domingo, 9 de abril de 2017

Opinião do dia – Gilmar Mendes

"Vamos para a eleição de 2018, que é uma eleição grande, sem modelo específico, só com doação das pessoas físicas –que não há tradição no Brasil, e muito provavelmente vamos ficar entregues ao crime organizado, a pessoas que já trabalham no ilícito, ou a algumas organizações que têm modo próprio de financiamento.

Estamos chegando no dia 2 de outubro e precisamos fazer a reforma. Vamos votar em lista? Vamos fazer um [sistema] distrital misto? Alguma coisa precisa ser feita.

Chegamos a esboçar a ideia de que, no primeiro passo, se poderia avançar sim, para um sistema de lista pré-ordenada para depois se chegar a um modelo misto, tal como se desenha. Me parece que esse seria um modelo equilibrado porque atenderia, inclusive, a tendências que já se fazem presentes na nossa realidade."

*Gilmar Mendes é ministro do STF e presidente do TSE em palestra no MIT (Massachusetts Institute of Technology), em Cambridge. Folha de S. Paulo, 8/4/2017

Caixa 2 é pior que corrupção para enriquecimento ilícito, diz Sérgio Moro

Juiz criticou o Congresso em palestra nos Estados Unidos

Claudia Trevisan | O Estado de S. Paulo

BOSTON, EUA - A prática de corrupção para caixa 2 eleitoral é pior que a corrupção para o enriquecimento ilícito, disse neste sábado o juiz Sérgio Moro, responsável pelo julgamento da operação Lava Jato em primeira instância. “Se eu peguei essa propina e coloquei em uma conta na Suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento”, afirmou. “Agora, se eu utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível.”

Em palestra na universidade Harvard, o magistrado criticou o Congresso pela não aprovação das propostas do Ministério Público de combate à corrupção, disse que o projeto de abuso de autoridade ameaça a independência de juízes e se colocou contra a proposta de anistia ao caixa 2.

Aplaudido de pé ao entrar no auditório, Moro disse ter ficado chocado no julgamento de processos com os argumentos dos que tentavam diferenciar a corrupção para benefício pessoal e para financiamento de eleições. “Temos que falar a verdade, a Caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia”, afirmou no evento Brazil Conference at Harvard &; MIT, promovido por estudantes brasileiros das duas instituições.” Eu não estou me referindo a nenhuma campanha eleitoral específica, estou falando em geral”, ressaltou.

Moro falou no mesmo auditório que havia sido ocupado pela ex-presidente Dilma Rousseff poucas horas antes, mas disse em entrevista não ter se encontrado com a petista.

Dilma: 'Me preocupa muito que prendam o Lula'

Em palestra na Universidade de Harvard, impedimento de candidatura do petista seria "invenção de cenários"

Cláudia Trevisan | O Estado de S. Paulo

Cambridge, EUA - A ex-presidente Dilma Rousseff disse neste sábado temer que seu antecessor e padrinho político, Luiz Inácio Lula da Silva, seja preso antes da disputa presidencial de 2018, o que, em sua opinião, representaria uma mudança ilegítima nas regras das eleições. “Me preocupa muito que prendam o Lula, me preocupa muito que tirem o Lula da parada”, afirmou em palestra na Universidade Harvard.

“Infelizmente para as oposições, ele tem 38% nas pesquisas, com tudo o que fizeram com ele”, afirmou. “É uma possibilidade concreta, meus caros. Deixa ele concorrer para ver se ele não ganha”, ressaltou no Brazil Conference at Harvard & MIT, organizado por estudantes brasileiros nas duas organizações. “Não acho que o Lula tem de ganhar ou perder. Ele tem de concorrer. Se perder, é da regra do jogo.”

PT, PSDB e PMDB terão fatia menor de recursos para campanha em 2018

Ranier Bragon | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Partidos que controlaram a maior parte do dinheiro gasto nas últimas eleições gerais, PT, PSDB e PMDB verão a sua fatia no bolo cair quase à metade na próxima disputa à Presidência da República, ao Congresso e a governos e assembleias estaduais em 2018.

Com a proibição de que empresas financiem os candidatos, o dinheiro das campanhas do ano que vem será majoritariamente público.

Além da expectativa de valores reduzidos em relação à 2014, o dinheiro oficial será mais pulverizado entre as legendas caso seja aprovada a reforma política em discussão no Congresso.

Em 2014, o PT de Dilma Rousseff (reeleita naquele ano), o PSDB de Aécio Neves (segundo colocado na disputa) e o PMDB de Michel Temer (eleito vice-presidente naquela disputa) declararam gastos de R$ 3,5 bilhões, cerca de 60% do total do custo oficial das campanhas em todo o Brasil.

O grosso do dinheiro, mais de 70%, veio de doações do mundo empresarial, com destaque para a JBS (a gigante do setor de carnes), empreiteiras e bancos.

Aquela foi a última disputa em que o financiamento empresarial foi permitido.

ISONOMIA
No ano seguinte, o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou o modelo inconstitucional sob o argumento, entre outros, de que ele desequilibra o jogo político, ferindo o principio da isonomia na disputa.

Renan briga enquanto filho mantém apoio a governo Temer

Pragmático, filho de Renan se mantém aliado a Temer

Em Alagoas, governador Renan Filho adota estilo diferente ao do pai e tenta evitar que crise envolvendo líder do PMDB no Senado respingue no governo estadual

Leonencio Nossa | O Estado de S.Paulo

MACEIÓ - Enquanto o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) ganhava o noticiário na semana passada ao elevar o tom das críticas contra o governo Michel Temer, o governador de Alagoas, Renan Filho, primogênito do cacique peemedebista, viajava a Brasília e tentava evitar que a crise envolvendo seu pai respingue nos repasses federais ao seu Estado.

A mudança de postura do líder do PMDB em relação a Temer, ao menos até agora, não ganhou adesão da família. Em Maceió, Renan Filho tenta fugir das polêmicas do pai e manter a boa relação com o governo, além de se concentrar nas articulações para a sua reeleição.

“O governo do Estado não pode prescindir de investimentos do governo federal. Por que eu deveria abrir mão de duplicar estradas, receber o Minha Casa Minha Vida? Só pelo fato de o senador expressar pontos de vista?”, questionou. “Aqui (em Alagoas) não há rompimento. Um rompimento definitivo no mesmo partido não é coisa trivial. Tem quem colabora para que não haja. Estou preparado para seguir defendendo o que estou fazendo.”

Para opositores, a versão do senador distante do filho é mera jogada de marketing. Já para aliados, a atuação em campos distintos é uma estratégia do clã. A relação entre os dois é descrita como fria por políticos próximos e, segundo eles, o próprio senador incentiva o filho a trilhar carreira independente. O governador afirma que as duas versões estão corretas.

Escolha de novos dirigentes dá início a tentativa de reconstrução

Textos de correntes internas mostram que a legenda terá de optar entre a radicalização e a ‘esquerda conciliadora’

Ricardo Galhardo | O Estado de S. Paulo

Em meio à maior crise de seus 37 anos de história, o PT inicia neste domingo, 9, uma tentativa de reconstrução do partido com o Processo de Eleições Diretas (PED), que vai escolher os novos dirigentes municipais e delegados para os congressos estaduais.

O processo culmina nos dias 1.º, 2 e 3 de junho, em Brasília, com o 6.º Congresso Nacional da legenda, onde será escolhida a nova direção nacional e definidos os rumos do partido depois do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, da derrota histórica nas eleições municipais de 2016 e da prisão de petistas importantes envolvidos no esquema de desvios da Petrobrás.

Com o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da corrente majoritária Construindo um Novo Brasil (CNB), a senadora Gleisi Hoffmann (PR) concorre à presidência nacional. O senador Lindbergh Farias (RJ) também tentava viabilizar a candidatura.

Correntes internas e filiados inscreveram dez teses que servirão de base para a elaboração do novo programa partidário e para definir o futuro da sigla. A leitura dos principais textos mostra que o PT vai ter de optar entre uma proposta de esquerda conciliadora, a exemplo dos governos de Lula, ou a radicalização que marcou os primeiros anos do partido.

Outro ponto de debate é a forma e a profundidade da autocrítica que o partido deve fazer em relação aos erros cometidos em 13 anos à frente do governo federal e a casos de corrupção envolvendo petistas.

Em sua tese, a CNB defende o modelo capital/trabalho, simbolizado pela chapa Lula-José Alencar nas eleições de 2002 e 2006.

Tática eleitoral faz base se ‘descolar’ do governo Temer

Além do reflexo nas votações no Congresso, impopularidade do presidente, crise e Lava Jato afetam acordos para a eleição de 2018

Vera Rosa | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A impopularidade do presidente Michel Temer, o avanço da Lava Jato e a crise econômica têm levado integrantes da base no Congresso a um “descolamento” do governo, que se reflete não apenas nas votações no plenário, mas nos acordos para as disputas de 2018. A um ano e meio das eleições, o PMDB de Temer não sabe se terá condições de disputar a sucessão presidencial com candidato próprio e o PSDB escancara suas divergências em praça pública.

“O Temer foi o resultado dos erros da Dilma e agora o Lula poderá ser o resultado dos erros do Temer”, afirmou o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), numa referência ao crescimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), réu da Lava Jato, nas pesquisas.

Ex-petista, Cristovam votou pelo impeachment de Dilma Rousseff. Disse não ter se arrependido, mas, ao adotar um discurso mais duro contra o governo, indicou que o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), não está sozinho nas críticas. Na sua avaliação, Temer precisa de uma espécie de “comunicólogo” para explicar as ações da equipe, se não quiser enfrentar mais problemas.

“O presidente virou prisioneiro da psicologia parlamentar, de não ser um líder de massas. Ele acha que, convencendo o Parlamento basta, mas não é assim. Até agora não conseguiu convencer o povo de que a reforma da Previdência vai trazer justiça e acabar com os privilégios”, insistiu Cristovam.

‘Suicidas’. Em recente reunião com a bancada do PPS, o senador não se conteve. Afirmou estar convencido de que quem votar pela aprovação de mudanças na aposentadoria não será reeleito. “Se continuar assim, vamos dividir os parlamentares em dois grupos: os que são contra a reforma e os suicidas”, provocou Cristovam, que disse se encaixar no segundo, pois ainda tentará outro mandato. “Até as manifestações são resultado da incompetência do governo para explicar as coisas.”

O PPS tem dois ministérios, mas, mesmo assim, mostrou infidelidade na votação do projeto de terceirização na Câmara, ao lado do próprio PMDB, do PSDB e de outros aliados.

Lava-Jato deixa eleições de 2018 no Rio em aberto

Avanço de investigações aumenta aposta em novos nomes para governo e esperança de antigos

Fernanda Krakovics | O Globo

O avanço da Lava-Jato torna cada vez mais incerta a disputa pelo governo do Rio no ano que vem. Pedidos de investigação feitos pela Procuradoria Geral da República (PGR) contra políticos fluminenses, além de citações em delações premiadas, aumentam as apostas em novos nomes para as próximas eleições, mas também dão esperança a velhos conhecidos dos eleitores do Rio, que pretendem aproveitar eventual vácuo de lideranças.

Com seu principal cacique, o ex-governador Sérgio Cabral, na cadeia e com dificuldade para reverter a derrocada financeira do estado, o grupo político que comanda o Palácio Guanabara há dez anos aposta tudo na pré-candidatura do ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (PMDB), mas está em compasso de espera desde que ele foi alvo, no mês passado, de pedido de investigação feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Paes foi citado em delações de ex-executivos do Grupo Odebrecht. O ex-prefeito não se pronunciou até o momento porque, segundo sua assessoria, não tem conhecimento do teor do pedido de investigação.

Crise moral dificulta aprovação de medidas para aliviar as contas

Enfraquecido, Pezão busca votos por projetos que exigem sacrifício da população

Miguel Caballero | O Globo

Quando enviou à Assembleia Legislativa (Alerj), no início de novembro, o que se convencionou chamar de “pacote de maldades” em busca de soluções para o caos financeiro do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB) já era um governador impopular — seu antecessor e fiador político, Sérgio Cabral, seria preso dias depois. Nas últimas semanas, o desenrolar das investigações atingiu em cheio o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e chegou pessoalmente ao próprio governador e ao presidente da Assembleia, Jorge Picciani, citados pelo delatores da operação O Quinto do Ouro — o conselheiro do TCE Jonas Lopes e seu filho.

É inevitável que autoridades no alvo de investigações fiquem enfraquecidas para negociar a aprovação de medidas que, para tirar da asfixia um governo incapaz até de pagar a folha salarial, exigirão sacrifícios da população. O agravamento da crise moral do Rio ocorre, por coincidência, num momento crucial para essas votações — seja em Brasília, onde a Câmara dos Deputados deixou para a próxima semana a apreciação do projeto de recuperação fiscal dos estados, seja no quintal de casa, a Alerj, que ainda não votou o ponto mais sacrificante, para os servidores, do pacote enviado em novembro — o aumento da contribuição previdenciária de 11% para 14%.

Três homens de confiança de Pezão já caíram na Lava-Jato

Monnerat e Marcelinho foram alvo de condução coercitiva; Hudson Braga está preso

Juliana Castro | O Globo

Não bastasse as contas do estado em frangalhos, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) acompanha seus homens de confiança serem tragados pelas investigações da Lava-Jato. O próprio peemedebista é citado, embora não responda a nenhum processo. Braço-direito de Pezão na busca pela reeleição para o governo, o ex-secretário e ex-coordenador de campanha Hudson Braga já responde a processo e está atrás das grades. 

Na última operação, O Quinto do Ouro, mais dois dos principais colaboradores do governador foram levados coercitivamente para depor: o secretário de Governo, Affonso Monnerat, e o subsecretário de Comunicação, Marcelo Santos Amorim, o Marcelinho. Os laços de amizade com todos vêm desde os tempos em que o peemedebista vivia em Piraí.

Inocentes do Leblon | Fernando Gabeira

- O Globo

A Lava-Jato representa uma novidade no Brasil. Mas, às vezes, tem uma recaída, típica dos momentos anteriores. Considero insensato permitir que Adriana Ancelmo, mulher de Sérgio Cabral, cumpra prisão domiciliar. Não desconfio da honestidade do juiz. Prefiro supor que tenha caído, como todos nós caímos, na armadilha do meloso sentimentalismo que envolve nossa cultura.

Em primeiro lugar, quero dizer que concordo com a ideia das mães cumprirem prisão ao lado dos filhos. As cadeias foram feitas para homens, e a ONU reconheceu essa inadequação ao aprovar as Regras de Bangcoc. As regras são boas, vão no sentido do progresso e reconhecem a singularidade da mulher.

No entanto, como quaisquer regras, não podem ser aplicadas cegamente. Não creio que sejam no Brasil, onde dois terços dos pedidos de prisão domiciliar foram negados pela Justiça. A primeira pergunta que todos colocaram, inclusive a ministra dos Direitos Humanos: “Por que Adriana Ancelmo, e não todas as outras, tem direito à prisão domiciliar?” Pelo menos, a intervenção do governo admite que pobres também são humanos e retira esse conceito do limbo em que foi jogado por militantes que consideram humano apenas quem compartilha de suas ideias.

Tempos que correm | Cacá Diegues

- O Globo

O dinheiro que nossos políticos, flagrados roubando pela Lava-Jato, botaram no bolso seria mais do que suficiente para iniciar esse processo contra a miséria e a desigualdade

Os assassinatos se sucedem nas ruas do Rio de Janeiro. Mataram Maria Eduarda, de 13 anos, com quatro balas “perdidas” disparadas pela PM no pátio de sua escola, em Acari. Hosana, da mesma idade, morreu porque estava na linha de tiro de um traficante que destravava sua arma. Já morreram 48 PMs desde o início do ano, um a cada dois dias. Todos eles tinham mulher, filhos e sonhos.

Anos atrás, o então secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, inaugurou as UPPs, um projeto que haveria de livrar as favelas cariocas de bandidos e do crime. O secretário avisou, várias vezes, que o programa não teria nenhuma serventia se o estado não atravessasse a porta aberta pela polícia para levar, àquelas comunidades, os serviços a que elas tinham direito: saneamento, emprego, educação, saúde, o que mais fosse fundamental para a sobrevivência digna de um cidadão.

Autoritarismo midiático | Vera Magalhães

- O Estado de S. Paulo

O que Wyllys e Holiday têm em comum além de serem famosos? São autoritários


Dois personagens de campos opostos no espectro ideológico, mas com características bastante semelhantes tanto no modo como se projetaram politicamente quanto na forma com que usam a comunicação direta para se manter em evidência, deram na semana que passou demonstrações de que o autoritarismo não é atributo exclusivo nem da direita nem da esquerda, nem da chamada velha política.

Existe, e é cada vez mais pernicioso, por se travestir de suposta modernidade, um autoritarismo midiático, alimentado pelas redes sociais – e que delas se retroalimenta. Trata-se da versão política da modernidade líquida de Zygmunt Bauman.

O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) e o vereador paulistano Fernando Holiday (DEM-SP) certamente detestarão ser alinhados na mesma prática e ter suas atitudes “parlamentares” comparadas. Isso também é reflexo da forma autoritária com que enxergam seu papel na política e na sociedade, e da falta de tolerância com os adversários.

Adeus à razão | Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

Se não é um livro excepcional, ele é ao menos muito bom e incrivelmente oportuno. Falo de "The Death of Expertise" (a morte da expertise), de Tom Nichols. O autor, um sovietólogo levemente conservador (é republicano, mas fez campanha contra Trump), que ensina no Naval War College e em Harvard, faz uma competente denúncia da tendência anti-intelectualista que vem se firmando nos EUA e no mundo e mostra como ela pode ser perigosa para a democracia.

Para Nichols vivemos numa época paradoxal. Se a disseminação da internet, o mais amplo repositório de informações de todos os tempos, e o avanço da educação de nível superior trouxeram inegáveis ganhos sociais, eles também contribuíram para produzir uma onda antirracionalista que, apoiada num igualitarismo pouco razoável e temperado por muito narcisismo, está destruindo o conhecimento especializado.

História recente na ABL | Merval Pereira

- O Globo

As diversas variantes da história recente da política brasileira encontraram-se na noite de sexta-feira na posse do economista Edmar Bacha na Academia Brasileira de Letras. Recebido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, responsável pelo que Bacha considera o ponto culminante de sua vida pública, a participação no Plano Real, teve a presença de outro ex-presidente, José Sarney, com quem colaborou na elaboração do Plano Cruzado e na presidência do IBGE.

Governo que abandonou quando, para obter uma vitória arrasadora na eleição de governadores em 1986, Sarney recusou-se a fazer ajustes no Cruzado, que acabou fracassando depois de um breve período de sucesso. A tentativa de manipulação dos índices do IBGE foi a gota d’água que fez Bacha sair do governo um mês depois das eleições.

Sarney é o decano da ABL, confrade de Fernando Henrique, que o chamou de “meu amigo” no discurso de saudação a Bacha. Mas foi em protesto ao governo Sarney que Fernando Henrique e vários outros saíram do PMDB para formar o PSDB, em 1988.

Quem perdeu? | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

O governo e a oposição, o Congresso e os partidos políticos, talvez boa parte dos governos estaduais, caíram no descrédito popular

A geração de políticos formada na Segunda República (1945-1964) foi derrotada pela radicalização que a Guerra Fria fomentou numa sucessão de crises antecedentes ao golpe militar de 1964, que depôs o presidente João Goulart. As principais ocorreram em 1954 (suicídio de Getúlio Vargas), 1956 (posse de Juscelino Kubitschek) e 1961(renúncia de Jânio Quadros). Sucumbiram no processo quase todos os protagonistas, com exceção de Leonel Brizola, o incendiário, que após a anistia elegeu-se governador do Rio de Janeiro, em 1982, e Tancredo Neves, o bombeiro, que elegeu-se presidente em 1975, mas não chegou a tomar posse. José Sarney, o vice que assumiu a Presidência da República, e Ulysses Guimarães, o grande líder da oposição que presidiu a Constituinte eleita em 1986, eram políticos coadjuvantes no pré-64.

Do legado da geração de políticos que emergiu do regime militar, quase tudo foi volatilizado pela crise atual. Individualmente, é difícil reconhecer o próprio fracasso, mas, diante das revelações da Operação Lava-Jato e do buraco em que nos metemos, fica evidente o fracasso de uma geração. O governo e a oposição, o Congresso e os partidos políticos, talvez boa parte dos governos estaduais, caíram no descrédito popular. Como negar esse fracasso a 13 milhões de desempregados, outros tantos que vivem da economia informal, aos milhões de jovens sem perspectiva de emprego futuro — boa parte já fora da escola. Pela primeira vez na história, uma geração entregará o país em condições piores do que o recebeu.

Futuro negado | Míriam Leitão

- O Globo

“Hoje é sábado, 13 de março. São 11 horas da manhã. Acabei de falar com o Lula, uma conversa telefônica muito boa, muito tranquila. Eu liguei para ele”. Era 1999 e quem falava ao gravador era o então presidente Fernando Henrique. O país estava no meio de uma aguda crise após a desvalorização abrupta do real e o PT estava na campanha “Fora FHC”. Mas os dois tiveram uma conversa boa e tranquila.

Dias antes, Fernando Henrique havia recebido no Palácio a visita do então governador do Acre Jorge Viana e dos senadores Marina Silva e Tião Viana. “Excelentes pessoas. Conversa muito boa. Eles querem uma aproximação minha com setores de esquerda. Eles estão dispostos a isso. Foi muito bom, é de gente assim que o Brasil precisa.”

Esses e outros trechos do terceiro volume do “Diários da Presidência”, que abrange os anos de 1999 e 2000, lançado pela Companhia das Letras, são salpicados de flagrantes de que, apesar do clima de disputa política, era possível o diálogo entre os dois grupos. Os dois se conheceram no meio da ditadura, numa vez em que o Lula foi ao Cebrap acompanhando o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Perguntei ao ex-presidente, em bate-papo na Livraria da Travessa, onde foi que o país havia perdido a capacidade de diálogo e caminhado na direção dessa polarização radicalizada.

— Foi quando o PT passou a achar que o PSDB era o inimigo principal — respondeu.

Na época, José Dirceu disse que Fernando Henrique era velho e devia cuidar dos netos.

A mãe das reformas | Antonio Herman Benjamin

- Folha de S. Paulo

O momento atual do Brasil preocupa a todos. Será lastimável, contudo, se perdermos de vista as oportunidades de avanço que se abrem diante de nós.

As crises -e já sobrevivemos a incontáveis no Império e na República- trazem o potencial para acordarmos da letargia e mudarmos para melhor, desde que se identifiquem e se enfrentem as causas profundas dos problemas.

O desafio inicial vem a ser não superestimar reformas setoriais, por mais importantes e urgentes que sejam, como a da Previdência, das relações de trabalho e do sistema tributário. Sem sólido e legítimo regime político-eleitoral, nunca teremos a paz e a estabilidade social e econômica necessárias ao progresso contínuo, imune a retrocessos em surtos periódicos.

Por outro lado, como ensina a vida, o ótimo é inimigo do bom. Sem falar que, na linha do saber popular, quando se quer tudo, aceita-se a possibilidade de terminar com nada.

Muitas das tentativas anteriores de reforma político-eleitoral falharam exatamente por isso.

Pressão estrutural por gastos públicos (2) | Pedro S. Malan

- O Estado de S. Paulo

O desconhecimento de limites às reações de governos pode levar a uma mistura tóxica...

Este é o segundo de uma série de três artigos sobre processos de mudança de longo prazo que estão na raiz da pressão constante por maiores gastos públicos no Brasil. O primeiro (12/3) tratou do elo fundamental entre transição demográfica e nossa transformação na terceira maior democracia de massas urbanas, depois da Índia e dos EUA. Nenhum outro país de expressão relevante neste mundo multiplicou sua população urbana por um fator de 9,5 vezes, como o Brasil entre 1950 e os dias atuais (nem China nem Índia).

Tão ou mais importante foi a rapidez com que passamos de taxas de crescimento populacional de 3% ao ano nas décadas dos 50 e 60 (média de 2,8% entre 1950 e 1980) para os menos de 0,8% de hoje (e 0,4% em dez anos mais), com a crescente participação de idosos. O artigo anterior concluiu com os dois parágrafos a seguir.

O infalível - Ranier Bragon

- Folha de S. Paulo

Deve haver alguma coisa na água servida nos palácios que leva as pessoas a pensar habitar uma espécie de mundo paralelo.

Ou talvez sejam as sabujices simbolizadas no fato de que o sujeito ficará quatro anos sem precisar nem sequer tocar a maçaneta da porta.

Só isso pode explicar a empáfia de Michel Temer ao dizer, em entrevista à Folha, não ter cometido nenhum erro nos seus 11 meses de gestão.

"Eu cometi acertos." E acertos derivados de "coragem" e "ousadia".

Temer assumiu o poder em maio de 2016 com a ousadia, é impossível lhe negar esse mérito, de enfiar um "sê-lo-ia" logo no discurso de posse.

O comissariado ouviu o povo e assustou-se | Elio Gaspari

- O Globo

A Fundação Perseu Abramo, do PT, fez uma pesquisa que chamou de “Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo”. Um mergulho na alma política de famílias da classe média baixa (renda familiar de até cinco salários-mínimos, R$ 4.685), gente que votou no PT de 2000 a 2012, mas não foi atrás de Dilma Rousseff em 2014, nem de Fernando Haddad em 2016. Os 63 entrevistados foram divididos em cinco grupos, e 20 entrevistados haviam sido beneficiados por programas sociais dos governos petistas, do Bolsa Família ao ProUni.

O resultado da pesquisa está na rede. Ele surpreendeu muita gente, até mesmo os redatores do relatório final. Verdadeiro Apocalipse: “As camadas populares passaram a se identificar mais com a ideologia liberal que sobrevaloriza o mercado”.

Esse morador da periferia acredita que o Estado é o inimigo do povo, pois arrecada impostos e não devolve serviços, confia no mérito e no esforço pessoal para melhorar a vida das pessoas: “Muitos assumem o discurso propagado pela elite e pelas classes médias, apontando a burocracia e os altos impostos como empecilhos para o empreendedorismo”.

O mergulho da inflação | Celso Ming

- O Estado de S. Paulo

Redução da taxa de inflação deve ter consequências positivas ao consumidor

A inflação está mergulhando e deve mergulhar ainda mais.

Este 2017 começou com um avanço do custo de vida (evolução do IPCA) em 12 meses de 6,29%. Apenas três meses depois, já eram 4,57%. Os próximos meses prometem algo em torno dos 4%. A gente sabe disso porque a queda da inflação não é episódica, está bem espalhada, e porque, no mercado atacadista, o ambiente é de forte desinflação. Em março, o recuo dos preços no atacado (desinflação) foi de 0,78%. Será inevitável que parte dessa queda seja repassada para o varejo (custo de vida).

Como a vida continua dura, o desemprego é recorde e a renda, cada vez mais apertada, é compreensível que muita gente não esteja dando o devido valor ao mergulho da inflação e à importância desse fator na recuperação da economia. Mas as consequências objetivas, desta vez positivas, são inevitáveis, porque a esse ritmo, os formadores de preços tenderão a evitar remarcações. Os que tentarem aumentar demais os preços correrão o risco de encalhe da mercadoria.

Precisamos falar de mais impostos | Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

O próximo presidente vai chegar ao segundo ano do mandato, 2020, com as contas no vermelho. Além do mais, mesmo com reforma, a despesa da Previdência comerá parte crescente do Orçamento. Para piorar, a dívida federal crescerá até 2021, enquanto o dinheiro disponível para investimento, "obras", vai cair.

Na prática, o próximo governo ficaria engessado, de resto com dívida e "mercado" pesando no cangote. Isso não vai prestar.

Essa parece a perspectiva para o presidente "X" (2019-22), dadas algumas previsões que o governo divulgou na sexta (7), no anúncio das linhas gerais do Orçamento de 2018.

A não ser que venha logo um "milagre do crescimento", as projeções otimistas do ano passado, quando se criou o "teto" de gastos, estão adiadas por uns dois anos. E daí? Daí que:

1) A pressão pela derrubada precoce do "teto" tende a aumentar, mais cedo;

2) Será cada vez mais intragável a alta da dívida do governo, em termos financeiros, sociais e políticos.

Como desatar o nó(1)? | Sérgio Besserman Vianna

- O Globo

Está claro que o sistema de poder, e todas as instituições dessa República, estão nus

‘A resposta é a infelicidade da pergunta” ( André Green ), não custa repetir. Comecemos, então, deixando bem claro de que pergunta, de que nó, estamos falando.

Em 2013, ainda antes da crise econômica manifestar seus efeitos, o povo nas ruas entoava uma miríade incongruente de reivindicações. Mas havia algo em comum no coração de todos, coxinhas ou black blocs: o berro de que “O rei está nu”.

O papo furado de que seriamos uma nação desenvolvida em 20 anos ( lembram ? ), a presidente da República dando aula de economia para os lideres dos maiores países do mundo, o lero lero de que estava tudo ótimo ruiu com estrondo.

'Nossa sensação de crise deriva da falta de um modelo condutor', diz sociólogo Domenico de Masi

Para pensador italiano autor de 'Alfabeto da Sociedade Desorientada', mundo carece de líderes e nossa sociedade surgiu da tentativa e erro

Ubiratan Brasil | O Estado de S. Paulo

A desordem do mundo atual, para ser entendida, precisa ser classificada. Foi o que fez o sociólogo italiano Domenico De Masi, conhecido como o pai do ócio criativo, em Alfabeto da Sociedade Desorientada. São 26 verbetes ordenados alfabeticamente, que pretendem abarcar os assuntos mais prementes. Beleza, gênio, trabalho, desorganização, mas também cidades como Roma e Nápoles estão na lista.

“Não é um tratado de sociologia, uma anatomia e uma fisiologia sistemáticas da nossa sociedade, que são impossíveis dada a natureza fragmentária e esquizofrênica da própria sociedade, mas sim um patchwork de questões cruciais que tenta reproduzir o patchwork da realidade, descobrindo-lhes o nexo”, escreve na introdução. Para isso, ele recorre às ciências humanas, trazendo divertidas informações – ao descrever a história da decadência de Nápoles, ou discorrer sobre a pizza, informando que, em sua origem, era alimento de pedreiros. De Masi respondeu às seguintes questões, por e-mail:

Negociar não é recuar – Editorial | O Estado de S. Paulo

A disposição do governo de negociar com o Congresso alterações em sua proposta de reforma da Previdência não pode ser vista, de maneira nenhuma, como recuo. O presidente Michel Temer, como ex-parlamentar experiente que é, deve saber que quase nada do que chega ao Congresso é aprovado tal como foi enviado, especialmente quando o projeto em questão trata de tema tão sensível e com tantas implicações como a Previdência.

É claro que, para o bem do País, Temer deve delimitar claramente os pontos sobre os quais não cabe discussão. Sempre que falam da proposta de reforma, o presidente e seus auxiliares manifestam, por exemplo, que o estabelecimento de idade mínima para a aposentadoria é inegociável. Para o governo e a maioria dos especialistas, uma reforma da Previdência sem esse limite, necessário diante de um cenário de envelhecimento da população e de aumento da expectativa de vida dos brasileiros idosos, terá pouca serventia para reverter o rombo nas contas públicas e tornar sustentável o sistema previdenciário.

Tributar com justiça – Editorial | Folha de S. Paulo

Se não resta dúvida de que os brasileiros pagam muito para custear seu governo, tampouco parece realista imaginar que a carga de impostos possa ser reduzida ao longo dos próximos anos.

Tributos federais, estaduais e municipais consomem quase 35% de toda a renda nacional, patamar só igualado ou superado em países mais ricos e menos populosos, europeus em sua maioria.

Nem por isso, entretanto, os serviços públicos são satisfatórios, como se sabe —e nem por isso o dinheiro arrecadado é suficiente.

Nos três níveis de governo, as despesas ultrapassam com folga a casa dos 40% do PIB. Como a dívida está em alta e ainda há áreas vitais subfinanciadas, como a saúde e a infraestrutura, a possibilidade de abrir mão de receitas não está no horizonte visível.

Demonstrações de má gestão no setor público - Editorial | O Globo

O mau atendimento a vítimas de catástrofes, e as obras de contenção de encostas e no saneamento básico que se eternizam são exemplos desta ineficiência

Há incontáveis casos de má gestão do poder público, independentemente da situação da economia. Mesmo quando tudo está sob controle, a incompetência administrativa de governos ou estatais costuma manter a população desassistida. E quase sempre é a mais pobre.

Em duas reportagens publicadas na edição de domingo passado, O GLOBO trouxe casos típicos: a incapacidade de organismos públicos atenderem com eficiência a vítimas de catástrofes como inundações e desabamentos, e, o segundo, a virtual estagnação do saneamento básico, quando executado e operado por empresas públicas, salvo exceções.

José | Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

*Carlos Drummond de Andrade
In Poesias
Ed. José Olympio, 1942
© Graña Drummond