sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

É inadiável começar a reforma da previdência: Editorial/Valor Econômico

Por qualquer aspecto que se analise a questão das contas da previdência social surge um quadro insustentável. O Congresso tem indicado que deve rejeitar a reforma e, apesar das concessões feitas pelo governo, que foram generosas, e da desidratação da proposta inicial, líderes partidários dizem que ela ainda não arregimenta os 308 votos necessários. Os políticos a consideram impopular e creem que sua aprovação é um passo seguro para que não sejam reeleitos. O argumento não é válido. Depois de atenuada, a proposta de reforma afeta agora 9,5% da população, ante 21% se o texto original fosse aprovado.

O Tesouro colocou em números a questão para mostrar mais uma vez a situação de dramático desequilíbrio das contas previdenciárias. Didaticamente, por eles é possível ver que as despesas crescem bem mais que as receitas, que manter o desequilíbrio exigirá carga pesada adicional de impostos, que o regime é injusto e beneficia quem ganha mais e que se renuncia a uma fatia considerável da arrecadação destinada à previdência. Além disso, o teto de gastos, na ausência da reforma desaba e mesmo que as receitas desvinculadas retiradas da previdenciária não o fossem, ainda assim os déficits ocorreriam e seriam crescentes.

Segundo o Tesouro, enquanto as receitas tendem a acompanhar o crescimento médio da economia e aumentar de 1% a 2% ao ano em termos reais, as despesas evoluem em um ritmo bem próximo ao do envelhecimento da população, de 3% a 4% anuais. Entre 2007 e 2016, as primeiras avançaram 17,6%, já descontada a inflação, e as segundas, 46,4%.

Se nada for feito, como será possível financiar os déficits progressivos? A arrecadação federal equivale a 20,9% do PIB e a do regime geral da previdência (RGPS), a 5,7% do PIB. Seria necessário, para enfrentar as despesas, mais que dobrar a arrecadação do RGPS, ou a do Imposto de Renda (5,4% do PIB), ou mais que triplicar a arrecadação da Cofins, ou uma combinação destas medidas. "Nesse cenário", alerta o Tesouro, "a carga tributária federal atingiria o patamar de 30% do PIB e a carga tributária nacional atingiria 41% do PIB".

O déficit previdenciário é desigualmente distribuído. Dentro do regime geral, 9,4 milhões de beneficiários rurais provocaram em 2016 um rombo de R$ 101,6 bilhões, ou 47% do total. Nada que se compare, no entanto, com a diferença entre o RGPS e o regime dos servidores civis. Apenas 623,5 mil beneficiários produziram em 2016 um déficit de R$ 43,1 bilhões, superior aos R$ 36,4 bilhões dos 24,2 milhões de aposentados urbanos. Proporcionalmente, o grande rombo do regime próprio dos militares reformados e de pensões, de R$ 34,1 bilhões, é resultado do pagamento de apenas 299 mil pessoas.

Ou, de outra forma, como calculado pelo Tesouro, o regime urbano traz um déficit per capita (rombo total dividido por beneficiários) de R$ 1,5 mil, o rural, de R$ 10,7 mil, o dos servidores, de R$ 68,1 mil e dos militares reformados, de R$ 127,7 mil.

Há mais de uma década a insolvência do regime de previdência é conhecida, e os déficits crescem, e, mesmo assim, as renúncias fiscais que a afetam seguiram a mesma direção. Em 2007, eram de R$ 14 bilhões, atingiram um pico em 2015, com R$ 66,48 bilhões e fecharam o ano passado em R$ 57,7 bilhões. Nessa conta entram o que se deixa de arrecadar para a previdência com o Simples, a maior parte (R$ 23,2 bilhões), a desoneração da folha de pagamentos, isenção de entidades filantrópicas e vantagens para exportador rural microempreendedor individual e outras.

Resumindo, em 2060 despesas com a seguridade social (inclui saúde e assistência social) chegariam a 23% do PIB, o que obrigaria o orçamento da União a ser praticamente gasto com políticas de transferência de renda - previdência, Loas, Bolsa Família, BPC) e com saúde. O déficit autuarial do regime geral e dos servidores civis é de R$ 9,23 trilhões em valores presentes, 147% do PIB, ou o equivalente a uma dívida per capita para a população de até 25 anos de R$ 110.274.

O governo diz que não quer mais mudar o projeto e, embora ele seja insuficiente, é vital para dar início a uma correção importante e inadiável. Não se sabe se conseguirá vencer a resistência do Congresso. Até partidos que sempre defenderam a reforma tentam agora desfigurá-la ainda mais, como é o caso do PSDB que, na previdência como no resto, perdeu o rumo de casa.

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