domingo, 30 de julho de 2017

Opinião do dia – João Cabral de Melo Neto

Sei que traçar no papel
é mais fácil que na vida.
Sei que o mundo jamais é
a página pura e passiva.
O mundo não é uma folha
de papel, receptiva:
o mundo tem alma autônoma,
é de alma inquieta e explosiva.

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João Cabral de Melo Neto, Auto do Frade (p. 36)

Militantes | Roberto Romano*

- O Estado de S. Paulo

Eles se imaginam próximos do divino ou, como Lúcifer, desejam o monopólio do bem

Na corrosão mental ocorrida a partir do século 19 se encontra o aniquilamento da crítica, um fanatismo que antes definia o religioso. Os dogmas que levaram às fogueiras cristãs na era totalitária foram trocados por credos políticos. A infalibilidade dos papas ressurgiu nos líderes das revoluções ou dirigentes reacionários. Anathema sit tornou-se signo de morte política. Semelhante prática foi vivida sob os nazistas, stalinistas, fascistas. Mas ela existiu nas ditaduras que ensanguentaram a Europa, a África, as Américas. “Brasil, ame-o ou deixe-o”: a intolerância foi gerada pela redução do político (como o caracterizou Carl Schmitt) ao bélico.

Não existe genocídio sem o erotismo perverso entre dirigentes assassinos e dirigidos. Em livro cruel, Hitler e os Alemães, Eric Voegelin desmente a hipocrisia que desejou atribuir o inferno apenas ao Führer. Se a população inteira foi cúmplice do holocausto, houve um tipo humano que deu eficácia ao aniquilamento. Trata-se do militante.

O uso antigo da palavra indica o indivíduo ou coletivo religioso preso às ordens da autoridade eclesiástica. Mimetizando as formas bélicas de Roma, a Igreja Católica assume o conceito de ordem hierárquica, idealizado por Dionísio Areopagita. O cosmos seria uma cascata de luzes, das mais brilhantes e próximas a Deus às atenuadas no plano humano. Os postos nas imediações divinas brilhariam esplendorosamente, nos afastados o fulgor seria menor. No ápice os combatentes arcanjos, depois os sacerdotes, os reis e os nobres e, na obscuridade, o povo. Quem está no alto manda. Os demais obedecem.

Afundar ou nadar | Fernando Gabeira

- O Globo

— Reconheça que a situação é terrível. E escolha o que fazer diante dela: afogar-se ou nadar.

Esta era a filosofia da mãe da atriz Charlize Theron, que matou o marido bêbado e agressivo. Foi o que disse à filha quando a tragédia aconteceu.

É uma frase dita num contexto familiar e definindo uma reação individual. Mas pode ser aplicada ao momento em que o país anda tão decadente.

Oque fazer diante de tantas notícias ruins no campo da política e dos vários níveis de governo? Nadar talvez signifique o que fazemos cotidianamente: trabalhar, tentar os melhores resultados possíveis, avançar.

Ao deixar a esfera individual e aplicar a frase à trágica situação do Rio de Janeiro, o que significa afogar-se ou nadar? Creio que uma braçada inicial seria encarar de frente o problema da segurança pública. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, descreveu a situação de segurança pública no Rio como o “coração das trevas”.

Um manifesto de ação | Cacá Diegues

- O Globo

Não podemos eliminar tradições que nos formaram desde o passado, mas a cultura brasileira não se resume a bumba meu boi. Temos uma grande aliada na tecnologia moderna

No último dia 25, o discurso de posse de Sérgio Sá Leitão, à frente do Ministério da Cultura, não foi uma convencional fala retórica. O novo ministro produziu um manifesto cultural contemporâneo, uma exortação da cultura brasileira, de sua formação popular aos meios de produção e difusão atuais. Da roda de samba ao crowdfunding.

O ministro empossado citou o escritor francês André Malraux, militante progressista que atendeu ao chamado de Charles De Gaulle, um presidente conservador, para criar o moderno Ministério da Cultura da França, que até hoje serve de modelo a todos os regimes democráticos que se interessam pelo assunto. Em 1959, diante de uma Brasília em final de construção, Malraux disse aquilo que Sá Leitão afirma ser um guia de sua gestão: “Ainda não sabemos ressuscitar corpos, mas precisamos saber ressuscitar sonhos”.

O que precisa ser ressuscitado entre nós são os sonhos de todas as gerações que no Brasil, através do tempo, se frustraram e se perderam atônicas, emparedadas por quem mandava no país, do autoritarismo militar ao caos da recessão, passando por elitismos e populismos de cada momento de desinteresse ou descuido com o caráter da nação, a sua cultura.

Temer e Joesley | Eliane Cantanhêde

- O Estado de S.Paulo

Temer luta pelo mandato; Joesley, para manter acordo de delação e impunidade

Às vésperas da votação da denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara, a JBS solta provas e detalhes que atingem não apenas Temer como praticamente todo o Congresso que irá julgá-lo. É uma bomba de desmoralização na política brasileira e foi acionada porque Joesley e Wesley Batista só têm uma forma de se salvar: destruindo os outros. Depois das delações, é hora das provas.

Elas têm consistência, como mostra a revista Época. São nomes, dados, contas, datas e operadores de uma rede de corrupção que humilha a Odebrecht. Envolvem Temer, os ex-presidentes Lula e Dilma, ministros como Kassab e Bruno Araújo, ex-ministros como Palocci e Mantega, senadores como José Serra e Eunício Oliveira, e presidentes e deputados da maioria dos partidos.

A revelação das provas da JBS neste momento foi pragmática: a reabertura do Judiciário reabre também a pressão, os debates e as articulações para a revisão do acordo de delação premiada dos irmãos Batista, que corromperam meio mundo e agora explodem o mundo todo, mas saíram ilesos, sem um único dia, ao menos, com uma tornozeleirazinha.

Cleptocracia renitente | Vera Magalhães

- O Estado de S.Paulo

Os escalões ignoram o Estado de Direito, zombam da capacidade de punição dos corruptos

A espantosa revelação de que, com a Lava Jato comendo solta e um monte de gente presa, Aldemir Bendine negociou o recebimento de pelo menos R$ 3 milhões em propina da Odebrecht às vésperas de assumir a Petrobrás com a missão de saneá-la mostra a profundidade do buraco em que o Brasil se meteu na última quadra.

Trata-se de uma cleptocracia renitente, em que seus integrantes de todos os escalões ignoram o Estado de Direito, zombam da capacidade de punição dos corruptos, se sentem à vontade para pedir dinheiro por mensagem eletrônica, como se houvesse um caixa eletrônico virtual da propina, correm pela rua com malas recheadas de pixuleco para pegar táxi e discutem à luz do dia a mudança das leis de forma a permitir que a pilhagem continue sem admoestações.

A corrupção brasileira não começou com o PT, mas foi obra do lulismo a construção desse regime de ladrões, em que todos os escalões foram loteados por companheiros cuja única razão de estarem onde estavam era montar uma rede de financiamento político-partidário cedendo a empresários “amigos” financiamentos, contratos, leis feitas sob encomenda, negócios em países governados por ditaduras aliadas e toda sorte de traficância.

Os petistas, em seu exercício quase comovente de autoengano, vão se apressar em gritar: mas e Michel Temer? O atual governo, que manteve a cleptocracia instalada, nada mais é que continuação do de Dilma Rousseff.

Caminho seguro ao agravamento da crise | Aloysio Nunes Ferreira

- Folha de S. Paulo

Já se foi o tempo de conivência com o arbítrio na Venezuela. O governo brasileiro repudiou a decisão de convocar uma Assembleia Constituinte à revelia do direito ao sufrágio universal.

A designação é enganosa, pois a "eleição" deste domingo (30) -feita sem os líderes oposicionistas, presos ou barrados, e desenhada para impor a escolha de prepostos do regime- lembra o corporativismo protofascista, em voga nos anos 1930, e os senadores biônicos do regime militar no Brasil.

Esse casuísmo escancara a intenção de Nicolás Maduro de se perpetuar no poder. Sem falar da confusão jurídica: o país passa a ter duas ordens constitucionais e vive, portanto, um quadro de anomia.

Uma ditadura bem ali na esquina | Clóvis Rossi

- Folha de S. Paulo

A Venezuela dá neste domingo (30) o passo final para a instalação de uma ditadura.

Foi "despacito", para citar um sucesso mundial. Hugo Chávez foi comendo a democracia pelas bordas, pouco a pouco, mas preservou ao menos o centro do prato, na forma de eleições razoavelmente livres.

Sabia que podia ganhá-las porque a bonança petrolífera lhe assegurava recursos para programas sociais que fizeram com que os pobres, pela primeira vez na história venezuelana, sentissem a presença do Estado. Na década passada, que foi a década chavista, entrou nos cofres públicos a impressionante soma de US$ 1 trilhão, o que equivale a quase 2/3 do PIB brasileiro atual.

A oposição indecisa | Bernardo Mello Franco

- Folha de S. Paulo

A três dias da votação que definirá o futuro de Michel Temer, os deputados de oposição ainda batem cabeça. Não há consenso sobre a estratégia a ser adotada na quarta-feira. O governo aposta na divisão dos adversários para enterrar a denúncia contra Temer.

O presidente da Câmara não iniciará a votação enquanto não houver a presença de dois terços dos deputados. Partidos como PSOL e Rede só querem entrar no plenário se os governistas comparecerem em peso. A ala majoritária do PT prefere marcar o ponto logo no início da sessão.

"A oposição não pode fazer o jogo do governo", diz o líder da Rede, Alessandro Molon. Ele afirma que uma sessão com quorum baixo só interessa a Temer, já que as ausências contarão a favor do presidente.

Entre a ordem e a malandragem | Luiz Carlos Azedo

- Correio Brazilense

As Forças Armadas estão empregando o conceito de “guerra assimétrica” . Isso tem a ver com combate ao terrorismo. Faz sentido, o tráfico de drogas atua como uma espécie de guerrilha urbana

Desde sexta-feira, mais de 10 mil homens das forças federais reforçam a segurança no Rio de Janeiro, por decisão do presidente Michel Temer, que resolveu enfrentar o problema da violência e do crime organizado no estado. Em entrevista coletiva, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou que o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) permitirá a atuação das Forças Armadas (são 8,5 mil homens do Exército e Marinha, principalmente) com poder de polícia, em caráter permanente, até o fim de 2018 (renovado), com ações de inteligência, operações especiais e patrulhamento preventivo, para desmantelar o crime organizado e desalojá-lo dos territórios que hoje controlam.

Marina se prepara | Merval Pereira

- O Globo

Sempre que surgem pesquisas eleitorais, o nome da ex-senadora Marina Silva, líder da Rede, aparece entre os mais cotados, embora ela não tenha ainda afirmado que vai se candidatar novamente à Presidência da República. Mesmo tendo sido senadora, ministra do governo Lula por sete anos, fundadora do PT e candidata à Presidência da República duas vezes, Marina não é vista como uma política tradicional pelo eleitorado. Possivelmente por sua maneira independente de fazer política.

Provavelmente vai se candidatar mais uma vez, mas tenta mudar algumas regras eleitorais para ter competitividade. Pelas atuais, seu partido terá 20 segundos de rádio e televisão, se não fizer alianças, e uma parte ínfima do fundo partidário.

Ela diz que as regras foram feitas para impedir que a Rede se desenvolva, o que pode distorcer as eleições de 2018. Os partidos majoritários que fizeram essas regras são os mesmos que estão sendo investigados pela Operação Lava-Jato por terem fraudado eleições com financiamentos de Caixa 2 ou propinas de grandes empresas.

Equilíbrio frágil | Míriam Leitão

- O Globo

Um presidente com apenas 5% de aprovação e 70% de rejeição normalmente cai, porque os políticos da coalizão se afastam de governo impopular que pode prejudicar as intenções eleitorais futuras. O presidente Temer chega às vésperas da votação da denúncia com chances de vencer. Tem usado o cargo para ficar no cargo e conta co a união de políticos contra o inimigo comum: a Lava-Jato

Na quarta-feira, dia 2, está marcada a leitura em plenário da denúncia do procurador-geral por corrupção passiva contra Temer. Quem quer tirá-lo tem o ônus de mobilizar dois terços da Câmara para votar pela aceitação da denúncia. A falta de manifestação de rua facilita a vida de Temer, mas os parlamentares estão voltando de suas bases, visitadas no recesso, onde ouviram dos seus eleitores o tamanho da rejeição ao presidente. Terão que decidir entre ficar no pacto de salvação dos investigados ou fazer um gesto em relação ao eleitor que está cansado do governo e da corrupção.

Rebarbas da reforma | Celso Ming

- O Estado de S.Paulo

Entre o início de tramitação no Congresso e a aprovação, a reforma da legislação trabalhista saiu em cinco meses. Digamos que seja prazo recorde para um assunto complexo que mexe com tantos interesses. Nessas condições, é natural que tenham sobrado rebarbas para serem aparadas. Vamos a algumas.

A questão sindical é uma delas. O fim da contribuição obrigatória veio ajudar a separar sindicatos sérios dos sindicatos pelegos. Mas não mexeu na estrutura sindical e, por isso, manteve problemas que o sindicalismo carrega há anos. Um deles é o princípio da unicidade, que garante a existência de apenas um sindicato por categoria em cada município. Assim, sindicatos pouco identificados com a defesa dos trabalhadores seguirão como seus representantes na negociação coletiva. A medida provisória que o governo elabora para os ajustes deverá de alguma forma rever o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. A ideia é garantir algum repasse quando o sindicato atuar em negociações coletivas. Mas o texto da lei passa ao largo da tão insistentemente reivindicada reforma sindical, algo que exigiria alteração da Constituição.

Retomando os trabalhos | Samuel Pessôa

-Folha de S. Paulo

A semana que hoje se abre marca a retomada dos trabalhos no Congresso Nacional.

O período recente tem sido de muita atividade no Congresso, que tem reconhecido que há temas que precisam ser tratados independentemente de estarmos em meio a uma grave crise política que ficará conosco até o final de 2018.

O Congresso pode tocar a agenda de Estado. Deu essa demonstração quando aprovou a modernização das relações de trabalho no Brasil com a reforma trabalhista.

A reforma política é o próximo item da agenda de modernização do Estado brasileiro. Foi aprovado no Senado e tramita na Câmara Federal o texto da reforma política de autoria do senador Ricardo Ferraço, do PSDB do Espírito Santo.

O reajuste do funcionalismo – Editorial | O Estado de S. Paulo

A secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, informou que o governo estuda adiar os reajustes salariais do funcionalismo já aprovados para 2018 e que resultarão em um custo adicional de R$ 22 bilhões. A simples menção a essa possibilidade bastou para que sindicatos de servidores partissem para a ameaça de greve, desconsiderando o delicado momento pelo qual passam as contas públicas. O País não pode continuar refém de corporações para as quais nada interessa senão benesses, em total desconexão com a realidade nacional.

A maior parte dos reajustes ao qual Ana Paula Vescovi se referiu foi concedida pelo presidente Michel Temer em junho do ano passado, quando ainda era interino, durante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Compreende-se que, naquela ocasião, na interinidade, Temer se sentisse obrigado a respeitar os compromissos assumidos por Dilma, além de precisar arrefecer a pressão dos funcionários públicos, incitados pelo PT. Uma vez efetivado no cargo, Temer anunciou um severo regime de austeridade de gastos. E hoje, quando a equipe econômica luta para encontrar uma forma de cumprir a meta fiscal e paira no ar a ameaça até mesmo de suspensão do funcionamento de partes da máquina estatal por falta de recursos, está claro que a concessão aos servidores foi um erro.

Efeitos colaterais do ‘campeão nacional’ JBS – Editorial | O Globo

Política do BNDES de concentração de poder de mercado em poucos grupos não deve ser avaliada apenas pelo aspecto da rentabilidade financeira

O grupo JBS chegou a ser o maior produtor de proteína animal do planeta, orgulho da política desenhada em pranchetas lulopetistas para converter empresários brasileiros em “campeões”, vitaminados por dinheiro público. O grupo, de origem numa família dona de açougue em Anápolis, Goiás, não é o primeiro a ter ascensão rápida e queda equivalente.

Na década de 70, na ditadura militar, havia fixação no modelos dos “chaebols”, da Coreia do Sul, gigantes edificados em torno de famílias, bancos e governo. Na “crise asiática”, na década de 90, alguns se liquefizeram, com o desmonte de esquemas de dívida externa assentados na garantia de um câmbio fixo ou quase. O câmbio teve de flutuar e muita coisa veio a baixo. Mas a estrutura coreana, já colhendo os frutos dos investimentos em educação e tecnologia, aguentou o tranco.

A decisão que urge – Editorial | Folha de S. Paulo

Experimentando índices elevadíssimos de impopularidade, o presidente Michel Temer (PMDB) se aproxima de mais um difícil teste político-institucional com a votação na Câmara dos Deputados, marcada para esta semana, da denúncia contra ele apresentada pela Procuradoria-Geral da República.

Os fatos que fundamentam a peça acusatória são, a esta altura, largamente conhecidos.

Numa conversa estranha agenda oficial, em 7 de março, o presidente da República indicou ao empresário Joesley Batista, da JBS, o nome de seu assessor de confiança Rodrigo Rocha Loures como interlocutor nos diversos assuntos e pendências que o grupo empresarial mantinha com o poder público.

Semanas depois, em 28 de abril, flagrou-se Rocha Loures commala contendo R$ 500 mil, que lhe havia sido entregue por um executivo da JBS. Conforme a denúncia, o próprio Temer seria o destinatário da propina, a caracterizar o crime de corrupção passiva.

Temer encara ‘maratona’ para barrar denúncia

Desde a delação da JBS, presidente recebeu mais de 160 parlamentares, acelerou emendas, lançou ‘pacotes de bondades’, manteve Maia ao seu lado e se beneficiou das ‘ruas vazias’

Isadora Peron, Carla Araújo, O Estado de S. Paulo.

Desde 17 de maio, quando veio à tona o conteúdo da delação do empresário Joesley Batista, o presidente Michel Temer recebeu em seu gabinete 133 deputados, 30 senadores, governadores, prefeitos e dirigentes partidários. Temer liberou R$ 4,1 bilhões em emendas parlamentares. A estratégia visa a evitar uma debandada da base na quarta-feira, quando deve ser votada na Câmara a denúncia apresentada pelo procurador Rodrigo Janot.

Michel Temer conseguiu reverter, em pouco mais de dois meses, uma situação de crise aguda – momento em que sua renúncia chegou a ser cogitada – para uma expectativa de vitória, nesta semana, quando a denúncia por corrupção passiva apresentada contra ele poderá ser votada na Câmara. O presidente recebeu mais de 160 deputados e senadores, acelerou emendas parlamentares, lançou “pacotes de bondades”, manteve como aliado Rodrigo Maia (DEM-RJ), seu eventual sucessor, e se beneficiou das “ruas vazias”.

“Foi um embate diário”, disse o vice-líder do governo na Câmara, deputado Beto Mansur (PRB-SP), um dos membros da “tropa de choque” responsável por monitorar o número de votos que o presidente terá em plenário durante a análise da denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Pela contagem mais recente, ele tem 280 votos – são necessários 172 para barrar a denúncia. “Eu não digo que já está resolvido, mas na quarta-feira temos muita chance de resolver essa questão”, afirmou Mansur.

Desde 17 de maio, quando veio à tona o conteúdo da delação premiada do empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, o presidente recebeu em seu gabinete no Palácio do Planalto 133 deputados federais e 30 senadores. Após a denúncia chegar à Câmara em 29 de junho, Temer iniciou uma verdadeira “blitze política” para receber deputados e convencê-los a votar contra a abertura de investigação no Supremo Tribunal Federal. Em um único dia, o presidente recebeu 30 parlamentares.

Nas conversas, além de rebater as acusações de Janot – para quem o presidente era o beneficiário da mala com R$ 500 mil com a qual foi filmado seu ex-assessor e ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) –, Temer apresentou sua versão dos fatos. O presidente também usou o argumento de que, se nem mesmo ele está seguro contra o avanço da Operação Lava Jato, imagine como ficaria o destino dos parlamentares que também são alvo de investigações.

Temer espera ganhar fôlego após votação de denúncia na Câmara

Marina Dias, Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Às vésperas do dia em que pela primeira vez a Câmara vai analisar uma denúncia contra um presidente da República, Michel Temer teve raro rompante raivoso.

Diante de poucos aliados –em meio à exaustiva contagem de votos para a sessão marcada para quarta (2)– fez desabafo acalorado ao falar da delação que o alçou à condição de denunciado: "Essa gente é canalhada", disse, segundo pessoas próximas.

Referia-se aos irmãos Joesley e Wesley Batista, cuja colaboração premiada fez com que o procurador-geral, Rodrigo Janot, apresentasse contra ele a inédita denúncia por corrupção passiva.

Amigos garantem que é somente quando trata dos empresários ou de Janot que o presidente perde a calma que lhe é habitual.

De resto, afirmam, tem trabalhado para garantir pelo menos 250 dos 513 votos em plenário para impedir que a denúncia contra ele chegue ao Supremo.

Votação sobre Temer pode atrasar

Governo e oposição ainda traçam estratégias para a votação da denúncia contra o presidente Temer na Câmara. O Planalto teme se fragilizar para as reformas. Com isso, a sessão pode não ocorrer no próximo dia 2, como previsto.

Denúncia contra Temer: votação em dúvida

Nem governo nem oposição garantem que Câmara decida questão na quarta-feira: ambos querem demonstrar força

Júnia Gama e Leticia Fernandes, O Globo

BRASÍLIA Apesar da proximidade da data decisiva sobre a denúncia por corrupção passiva contra o presidente Michel Temer, nesses últimos dias de recesso ficou claro que nem governo nem oposição têm total segurança se a votação será concluída. De um lado, a oposição não quer dar quórum para o que se anuncia como uma derrota certa. Do outro, o governo teme que o número de parlamentares o apoiando deixe claro sua fragilidade para prosseguir com a agenda de reformas. Por isso, ambos os lados ainda analisam as melhores estratégias para o dia e só devem bater o martelo sobre as ações a serem tomadas na própria quarta-feira; o início da sessão está marcado para as 9h.

A oposição pretende definir apenas no dia da votação se comparecerá ou não. O governo também observa se será capaz de se livrar da denúncia contra Temer ou se será preciso mais tempo para alinhar a base e dar uma demonstração de força que lhe permita sobreviver sem grandes sequelas. Não está descartada a possibilidade de governistas somente darem quórum após verificarem que haverá uma margem segura para a votação. Apesar da indefinição, integrantes do governo garantem que, resolvida a questão do quórum, Temer vencerá a batalha com facilidade, por mais de 250 votos.

— Cabe agora à oposição querer votar. A bancada do governo está pronta desde antes do recesso — afirmou o ministro da Educação, Mendonça Filho, um dos que devem voltar à Câmara para votar a denúncia.

Para fugir de barreira, partidos articulam se unir em federação

José Marques, Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A tentativa de fugir de sanções como o fim do acesso ao fundo partidário levou pequenos partidos a se anteciparem à reforma política e começarem a discutir a possibilidade de se unirem em federação para concorrer em 2018.

O modelo, previsto em PEC (Proposta de Emenda à Constituição) aprovada pelo Senado e tramitando na Câmara, permite que siglas "com afinidade ideológica e programática" se unam numa "identidade política única".

Na prática, a federação atuaria como um novo partido. Ela se formaria no período de registro de candidatura e ganharia um novo nome, com fundo partidário distribuído de acordo com os votos válidos de cada legenda para deputado federal.

Já o tempo de televisão seria proporcional ao número de deputados eleitos por toda a federação.

A união tem sido tratada pelo Podemos (ex-PTN), PHS, PRP, PEN, PRTB, PSL (que pode virar Livres), PT do B (que tenta virar Avante), PSDC e Pros, segundo os dirigentes dos três primeiros partidos.

Juntas, as nove legendas têm 38 deputados, o mesmo tamanho do PR, quarta maior legenda da Câmara.

O constante diálogo | Carlos Drummond de Andrade

Há tantos diálogos

Diálogo com o ser amado
o semelhante
o diferente
o indiferente
o oposto
o adversário
o surdo-mudo
o possesso
o irracional
o vegetal
o mineral
o inominado

Diálogo consigo mesmo
com a noite
os astros
os mortos
as idéias
o sonho
o passado
o mais que futuro


Escolhe teu diálogo
e
tua melhor palavra
ou
teu melhor silêncio
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.

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Carlos Drummond de Andrade
In Discurso de Primavera & Algumas Sombras
José Olympio, 1977
© Graña Drummond