sábado, 30 de dezembro de 2017

Míriam Leitão: O tempo do poder

- O Globo

A ministra Cármen Lúcia corrige a coluna dizendo que não existe jurisprudência, nem mesmo o costume, de que ministros se aposentem após concluir o mandato de presidente do Supremo. Os que saíram da Corte o fizeram no tempo que escolheram e por razões específicas, segundo ela. A presidente do STF admite que mandato para ministros é tema que tem sido discutido em cortes constitucionais.

O problema levantado pela coluna existe: a longa permanência, o poder excessivo por tempo prolongado demais dos magistrados que chegam a tribunais superiores. No caso brasileiro, não há mandato, mas dependendo da idade em que foi escolhido, um ministro pode permanecer por 30 anos no cargo.
— Isso não faz bem para a pessoa, para o país e para o tribunal — admite a ministra Cármen Lúcia.

Ela já defendeu, no passado, o estabelecimento de um mandato, que poderia ser de dez anos. Hoje, tem algumas dúvidas diante do caso concreto.

— Os decanos cumprem um papel fundamental na Corte, como acontece com o ministro Celso de Mello — disse Cármen.

Nesse caso, sim, porque o decano atual é pessoa ponderada. Mas os intempestivos também virarão decanos um dia. Trinta anos ou mais para a permanência de alguém com tanto poder na vida brasileira é de fato excessivo e esse é um dos aperfeiçoamentos institucionais que o país deveria fazer. A própria ministra lembra que alguns países estabeleceram mandatos para os ministros das cortes constitucionais. Existem outros, como nos Estados Unidos, em que a vitaliciedade é levada a extremos: o ministro fica até morrer. No Brasil é 75 anos, e até recentemente era 70.

No passado recente, os ministros Nelson Jobim, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa pediram aposentadoria antes de chegar à idade limite. Jobim porque pensava em ser candidato à vice na chapa do ex-presidente Lula, o que acabou não sendo. Ellen deixou o tribunal dois anos depois de ter sido presidente e Joaquim Barbosa nem terminou o mandato de presidente do Supremo. Saiu em julho de 2014, encurtando o período de dois anos no comando da Corte, que terminaria em novembro. O ministro Moreira Alves e Sidney Sanches, nomeados respectivamente pelos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, ficaram até abril de 2003, no início do governo Lula. Antes de 1946, a vitaliciedade era até a morte.

Na Alemanha, os 16 ministros da Corte Constitucional têm mandato de 12 anos, com aposentadoria automática se chegam a 68 anos, e ninguém pode ser reconduzido ao cargo. Na Suprema Corte da Espanha, o mandato é de nove anos, mesmo tempo da corte italiana. Em Portugal são seis anos, sem recondução. Na Argentina, os membros não só ficam até os 75 anos, como podem ser reconduzidos por mais cinco anos. Enfim, cada país tem uma solução.

O Judiciário tem muito a rever e aperfeiçoar, porque a cobrança sobre o Poder tem aumentado até pela presença diária na pauta brasileira. O Brasil enfrentará agora um período eleitoral com uma velha distorção ficando ainda mais perigosa. Hoje a composição do Tribunal Superior Eleitoral inclui dois integrantes que são representantes da classe dos advogados. Eles normalmente estão ainda nas suas bancas. O que significa que podem advogar até às seis da tarde e, às sete, vestem a toga e vão julgar. O potencial conflito de interesses em época turbulenta da vida política brasileira, que será julgada nesses tribunais, é enorme. O mesmo acontece, com risco ainda maior, nos tribunais regionais eleitorais.

É natural que o país olhe para o Judiciário querendo que ele se torne mais eficiente, transparente e sem privilégios. Seus ganhos acima do teto serão sempre um ponto nevrálgico na sua relação com a opinião pública. A situação dramática do Rio Grande do Norte deixa isso mais claro. O estado está falido e atrasando salários de funcionários, mas 218 juízes e desembargadores do Estado conseguiram o direito de receber o auxílio-moradoria retroativo aos últimos seis anos, no valor total de R$ 39,5 milhões. O ministro Marco Aurélio Mello considerou que o valor integra o patrimônio deles. Discutir esses assuntos é uma forma de fortalecer a relação entre o Judiciário e o país.

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