terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Yoshiaki Nakano: Modernizar a Justiça do Trabalho

- Valor Econômico

É melhor negociar e buscar acordo do que ter relação conflituosa e colocar a decisão nas mãos de terceiros

A reforma e a flexibilização da legislação trabalhista foi um grande avanço para o Brasil. Sem dúvida, espera-se que permita destravar o crescimento do país, reduzindo as incertezas na relação trabalhista e permitindo novas formas de integração ao mercado de trabalho.

A velha CLT nasceu no momento em que o Brasil dava início a uma arrancada na industrialização. Grande parte dos trabalhadores ainda era de migrantes vindos da área rural. Sem dúvida, representou um grande avanço, uma modernização com a introdução de preceitos de países mais avançados. E aqui é preciso lembrar que o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão e a CLT veio disciplinar o mercado de trabalho apenas meio século depois.

Entretanto, é importante salientar que a antiga CLT está fundada em dois pressupostos que se justificavam na época, mas se tornaram anacrônicos hoje.

De um lado, a ideia de proteção do trabalhador, tendo no fundo um pensamento paternalista e, por que não, também populista. Foi na ditadura Vargas que a CLT foi outorgada. Não foi tanto uma luta política organizada dos trabalhadores brasileiros, mas muito mais dos trabalhadores imigrantes, particularmente italianos, que trouxeram da sua terra natal uma noção mais clara de direitos do trabalhador e uma tradição de luta sindical.

Não é uma conquista de direitos políticos e, a partir desta, o desenvolvimento da noção de direitos trabalhistas que surge a CLT. Na tradição histórica brasileira o Estado outorga direitos trabalhistas, antes mesmo das conquistas políticas e garantia plena de direitos políticos. O Estado foi modernizador visando construir uma sociedade moderna, mas mantendo o controle de cima para baixo da sociedade civil.

Associada à ideia de proteção do trabalhador estava a crença de que, na relação entre o trabalhador e o empresário, aquele era o elo mais fraco que precisava da intervenção do Estado, através da Justiça do Trabalho, para equilibrar o confronto de poder e administrar o conflito social.

É dentro deste conceito que nasceu a Justiça trabalhista brasileira. Assim, cabe a ela proteger o trabalhador. De certa forma, o empresário é sempre o vilão, portanto a relação capital trabalho é tida sempre como conflituosa. Cabe, assim, à Justiça do Trabalho equilibrar a balança, em princípio favorecendo o trabalhador.

A atual reforma trabalhista surge depois de décadas de fortalecimento da organização política e sindical dos trabalhadores. Foram décadas de experiência de negociação em acordos coletivos pelos trabalhadores. Nesta longa experiência, importantes segmentos de trabalhadores e empresários chegaram à conclusão de que é melhor chegar a um acordo do que entrar em conflito aberto, com greves etc, que trazem prejuízos para os dois lados.

Portanto, no novo quadro brasileiro de relações trabalhistas, com consciência de direitos e capacidade de negociação dos trabalhadores, a Justiça do Trabalho também deve ser modernizada e tem que se estruturar nesse novo contexto de um mercado de trabalho moderno e mais flexível.

Se a Justiça do Trabalho não se atualizar temos uma grande contradição nos seus fundamentos com a nova legislação. No conceito anacrônico, o trabalhador recorria à Justiça maximizando suas demandas, reais ou fictícias, com o pressuposto de que a balança da Justiça pendia para seu lado. Assim, o empregador é levado a minimizar a sua proposta. Isto acontece porque o juiz entende que a conciliação se daria no meio, evitando optar pela demanda do trabalhador, que se sabe que está inflada, como a proposta do empresário, que minimizava os seus custos.

Assim, a Justiça do Trabalho ainda se estrutura em pressupostos válidos há mais de meio século. Alimenta não só a multiplicação de ações trabalhistas, e com isso incentivando e aumentando o conflito entre trabalhadores e empregadores, na contramão da evolução histórica das últimas décadas, em que a negociação coletiva passou a ser rotina para a maioria das categorias de trabalhadores.

A Justiça do Trabalho devia fazer exatamente o contrário, estimular a negociações entre as partes para chegarem a um acordo. Isto é perfeitamente possível se seguirmos a experiência de países em que a Justiça do Trabalho é estruturada para diminuir o conflito.

Por exemplo, em países europeus a Justiça do Trabalho, caso trabalhadores e empregadores levem seus desacordos para sua decisão, tem que obrigatoriamente optar pela proposta de uma das partes. Neste caso, os trabalhadores não vão procurar maximizar as suas demandas, pois sabem que se forem fictícias perderão a causa. Simetricamente, os empregadores não vão minimizar os custos, vão fazer propostas realistas se não o fizerem sabem que perderão.

Assim sendo, as propostas tendem a convergir e os juízes têm que analisar e procurar os fatos verdadeiros, optando por quem tiver com a verdade dos fatos. Verifica-se que nestes países as horas perdidas com greves são comparativamente as menores. É melhor negociar e buscar um acordo do que tornar a relação conflituosa e colocar a decisão nas mãos de terceiros.

Com a reforma e flexibilização da CLT, as primeiras estatísticas publicadas já mostram uma queda dramática nos conflitos só pelo fato de o trabalhador que perder ter que pagar as custas. Isso já foi um enorme avanço.

Em suma, falta ainda modernizar a Justiça do Trabalho para termos um sistema coerente ordenando o mercado de trabalho. Assim será possível ampliarmos o nível de emprego, reduzindo as incertezas e ampliando a força de trabalho, incorporando segmentos que não se enquadram na velha e rígida CLT.
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Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)

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