sábado, 2 de dezembro de 2017

Dora Kramer: Dois na gangorra

- Revista Veja

Lula e Bolsonaro, duas faces de uma moeda que tende a se depreciar

Por falta de opções não morrerá pagão o eleitorado em 2018, tal o volume de candidaturas à Presidência da República em oferta no mercado. Tem de tudo: deputado, senador, governador, advogado, ex-presidente, subcelebridades, falastrões, canastrões e tem até gente séria.

Quanto à quantidade, portanto, estaremos atendidos. Já a qualidade da mercadoria são os quinhentos sobre os quais o bom-senso nos aconselha a pesar muito bem pesados e a medir muito bem medidos todos os produtos, a fim de fazer uma boa escolha e não repetir bobagens do passado.

Pode até parecer pouco crível àqueles que atribuem por princípio a condição de nulidade a uma figura do mundo do entretenimento, mas Luciano Huck não tem dito tolices por aí. Não será candidato (no que faz bem, dadas as dimensões da máquina de moer carne de uma campanha), mas pretende participar e para isso se preparou buscando aprender e se informar sobre as principais questões em aberto no país.

Soube ouvir, fala com propriedade e boa articulação. Quem conseguir seu apoio levará mais que telespectadores. O rapaz é consistente, o que não é pouco num cenário em que o raciocínio, a clareza e a firmeza de propósitos não andam exatamente dando sopa. Não sobram aos candidatos e faltam também aos eleitores.

O descaso quanto ao mérito de candidaturas já postas se expressa nas pesquisas que apontam Lula da Silva e Jair Bolsonaro como os preferidos entre os que manifestam intenção de voto (a maioria, mais de 50%, ainda está em compasso de espera).

Os (mal) feitos, a rejeição, a falta de compostura e as encrencas do ex-presidente e do PT com a Justiça dispensam apresentações. Em boa medida, são atributos que também pesam contra Bolsonaro. Ambos pretendem contornar os obstáculos reinventando-se, tentando mudar justamente os quesitos que os trouxeram até o topo das pesquisas.

Lula reassume a persona esquerdista que o fez perder três eleições presidenciais, deixando de lado o avalista da continuidade de uma política econômica que lhe permitiu êxito nessa área. É dos tempos de bonança que se recorda quem diz ter sido “feliz” numa época que não volta mais. Ainda que tenha condições legais de concorrer, não terá mais o mesmo ambiente econômico favorável, muito menos a aura de moralizador geral da República com a qual construiu carreira.

Bolsonaro tenta amenizar sua truculência, apreço ao autoritarismo, completa ignorância a respeito das engrenagens de um país, a cada dia inventa uma nova maquiagem a fim de suavizar traços de uma personalidade tosca e assim corre o risco de perder os adeptos da ideia de que o Brasil se resolve aos trancos e barrancos. Conquista aplausos com frases feitas para provocar efeito, mas não resistirá ao detalhamento das exigências do debate ao longo da campanha.

O deputado e o ex-presidente, enfim, são as duas faces da mesma moeda cujo valor tende a se depreciar na proporção direta do interesse e cobranças efetivos do eleitorado em busca do melhor.
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Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2017, edição nº 2559

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