terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Joel Pinheiro Da Fonseca: Direitos humanos para humanos de esquerda

- Folha de S. Paulo

Os direitos humanos são vistos como coisa de esquerda no Brasil. É uma pena. Suspeito que isso se deva mais a animosidade para com a "turma dos direitos humanos" do que ao tema em si. Ela é vista como pronta para defender os direitos humanos de criminosos (o que é correto -a lei é para todos, sem exceção) enquanto silencia sobre a violência e o crime organizado que assolam tantos inocentes.

Nem toda turma é igual. O Human Rights Watch (HRW), uma das principais ONGs internacionais de defesa dos direitos humanos,publicou semana passada um relatório ("Crackdown on Dissent: Brutality, Torture, and Political Persecution in Venezuela") sobre o maior violador de direitos humanos da América do Sul: o regime de Nicolás Maduro.

Os casos relatados pela HRW dão uma ideia da violência do regime. Um exemplo: Ernesto Martin (pseudônimo) foi apreendido em sua casa por oficiais não-fardados, levado até Caracas, vendado e acusado de ser um terrorista, sem julgamento. Foi despido, pendurado por uma corrente no teto, recebeu jatos d'água e choques elétricos para confessar que recebia dólares da oposição. Depois de semanas preso e submetido a torturas, assinou um termo em que afirmava ter sido detido por apenas um dia e, com a obrigação de se apresentar às autoridades a cada 15 dias, foi liberado. Finalmente, conseguiu fugir do país.

É um caso entre centenas. A conclusão é dura: a violação de direitos humanos não é fruto de abusos pontuais, mas prática sistemática das forças de segurança. As violações incluem detenção arbitrária -desde abril, foram mais 5.400 presos por conta de protestos -, tortura (por espancamento, asfixia, choques elétricos e estupro) e mesmo assassinato. A finalidade é "reprimir a dissensão política e instilar o medo na população". Enquanto isso, as autoridades jogam a culpa da violência na oposição. Lembra alguma ditadura de nosso passado recente?

A catástrofe econômica e social não deixa alternativa. É umpaís qual a classe média urbana tem que procurar comida no lixo. 82% da população vive na pobreza. A violência está fora de controle. Dezenas de milhares de pessoas já migraram para o Brasil e para a Colômbia. Nesse contexto, ou o regime endurece cada vez mais, ou cai. Maduro já tem o Judiciário sob seus pés e, com a nova Assembleia Constituinte, terá o Legislativo. É um ditador.

O que o Brasil pode fazer é uma questão em aberto. Talvez sanções contra oficiais do regime sejam um bom caminho. Mas está bem claro o que nenhuma força política minimamente decente deveria fazer: apoiar essa desumanidade.

Disse Gleisi Hoffmann, presidente do PT, na Nicarágua: "O PT manifesta seu apoio e solidariedade ao governo do PSUV, seus aliados e ao presidente Nicolás Maduro". E não foi nos anos áureos de Chávez, e sim de julho de 2017; ou seja, com a repressão a pleno vapor.

Aí vemos a hipocrisia de tantas vozes que clamaram indignadas pela democracia na época do impeachment. O discurso de legitimidade democrática é um fino disfarce do intento real: para o nosso lado, tudo é permitido.

Dá para ser melhor do que isso. O Brasil precisa ter uma esquerda moderna, capaz de condenar sem medo regimes brutais como a ditadura de Maduro. É hora da turma dos direitos humanos
mostrar a que veio.

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