Pedro Del Picchia | Folha de S. Paulo
Não seria despropositado dizer que o moderno Portugal nasceu não propriamente com a Revolução dos Cravos, em 1974, mas no ano seguinte, quando Mário Soares convocou uma das maiores manifestações realizadas em Lisboa.
Aquele dia marcaria o início do fim da tentação totalitária que animava, por um lado, os jovens oficiais das Forças Armadas; de outro, o Partido Comunista; e, por fim, mas com menos intensidade, os nostálgicos do salazarismo.
Os primeiros sonhavam com um regime autoritário progressista; os segundos, com um Estado soviético; e os terceiros, aproveitando-se da ameaça "vermelha", com a volta da ditadura que dominara o país de 1926 a 1974.
Foi nesse quadro que Mário Soares apresentou o "socialismo em liberdade", em oposição aos comunistas e à extrema-direita. "Sou um homem de esquerda, sou socialista. Mas, antes de ser socialista, sou democrata".
Até a situação política chegar a esse ponto de confrontação, Portugal vivera os 15 meses mais vibrantes da história do país no século 20.
Tudo começara numa alvorada de abril de 74, em que um grupo de oficiais das Forças Armadas, contrariados com os rumos insanos da guerra colonial, mandara para o exílio o ditador Marcello Caetano.
Caetano era herdeiro ideológico e sucessor político de António de Oliveira Salazar, que erigira os contornos do chamado "Estado Novo" na longínqua década de 1930, inspirado nos exemplos de Adolf Hitler e Benito Mussolini.
Salazar assumiu a presidência do Conselho de Ministros nos primórdios da ditadura, em 1932. Oito anos antes, a 7 de dezembro de 1924, nascera em Lisboa o homem que poria fim ao seu legado: Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Seu pai, o educador João Lopes Soares, fora ministro da República e era dono do renomado Colégio Moderno, na capital. Opôs-se ao salazarismo até o fim da vida. Em casa e na escola, Mário aprendeu a odiar a ditadura.
Na faculdade tornou-se comunista, chegando a pertencer ao PCP. Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas em 1951 e em Direito em 1957, sempre pela Universidade de Lisboa. Foi advogado, professor, jornalista e escritor.
Participou de todos os movimentos de oposição a Salazar, e depois, a Marcello Caetano, e chegou a ser candidato a deputado em 1961, em eleições fajutas que a ditadura promovia e que a oposição eventualmente conseguia entrar.
EXÍLIO
Por sua militância implacável, Soares foi preso 12 vezes pela Pide —a temível polícia política lusitana, treinada pela Gestapo— e chegou a ser torturado. Azucrinou tanto o regime que foi enviado por Salazar a São Tomé, na África.
Seis meses depois, o ditador adoece e é substituído por Marcello Caetano. O motivo da punição extremada fora a investigação provando que o general Humberto Delgado foi assassinado na Espanha pelos esbirros da Pide.