sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Fernando Abrucio: PSDB tem de reconstruir sua identidade

- Valor Econômico

As eleições de 2018 serão fundamentais para o futuro de PSDB. Depois de perder quatro disputas presidenciais, o partido tem chances de voltar ao poder, mas enfrentará adversários e obstáculos importantes no meio do caminho. E se conseguir voltar ao Palácio do Planalto, terá de dizer qual é, enfim, o seu plano de governo.

O fato é que o ideário tucano ficou confuso nos últimos anos, contendo ainda hoje indefinições e ambiguidades. A escolha do novo presidente da legenda será o primeiro passo de um longo caminho para reencontrar a identidade perdida ao fim do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Obviamente que o Brasil mudou muito nos últimos anos e não dá para o PSDB simplesmente voltar ao lugar em que estava no início da década passada. Houve avanços em vários indicadores sociodemográficos, porém ainda há problemas marcantes em várias áreas. É preciso descobrir o que deu certo - e há lições positivas da era petista - e o que deu errado, definindo claramente, sem ficar em cima do muro, o que deve ser feito para melhorar a situação da população. Em outras palavras, é preciso dizer que modelo de Estado deve ser adotado para garantir, concomitantemente, crescimento econômico e maior igualdade social.

Novos grupos e demandas sociais também surgiram, e não dá para ignorar essa transformação. Vozes das periferias urbanas, de gente que estudou mais e não tem emprego, de mulheres, negros e LGBTs que querem ter seus direitos garantidos. Tenho certeza, pois fui aluno dela, que Ruth Cardoso, peessedebista de primeira hora, teria um enorme prazer de ver essa nova configuração de país, e defenderia a adoção de medidas que garantissem a construção de um Brasil mais plural.

Do ponto de vista econômico, a transformação foi enorme. O lado bom foi o avanço do agronegócio e de alguns setores dos serviços. O ruim foi a decadência da indústria e a dificuldade em melhorar a produtividade. No fundo, o país ficou mais passos atrás dos desenvolvidos (e dos que se desenvolveram, como a China). Será preciso fazer muita coisa para reduzir essa distância.

A realidade internacional não é a mesma do pós-Guerra Fria. A globalização ampliou-se, mas com ela cresceu igualmente um conjunto de alianças regionais, especialmente na Ásia, e houve, ademais, o fortalecimento impressionante da China. Claro que os Estados Unidos e, em menor medida, a União Europeia (comandada pela Alemanha), continuam sendo potências centrais no mundo. Todavia, a multipolaridade ficou mais evidente com a ascensão da Índia e o retorno da Rússia ao centro do tabuleiro geopolítico. A América Latina até ensaiou maior integração regional, só que esse processo está em crise no momento. Em resumo, as relações internacionais são mais complexas do que no final do período FHC.

Mas o ponto central é que, atualmente, uma dupla crise domina o debate nacional. A primeira e mais comentada pela mídia é a deterioração do sistema político. Todos os principais partidos, incluindo o PSDB, foram tragados por um oceano de denúncias em relação à sua prática política, principalmente no que se refere ao financiamento eleitoral. Recuperar a confiança da população na política não será uma tarefa apenas para a eleição; será peça-chave para o eleito ter capacidade de fazer mudanças mais amplas.

Tão importante quanto lutar contra o descrédito do sistema político é reformar o Estado, para que ele ofereça mais e melhores serviços públicos e seja capaz de induzir o desenvolvimento econômico. A questão principal, aqui, é como fornecer bens públicos universais com qualidade e sustentabilidade financeira, institucional e ambiental.

Para reconstruir sua identidade frente a esta nova realidade, o PSDB vai enfrentar três grandes desafios. O primeiro diz respeito à dinâmica interna do partido. Por algumas eleições presidenciais, os tucanos caminharam desunidos. O jogo de egos era mais forte do que o objetivo comum. Além disso, a entrada da legenda no governo Temer gerou uma divisão forte entre os integrantes, com recortes geracionais, de posição institucional e de quem estava mais ligado ou não às denúncias de corrupção. O provável novo presidente do PSDB, o governador paulista Geraldo Alckmin, anunciou a saída da barca governista, mas é preciso escolher por qual raia o partido caminhará daqui para diante.

E aqui entra o segundo grande desafio: como se localizar perante as outras forças políticas? O PSDB terá de se posicionar em relação a três grupos concorrentes. O primeiro é o dos candidatos da polarização, hoje liderando as pesquisas. De um lado, a questão é como enfrentar o movimento político liderado pelo ex-presidente Lula. O antipetismo exagerado já foi ocupado pelo bolsonarismo, e será preciso fazer uma crítica mais inteligente e parcimoniosa ao lulismo.

O outro adversário da polarização representa, na origem, a extrema-direita, mas começa a fazer um discurso liberal na economia. Se o candidato tucano, que provavelmente será Alckmin, quiser se diferenciar de Bolsonaro, ele terá de ser mais centrista nas questões morais e nas políticas públicas, inclusive incorporando boas experiência da centro-esquerda de combate à desigualdade. Essa é a forma de diferenciação mais adequada e que tem mais chances de isolar o bolsonarismo.

A segunda força política a enfrentar é o governismo de Temer. O fato é que o PSDB foi engolido politicamente, durante o último ano e meio, pelo PMDB e seus aliados. A própria opção ambígua dos tucanos permitiu essa estratégia. Se tivessem saído mais cedo do governo e, concomitantemente, votado com as reformas, os peessedebistas já estariam com sua raia política mais bem definida. Mas erraram no "timing", o que deixou sequelas junto ao eleitorado, como mostram as pesquisas.

Entretanto, o caminho ainda pode ser revertido. Há três aspectos que podem favorecer a disputa do PSDB com o governismo. O primeiro é que tem uma enorme força em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país. Por isso, Alckmin é naturalmente o nome mais forte presidenciável tucano. O segundo aspecto é a dificuldade para que todos se juntem no condomínio governista. Pois então vejamos. Muitos pemedebistas do Nordeste e Norte, além do senador Requião, já decidiram apoiar Lula. No Rio Grande do Sul, haverá, com certeza, briga entre as legendas da base aliada. No Rio de Janeiro, todos falaram mal do PMDB e seus prisioneiros locais, gerando um enorme mal-estar entre os governistas.

A principal vantagem na comparação com o governismo é a figura do presidente Temer. Quem carrega-lo terá enormes problemas eleitorais, uma vez que sua popularidade continuará muito baixa. O PSDB ainda pode se livrar desse fardo, dizendo que apoiou o país e não o presidente. É claro que a figura do senador Aécio, com tudo que ele representa hoje, atrapalha essa estratégia, e a decisão sobre seu destino definirá a capacidade de os tucanos buscarem votos.

Existe mais um grupo político que pode dificultar a caminhada tucana: mantém-se a possibilidade de candidatos "outsiders" concorrerem à eleição presidencial e que podem chegar ao segundo turno ou pelo menos causar estragos eleitorais ao PSDB. Definitivamente, Alckmin não representa o novo que parte do eleitorado deseja, e é quase certo que um ou mais candidatos se apresentem desse modo. Essa é mais uma razão para que os tucanos se afastem tanto da polarização quanto do governismo, para que não sejam engolidos eleitoralmente por aqueles que buscam representar a ruptura com a política tradicional.

Claro que ter estrutura partidária fará diferença, principalmente para as eleições legislativas. E o PSDB tem, nesse quesito, a mesma força que PMDB e PT. Mas o cenário de 2018, do ponto de vista da cabeça do eleitorado, está mais próximo do espírito de 1989. E em que aspecto os tucanos podem namorar com essa visão do eleitorado? Apresentando uma visão nova de futuro, mais do que apresentando caras novas.

O maior desafio do PSDB é, portanto, propor esse novo projeto, corajoso nas reformas, plural na representação dos grupos sociais, antenado com as principais tendências do século 21 (como a questão ambiental), com políticas consistentes contra desigualdade e para os mais pobres e, sobretudo, coerente na defesa dessas ideias. Não adianta lançar um documento que fala em reformas e, na mesma semana, retroceder em sua posição frente à votação da Previdência. Parece a música do Legião Urbana: "Nós somos tão modernos, só não somos sinceros".

Esse novo perfil partidário seria muito parecido com as ideias que Eduardo Campos pretendia defender nas eleições de 2014. Olhando as pesquisas qualitativas da época, aposto que com aquele discurso o então candidato do PSB teria sido eleito presidente do Brasil, pois estava antenado com as tendências mais profundas do eleitorado. Será que Alckmin e o PSDB serão capazes de fazer esse "aggionarmento"? Se não conseguirem, poderão ser atropelados pelos nomes da polarização, por "outsiders" e até por um candidato governista. Uma nova identidade, uma raia própria, é a única forma de os tucanos voltarem ao poder.
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Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e coordenador do curso de administração pública da FGV-SP

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