segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Cláudio Gonçalves Couto: A polarização assimétrica

- Valor Econômico

Lula e Bolsonaro polarizam, mas de forma assimétrica

Em discussões sobre a disputa presidencial tornou-se um lugar comum a polarização entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Alguns, como o prefeito de São Paulo, João Doria, utilizam-na para propor a necessidade de uma alternativa que escape à dicotomia das opções "de extrema esquerda e extrema direita".

Embora a ideia de polarização faça sentido, já que se trata de candidatos de esquerda e direita ponteando as pesquisas de intenção de voto, a referência aos extremos é imprópria neste caso. Enquanto esquerda e direita representam dois polos de um espectro ideológico específico, ao longo do qual uma grande diversidade de posições é possível, a noção de extremismo remete a outro problema, referente ao ponto em que alguém se localiza no espectro.

Imaginemos uma reta traçada da esquerda para a direita, ao longo da qual uma infinidade de pontos estão dispostos, representando diversas gradações do espectro ideológico. Não é difícil situar onde estão extremistas de uma e outra vertente - nas pontas. Mais complexo, contudo, é determinar a localização exata de não extremistas (os moderados), já que esses se colocam em inúmeras posições. Aliás, é provável que moderados de direita e esquerda estejam mais próximos entre si do que dos extremistas do seu lado do espectro.

O notável filósofo político Norberto Bobbio, um liberal, percebia isso com clareza. Em seu livro sobre o tema (Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política), dizia que a diferenciação mais relevante pode não ser entre os dois lados, mas entre extremistas e moderados. Para ressaltar o ponto, invocava a célebre imagem da ferradura, apontando-lhe como mais adequada do que a reta para descrever a distribuição ideológica. Desse modo, assim como a ferradura, cuja curvatura leva as pontas a se acercarem, no espectro ideológico "os extremos se tocam". E o maior ponto de convergência entre os extremistas de esquerda e de direita, segundo Bobbio, é a antidemocracia.

Voltemos então a Lula e Bolsonaro. Embora ambos estejam respectiva e claramente à esquerda e à direita do espectro ideológico, não se localizam em pontos simétricos da distribuição.

O ex-presidente, como seus dois governos demonstraram à exaustão, é um pragmático, não um extremista. Como poderia ser um extremista de esquerda e manter no Banco Central por oito anos (o maior período de nossa história) um banqueiro liberal como Henrique Meirelles? Como poderia um extremista de esquerda ter como vice-presidente por dois mandatos (portanto, mantendo-o na reeleição) um megaempresário do setor têxtil como José Alencar? Como poderia um extremista de esquerda nomear para o Ministério da Agricultura um líder do agronegócio como Roberto Rodrigues? E por que motivo um extremista de esquerda indicaria para o Ministério da Indústria e Comércio uma liderança do setor exportador como Luiz Fernando Furlan? Isso, claro, sem mencionar as alianças com partidos do centro e da direita, tanto na eleição como no governo.

Bolsonaro tem figurino distinto. Embora sem experiência governamental a apresentar, notabilizou-se por reiteradas defesas da ditadura militar no Brasil e alhures, pelo enaltecimento de notórios torturadores e da tortura, bem como pela sugestão de fuzilamento de um presidente moderado, Fernando Henrique Cardoso. Em sua atuação parlamentar, notabilizou-se pela proposta de castração química de criminosos sexuais, ironicamente acompanhada pela repetida ofensa a uma colega de Câmara, a quem reputava não ser suficientemente digna de ser estuprada por ele. Ingressou na política e nela se manteve defendendo teses corporativistas (de favorecimento aos interesses de funcionários militares) e nacionalistas, das quais a recente defesa de restrição aos investimentos chineses é apenas uma demonstração atenuada. Nestes dias, ao discutir questões de segurança, propalou que policiais tenham carta branca para matar e que é inadmissível que o ministro da Defesa seja um civil.

Considerando os históricos dos candidatos, o ex-presidente está mais próximo de posições liberais e do empresariado do que o militar da reserva. Na ferradura ideológica, enquanto Lula se situa um pouco à esquerda do centro da curvatura, Bolsonaro se posiciona na ponta direita que, ironicamente, quase toca a ponta esquerda. Por isso, é ele quem mais se assemelha ao chavismo, não o petista, apesar da dificuldade que têm seus colegas de partido (e ele mesmo) de condenar a ditadura venezuelana. Vale notar aliás, que não é apenas em seu autoritarismo que Bolsonaro se assemelha ao chavismo, mas também em seu nacionalismo econômico e em seu estatismo, que tenta agora disfarçar.

Porém, Lula provavelmente não será candidato, pois o histórico do TRF-4, que julgará seu apelo da condenação proferida por Sérgio Moro, bem como as afinidades entre o magistrado de Curitiba e seus colegas de Porto Alegre, indicam que a tendência é pela confirmação (ou mesmo majoração) da sentença. Condenado em segunda instância, Lula se torna inelegível.

Com isto, mudam os personagens da polarização, aumenta a fragmentação da disputa, mas não o fato de que ela seguirá assimétrica, pois haverá um candidato forte na extrema direita, mas não se encontrará correspondentes na extrema esquerda - afinal, os postulantes de sempre nesse campo (PCO, PSTU, PCB) são risíveis, o PSOL dificilmente terá nome competitivo e os demais (mesmo a candidata do PC do B, Manuela D'Ávila) tendem à moderação. Não casualmente Geraldo Alckmin, político de centro-direita, já ensaia se portar como anti-Bolsonaro, no que será acompanhado por seus adversários na centro-esquerda, Ciro Gomes e Marina Silva.

A questão é saber se Bolsonaro não sucumbirá às próprias contradições e à desnudação de seu extremismo, com o que a disputa, embora polarizada, talvez se torne simétrica. Caso contrário, seguiremos com a polarização assimétrica até o segundo turno. O crescimento da extrema direita mundo afora não possibilita um diagnóstico certo sobre isto tão já.
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Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP

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