terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Sergio Lamucci: O ajuste está apenas no começo

- Valor Econômico

Resultado primário precisa melhorar em mais de R$ 300 bilhões

O ajuste fiscal mal começou, embora o tema esteja na ordem do dia com grande destaque desde 2015. Com um déficit elevado e uma dívida em trajetória explosiva, o esforço para enfrentar o problema terá de continuar por muitos anos. O resultado primário (que exclui gastos com juros) terá de melhorar mais de R$ 300 bilhões para atingir o nível necessário para estabilizar a dívida como proporção do PIB, ajudando a reduzir a desconfiança quanto à solvência do setor público.

Além de aprovar a reforma da Previdência, o que muito provavelmente vai ficar para 2019, é preciso reduzir o ritmo de crescimento de outros gastos obrigatórios. E a estratégia, tudo indica, não poderá se restringir ao lado das despesas. Um aumento de impostos possivelmente terá de fazer parte do ajuste, embora o mais urgente e mais relevante seja sem dúvida enfrentar o aumento estrutural dos gastos públicos.

Essa agenda indigesta e impopular caberá em grande parte ao próximo presidente, a ser eleito em 2018. Candidatos que relativizarem a situação precária das contas públicas estarão mentindo aos eleitores.

Pelas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), o déficit primário não recorrente (que desconsidera receitas e despesas extraordinárias) ficou em 3% do PIB nos 12 meses até outubro. Para estabilizar a dívida bruta em relação ao PIB, é necessário um superávit primário de cerca de 2% do PIB, estima o economista Gabriel Leal de Barros, diretor da IFI, instituição do Senado voltada ao acompanhamento da situação das contas públicas.

Em resumo, é preciso conseguir uma virada no resultado primário que pode chegar a 5 pontos percentuais do PIB. Em valores de hoje, é o equivalente a R$ 325 bilhões. É algo que levará anos. "Esse desafio de consolidação fiscal é o maior e mais complexo da história econômica do país", resume Barros, ressaltando ser fundamental estabilizar a dinâmica da dívida para garantir a solvência das contas públicas.

O endividamento bruto saltou de 51,5% do PIB no fim de 2013 para 74,4% em outubro deste ano, uma alta muito forte. Alguns analistas também têm dado atenção ao conceito da dívida bruta sem as reservas internacionais. É um indicador que mostra um nível menos preocupante de endividamento, considerando o impacto de um ativo de maior liquidez. Mesmo assim, ele também tem subido muito - do fim de 2013 para cá, pulou de 36,3% do PIB para 55,4%, segundo a IFI.

Um pedaço da melhora do resultado primário ocorrerá com a própria recuperação cíclica, que vai engordar a arrecadação. Ou seja, parte dos 5 pontos percentuais do PIB virá da retomada da atividade econômica, depois de uma recessão brutal, que derrubou o PIB em 3,5% em 2015 e em outros 3,5% em 2016.

O aumento das receitas, porém, não deverá ocorrer na mesma velocidade com que se deu entre 2003 a 2011, segundo Barros. Nesse período, houve uma intensa formalização no mercado de trabalho e, em vários desses anos, os salários cresceram acima da produtividade. Isso teve um impacto expressivo sobre a arrecadação, e não deve se repetir na atual retomada, avalia o economista.

Segundo ele, a massa salarial e o consumo das famílias, os dois intimamente ligados às condições do mercado de trabalho, respondem por cerca de 60% da receita bruta do governo federal. Além disso, o período também foi marcado pelo boom de commodities, também com efeitos importantes sobre as receitas.

A estratégia fiscal mais importante para melhorar o resultado fiscal é pelo lado das despesas. Barros lembra que as despesas não financeiras da União cresceram em média 6% acima da inflação nos últimos 20 anos. É aí que está o problema estrutural. Aprovar a reforma da Previdência é um dos passos mais decisivos, sendo indispensável para que o limite ao crescimento dos gastos da União seja cumprido. Além disso, o país terá de tomar outras medidas que combatam o engessamento orçamentário. Hoje, o governo tem uma margem de manobra estreitíssima para manejar os gastos, na prática inferior a 10% das despesas não financeiras.

Ainda assim, isso tende a não ser suficiente para garantir a obtenção de um superávit primário na casa de 2% do PIB num prazo menos elástico. Uma alta de impostos deverá ser necessária. O problema é que a carga tributária atual é mais elevada do que em momentos anteriores em que o país teve de fazer ajustes fiscais, como 1999 e 2003. O tema é muito impopular.

Para concluir o processo de consolidação fiscal, dada a sua magnitude, uma opção é reduzir o volume de renúncias fiscais, que somam cerca de 4,5% do PIB, nas contas de Barros. Nessa estimativa, estão incluídos os recursos que o governo deixa de arrecadar com o Simples, a Zona Franca de Manaus e entidades sem fins lucrativos, entre outros. Num quadro de penúria fiscal, é fundamental discutir a fundo essas renúncias.

Um problema do ajuste em curso é ser bastante gradual. O resultado primário só deverá voltar ao azul no começo da próxima década, segundo grande parte das estimativas. Se o cenário internacional permanecer favorável aos países emergentes, é possível que haja espaço para continuar com a estratégia de uma melhora fiscal gradativa. No entanto, se o ambiente externo piorar - por causa de uma alta mais forte dos juros no mundo desenvolvido, por exemplo - a situação das contas públicas do Brasil tenderá a chamar a atenção dos investidores, ainda mais se a reforma da Previdência não tiver sido aprovada. Nesse quadro, o resultado primário terá que melhorar mais rapidamente, para que se vislumbre, num prazo razoável, uma perspectiva mais concreta de estabilização da dívida pública.

Sem resolver estruturalmente a questão fiscal, o país não crescerá de modo consistente. A queda dos juros para níveis mais baixos não se sustentará por muito tempo, se houver uma piora mais acentuada da percepção do risco-país, pressionando o câmbio.

Estancar a disparada da dívida, garantindo a solvência do setor público, não é obviamente um fim em si mesmo. Se isso não for feito, o ciclo de crescimento que o país mal iniciou vai durar pouco, e o caminho para melhorar as condições de vida da população será muito mais longo e tortuoso.

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