Filósofo polonês morto em 2017 falou sobre política, tecnologia e como enxergava o futuro
Daniel Augusto* | Colaboração para o Estado de S. Paulo
Vídeo da entrevista com Zygmunt Bauman, da série Incertezas Críticas, produzido pela Grifa Filmes.
Quando eu e o diretor de fotografia Jacob Solitrenick tocamos a campainha da casa de Zygmunt Bauman, já estávamos com todo o equipamento pronto para iniciar a entrevista. Ao entrarmos, porém, o sociólogo não deixou que começássemos a trabalhar: fez questão de nos servir um lanche com frutas, papear um pouco, como quem reduz a velocidade a que estamos acostumados no cotidiano, abre uma brecha de humanidade na produtividade. Não que ele estivesse sem o que fazer: precisava arrumar as malas para uma conferência fora do país, tinha que deixar uma lista de e-mails respondida, entre outros assuntos. Mas não pôde deixar de abrir uma pausa na urgência, um desses gestos pequenos e gigantes ao mesmo tempo, lição de adequação entre o pensamento e o cotidiano: não basta criticar o tempo que vivemos, é preciso vivê-lo de outra maneira.
Bauman nasceu na Polônia em 1925, mas residia na Inglaterra, onde foi professor titular da Universidade de Leeds. No decorrer da sua trajetória, publicou dezenas de livros, traduzidos para diversas línguas. Aliava uma vasta observação do mundo contemporâneo com uma escrita acessível ao leitor não-especializado: seu conceito de modernidade líquida, por exemplo, suscitou debates nas universidades, mas também na imprensa, nas artes, assim por diante.
Fui entrevistar o sociólogo em junho de 2012 por conta de uma série de televisão que escrevi e dirigi, Incertezas Críticas, produzida pela Grifa Filmes. Meu objetivo era inserir determinados aspectos do nosso presente num horizonte mais amplo: isto é, apresentar algumas possibilidades de análise e interpretação de temas como a crise econômica, a internet, a arte contemporânea, entre outros, de modo a sugerir quadros conceituais menos fixados na urgência das últimas notícias. Nesse sentido, a conversa com Bauman era promissora: ao longo da sua obra, existe uma variedade de assuntos notável, que caminha lado a lado com uma ambição interpretativa alargada.
Ao saber da morte de Bauman no último dia 9, decidi tornar público parte do material da entrevista, ainda inédita. Como se verá, muito do que foi dito naquela tarde ajuda a explicar o mundo que vivemos hoje.