrando chances de vitória de Lula e também de Bolsonaro - também trazem à tona essa preocupação?

Figueiredo: Para mim, as pesquisas são só recall, as pessoas mencionam os nomes que elas já conhecem. Mas quando não se tem definido um candidato que represente um país arrumado, isso gera preocupação. O cenário mais provável, de novo, é que o candidato que representa a continuidade de boas políticas ganhe a eleição. E não é por outra razão que, na Mauá, nós temos feito, neste último ano, talvez o maior investimento em capital humano da nossa história. Aumentamos o número de pessoas, a qualidade de pessoas, montamos nova área de ações, tudo isso pensando que o Brasil está diante de uma oportunidade. Nossa aposta não é num ambiente negativo. Mas o risco de um acidente cresceu.

Valor: E do lado do próprio governo, o que contribui para esse aumento de percepção de risco politico?

Figueiredo: A sensação aparente é que o governo saiu mais fragilizado da segunda denúncia do que se imaginava a priori. Isso gerou mais ansiedade dos agentes. Não só na questão da reforma da Previdência, mas até para a questão da aprovação das medidas provisórias que têm que ser aprovadas para o Orçamento do ano que vem. Então o governo tem que mostrar que está firme na reforma da Previdência, que é o principal movimento para reduzir os privilégios.

Valor: Depois da Previdência, qual deve ser a próxima ação para corrigir essas distorções que geram privilégio?

Figueiredo: Olhar todos os subsídios, fazer análise profunda de quais são os que geram coisas boas para o país. E atacar os que menos geram valor. É muita coisa. No Brasil, surgem boas ideias mas elas extrapolam tanto a ideia original que elas acabam fazendo mais mal do que bem.

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