domingo, 31 de dezembro de 2017

Ações de Meirelles provocam mal-estar em aliados do governo

Partidos da base consideram que ministro age como candidato, o que pode afetar votações no Congresso

Catarina Alencastro / O Globo

BRASÍLIA - Com a precipitação do PSD em colocar o nome do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, no cenário eleitoral, aumentou o mal-estar de aliados do governo com a postura do comandante da área econômica em um momento crucial para a economia. Embora insista em dizer publicamente que só decidirá sobre uma candidatura à Presidência em março e que, até lá, seu foco é ser ministro da Fazenda, ele começa a colher adversários internos, para os quais a cabeça de Meirelles está mais na campanha do que deveria. Há pautas que, na avaliação desses governistas, deveriam contar com uma posição mais incisiva do ministro, mas que ele optou por manter distanciamento.

O fogo amigo contra Meirelles está centrado principalmente no Congresso, onde setores da base do presidente Michel Temer veem as movimentações do ministro como precipitadas. Eles não se furtam a levar esse desconforto ao gabinete presidencial. O chamado núcleo duro em torno de Temer, no entanto, mantém seu apoio ao chefe da Fazenda. Embora desponte com baixa viabilidade nas pesquisas eleitorais, Meirelles é, atualmente, o nome mais confiável que o Palácio do Planalto tem para encampar o legado da atual gestão.

RISCO À REFORMA DA PREVIDÊNCIA
O programa partidário do PSD, divulgado no último dia 21, foi interpretado no mundo político como o lançamento informal da candidatura de Meirelles. Nele, o ministro fala que o brasileiro não quer mais aventuras e se apresenta como alternativa de centro, apartado das posições radicais de direita e de esquerda. Com uma linguagem didática, Meirelles diz que dorme pouco e trabalha muito, e traz um pouco de sua história: um garoto simples que estudou em escolas públicas e chegou ao posto de primeiro brasileiro a presidir um banco internacional. Incomodou aliados do governo o fato de, nos dez minutos em que durou o programa, o ministro não citar a reforma da Previdência.

Para deputados da base aliada do governo, o fato de o ministro da Fazenda figurar, ainda que extraoficialmente, como presidenciável já o coloca como oponente no Congresso, onde cada partido tem seus próprios candidatos ou está em conversas para alianças. E isso poderia afetar negativamente a saga pela aprovação da reforma da Previdência, acreditam os críticos à candidatura do ministro. Um conselheiro econômico de Temer vem manifestando esse receio a interlocutores. Para a empreitada presidencial, Meirelles enfrenta resistências até mesmo dentro da bancada de seu partido na Câmara. Entre os deputados do PSD, há quem entenda que ele está queimando etapas ao se lançar tão cedo para o Planalto, além de colocar em xeque avanços na pauta do ajuste fiscal.

— Quando ele se coloca como candidato, no meio de propostas, ações, MPs de ajuste fiscal, gera um risco para esse esforço (de aprovação das medidas). Partidos aliados começam a olhar o Meirelles como potencial oponente na disputa presidencial, e claro que isso pode atrapalhar votações importantes que ainda temos pela frente. É um movimento de alto risco para o sucesso da recuperação econômica — diz um aliado de Temer na Câmara.

As negociações para que o Congresso aprovasse o uso de recursos do FGTS como socorro financeiro para a Caixa Econômica Federal, por exemplo, foram malvistas por parlamentares da base. O texto, que está pronto para ser sancionado por Temer, prevê uma ajuda de R$ 15 bilhões para a Caixa. Na semana passada, o ministro voltou às redes sociais com novo vídeo, citando “seis ações que ajudaram o Brasil a sair da maior recessão de sua História”. Ele elenca o teto de gastos, a liberação das contas inativas do FGTS para os trabalhadores e a redução das despesas obrigatórias do governo para o mesmo nível de 2014. Sem mencionar Temer, ele aparece em fotos, e com o selo “Henrique Meirelles”, ladeado pela bandeira do Brasil.

— O ministro da Fazenda, diferentemente de um governador de estado, é, junto com o presidente da República, o elemento mais importante da recuperação econômica. Ele se precipitou. Ele deveria se pronunciar somente em março. Até lá, deveria ser só ajuste. Sou um dos parlamentares da bancada que veem com ressalvas a candidatura dele. Eu vejo que a própria reforma da Previdência está em risco por causa dessa potencial candidatura — pontua um deputado do PSD.

‘É QUASE UMA OBSESSÃO’
Alguns afirmam que a vontade de virar presidente se tornou uma “obsessão”. E lembram que o programa partidário foi apenas um de uma série de eventos com aparência de campanha que Meirelles protagonizou. Em setembro, o ministro gravou um vídeo, divulgado nas redes sociais, voltado para o público evangélico. Nele, Meirelles pede orações para que a economia supere a recessão. “Nossa meta é, de fato, fazer com que o país volte a ter emprego para todos. Para isso, preciso contar com a oração de vocês”, rogou o ministro no vídeo. Depois, no início de dezembro, ele deu uma entrevista dizendo que o governo vai ter candidato, e que não será o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) que contará com o aval de Temer.

— Ele só pensa em ser o presidente da República. É quase que uma obsessão. Ele não consegue se segurar — avalia um correligionário do ministro.

Dez meses antes da eleição, a disputa interna no governo para ter o selo do Palácio do Planalto é grande. Vários dos aliados que orbitam em torno de Temer querem colher os louros da nascente melhora econômica, bem como as facilidades de concorrer com o peso da máquina pública a seu favor. Além do PSD, as negociações envolvem o PMDB, que ainda não decidiu se terá candidato próprio; o DEM, que flerta com a possibilidade de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ou o prefeito de Salvador, ACM Neto, assumirem a cabeça de chapa; e outras siglas, que aguardam maiores definições para só então se posicionarem.

— O presidente fica incensando muitos dos que cogitam ocupar o posto de candidato do governo, mas ele próprio ainda não bateu o martelo se será ou não candidato — diz um aliado.

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