terça-feira, 12 de dezembro de 2017

*Eloísa Machado de Almeida: Inovações do STF geram série de incertezas

- Folha de S. Paulo, 8/12/2017

Tendência geral da corte é restringir imunidades parlamentares como resposta à crise ética e moral da política

A Constituição Federal estabelece um regime bastante amplo de garantias para que parlamentares exerçam suas funções sem quaisquer interferências.

Essas garantias abrangem as chamadas imunidades materiais –como a inviolabilidade dos parlamentares por suas opiniões, palavras e votos e a impossibilidade de prisão desde a diplomação, salvo em flagrante delito de crime inafiançável–, e as imunidades formais, como a designação de foro por prerrogativa de função e a possibilidade de as casas legislativas revisarem ordens de prisão ou mesmo sustarem o andamento de processos criminais.

Nos últimos anos, entretanto, o Supremo Tribunal Federal tem adotado uma série de interpretações restritivas dessas imunidades.

Por exemplo, ao receber a denúncia criminal contra Jair Bolsonaro por incitação ao crime e injúria no episódio em que afirmou que Maria do Rosário "não merecia ser estuprada", o tribunal não estendeu a proteção constitucional dada às palavras e opiniões de parlamentares quando esses a usam para praticar crimes "alheios à função".

É no mesmo sentido que o tribunal tenta, agora, reinterpretar o alcance do foro por prerrogativa de função, para restringi-lo apenas a crimes cometidos durante e em razão do mandato.

De outra parte, as imunidades formais também têm sido objeto de restrição. A vedação de prisão dos membros do Congresso Nacional, a não ser em flagrante delito de crime inafiançável, foi reiteradamente flexibilizada em episódios da Operação Lava Jato.

Para decretar a prisão do então senador Delcídio do Amaral, houve uma interpretação bastante ampla da figura do flagrante de crime inafiançável. Já para Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, inovou-se com a aplicação de medida cautelar de suspensão do exercício do mandato.

Essa inovação do tribunal tem gerado uma série incertezas. Uma delas, sobre a aplicação de medidas cautelares em substituição à prisão e que afetassem o mandato eletivo, foi ponderada pelo tribunal no caso Aécio Neves: em decisão apertada, por 6 votos contra 5, o STF reafirmou o poder de aplicar medidas cautelares, mas entendeu que seria o caso de submeter a decisão judicial a uma revisão pelas casas legislativas.

ESTADOS
A questão agora é saber se as Constituições Estaduais podem ampliar e reproduzir o mesmo sistema de imunidades formais e materiais aos seus deputados; especificamente, saber se podem dar às Assembleias Legislativas estaduais o poder de suspender decisões judiciais que determinem medidas cautelares ou mesmo a prisão preventiva. As Constituições do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Norte e do Mato Grosso, que contam com dispositivos nesse sentido, tiveram sua constitucionalidade questionada no STF.

O pano de fundo é o caso da prisão dos deputados Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi pelo Judiciário e imediata soltura pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

O resultado que se desenha no julgamento iniciado pelo Supremo Tribunal Federal é de que os legislativos estaduais não devem ter o poder de revisar as decisões judiciais de prisão preventiva ou de aplicação de medidas cautelares.

A justificativa para tratar de forma diferenciada deputados estaduais e federais ainda não está clara: parte dos ministros defende que um sistema recursal próprio dispensaria a revisão das decisões judiciais pelo Legislativo estadual; outros defendem que a Constituição Federal garantiria essa imunidade apenas aos membros do Congresso Nacional; outros, por sua vez, defendem que medidas cautelares –inclusive a prisão preventiva– não deveriam ser revistas pelo Legislativo, nem para deputados federais, nem para os estaduais.

O resultado pode ainda ser incerto, mas a tendência geral do Supremo Tribunal Federal é clara em restringir as imunidades parlamentares, como "resposta à crise ética e moral da política". O Supremo constrói, a cada decisão, um sistema político tutelado.
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Eloísa Machado de Almeida é professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP

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