domingo, 3 de setembro de 2017

Opinião do dia – Nicolau Maquiavel

Além disso, não se pode honestamente satisfazer aos grandes sem injúria para os outros, mas o povo pode ser satisfeito. Porque o objetivo do povo é mais honesto do que o dos poderosos; estes querem oprimir e aqueles não ser oprimidos. Contra a hostilidade do povo o príncipe não se pode assegurar nunca, porque são muitos; com relação aos grandes, é possível porque são poucos. O pior que um príncipe pode esperar do povo hostil é ser abandonado por ele. Mas, da inimizade dos grandes, não deve temer só que o abandonem, como também que o ataquem, pois têm estes maior alcance de vistas e maior astúcia, e têm sempre tempo de salvar-se, procurando aproximar-se dos prováveis vitoriosos. Precisa ainda o príncipe de viver sempre com o povo, mas pode prescindir perfeitamente dos grandes, pois pode fazer e desfazer, cada dia, e dar-lhe ou fazer-lhe perder influência, à sua vontade.

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Nicolau Maquiavel (1469-1527), foi um historiador, poeta, diplomata e músico de origem florentina do Renascimento, “O Príncipe" - cap.IX – Do principado civil, pp.45-6

Uma candidatura agregadora | Fernando Henrique Cardoso*

- O Estado de S.Paulo

Importa constituir um polo democrático e popular que olhe para 2018 com visão de futuro

Em sua fundação, em 1988, o PSDB se insurgira basicamente contra dois procedimentos: o compromisso de certas lideranças do PMDB com práticas de conduta reprováveis e a inconsistência, revelada durante a votação da Constituição, entre os objetivos proclamados pelo partido e o voto dado por muitos de seus membros. Mário Covas e eu, então, éramos líderes das bancadas do PMDB, respectivamente, na Constituinte e no Senado.

Na formação do PSDB nossa base social não provinha dos sindicatos, como no caso dos partidos social-democratas europeus. As questões sociais que nos preocupavam não se restringiam aos trabalhadores fabris, abrangiam “o povo em geral”, inclusive o setor agrário e os novos profissionais urbanos, como os empregados de call centers, os programadores, etc. Não nos esquecíamos, tampouco, das classes médias, de onde provínhamos.

O PSDB nasceu com uma chave ideológica clara: o republicanismo (luta contra as iniquidades causadas por privilégios e abusos corporativos e clientelistas) e o primado do interesse coletivo sobre o particular. Isso, entretanto, não equivalia à defesa cega das leis do mercado nem à crença no intervencionismo estatal. A defesa dos interesses gerais requer responsabilidade fiscal e critérios de eficiência e justiça social na tributação e no gasto público. O partido nasceu, portanto, com posição ideológica nova, que aliava a técnica à política e, aos poucos, tornou as posições social-democratas mais contemporâneas à globalização.

Reflexões sobre a reforma política | Roberto Romano*

- O Estado de S.Paulo

Vê-se, no palimpsesto da história política, que todo regime social ou de Estado se corrompe

Em artigo recente (A indulgência perpétua das castas prostitutas, Estado, 23/8, A2), José Nêumanne Pinto aponta a bacanal dos poderosos instalados nos palácios. O jornalista evidencia os absurdos do voto reduzido à compra e venda, sob o comando de velhos caciques e de outros mais jovens, nada cândidos. O termo “candidato” vem da velha Roma. Ali, os pretendentes aos cargos envergavam vestes alvas para mostrar almas limpas. Não apenas na política havia tal exigência. O futuro esposo usava vestes brancas. Na peça Casina, de Plauto, o noivo é dito candidatus. No vocabulário romano, a candidez pública entra numa rica constelação de significados éticos. Ela sintetiza os vocábulos ao redor de honos, homenagem devida ao respeito por alguém, de honestas, que, em companhia de auctoritas e gravitas, distinguem os dirigentes. Os eleitores deveriam apoiar quem possuía autoridade de comportamento, garantindo respeito ao Estado. Sem tais elementos, as leis não seriam obedecidas, desapareceria a fides publica. Hanna Arendt comenta: “Se você precisa gritar para que alguém deixe seu quarto, falta-lhe autoridade”. Ah, se ela ouvisse os impropérios dos nossos senadores e deputados! Um legislador deve exibir gravidade em palavras e atos. É semelhante universo semântico que recolhe o termo “candidato”.

Deixemos a República de Roma, sigamos para Atenas, paradigma democrático. Diz Platão que cidade onde comanda o vulgo, fera de mil cabeças, cada um se comporta do jeito que lhe apraz, assume atitudes privadas e públicas violentas. A lei contra a hybris (o abuso do fraco pelo mais forte) perde sentido. A democracia licenciosa é “como um manto de muitas cores, matizado com toda espécie de tons.

Ouça, Temer | Fernando Gabeira

- O Globo

Tenho discretas razões para supor que Temer compreenderá o equívoco de abrir para a mineração, na Amazônia, uma área do tamanho da Dinamarca. No passado, ele se tornou dono de terras em Alto Paraíso, e a comunidade que trabalhava há anos ali foi a Brasília pedir ajuda. Terras em Goiás foram distribuídas a políticos do PMDB. Temer nem sabia exatamente como eram e o que produziam. Pressionado pelos agricultores alternativos que trabalhavam ali, Temer resolveu abrir mão de suas terras e as doou à cidade de Alto Paraíso. A gora, não se trata apenas de alguns, mas de 47 mil hectares. As terras não são de Temer, mas do Brasil e, de uma forma indireta, de toda a Humanidade. Quando os militares criaram a reserva, a ideia era pesquisar e explorar os recursos de uma forma estratégica. Não creio que pensaram nisso como um momentâneo desafogo a uma crise econômica provocada pela incompetência e corrupção.

Não quero raciocinar em termos de estatal ou privado, ou mesmo de nacional ou estrangeiro. Depois que os militares criaram a reserva, muita água passou por baixo da ponte, ou mesmo por cima, com os eventos climáticos extremos.

No fim da década dos 1980, o Brasil ainda era um vilão internacional porque desmatava a Amazônia. Lembro-me de uma reunião de cúpula na Holanda em que Sarney não foi porque tinha medo de uma reação negativa. Na época, além das queimadas e de outros fatores, houve ainda o episódio de negarem passaporte a Juruna.

Nem tudo é jogo eleitoral | Dora Kramer

- Veja

A política anda tão desqualificada que uma das armas mais utilizadas por aqueles a quem a aplicação da lei desconforta é espalhar boatos de que investigadores e juízes querem mesmo é ser políticos. A ideia é colocá-los sob suspeição, insinuar que fazem o que fazem no intuito de obter vantagem pessoal. Qual seja, tentar eleger-se deputado, senador, governador ou presidente.

Essa versão carrega um ato falho e um paradoxo. Seus autores, políticos na maioria, admitem que a atividade a que se dedicam oferece meios e modos para a obtenção de benefícios distantes do interesse público. Ao mesmo tempo cometem uma incongruência.

A suspeita sobre os reais objetivos desse ou daquele promotor ou juiz em geral é acompanhada da acusação de que a atuação desses agentes é extremamente prejudicial ao funcionamento do país e danosa para a democracia, pois visaria à desmoralização da política. Ora, se de fato têm a intenção de entrar para a política, por que seriam ativistas de seu aniquilamento? Outra: se pretendem mesmo trocar a estabilidade de sua profissão pela vida incerta da busca constante de votos, qual o interesse deles em tornar ainda mais difícil a vida dos eleitores de quem passariam a depender?

Guerra de nervos | Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo.

O“mês das bruxas” passou, mas as bruxarias e flechas envenenadas continuam cruzando o ar seco, irrespirável, de Brasília. Em contagem regressiva para deixar a PGR, Rodrigo Janot faz uma guerra de nervos, disparando flechadas virtuais contra o presidente Michel Temer enquanto não vem a flechada real (e que ele pretende, ou insinua, como mortal).

Só no último dia de agosto, Temer foi alvo de quatro notícias esparsas e ameaçadoras. A primeira delas é que Janot devolveu para o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, em menos de 24 horas, a delação do doleiro Lúcio Funaro, sempre apontado como o coveiro de Temer. Será mesmo?

Ficaram dúvidas nessa rapidez toda. Fachin só pediu os ajustes para não repetir o erro de ter encampado em tempo recorde a delação de Joesley Batista contra um presidente da República? E esses ajustes eram tão superficiais que Janot resolveu com duas pinceladas e manteve o cronograma das flechadas?

Enquanto o procurador devolvia a delação, a ser homologada no STF, vazava que a bomba de Funaro é a confirmação de que Joesley comprava o seu silêncio com autorização de Temer. Como o assessor Rocha Loures, a irmã do doleiro também foi flagrada com mala de dinheiro, que seria para evitar a delação.

Nossos paradoxos | Merval Pereira

- O Globo

Os bons indicadores da economia, sinalizando o fim da recessão e uma retomada lenta do crescimento, chegaram em boa hora para o presidente Michel Temer, às vésperas de enfrentar uma segunda denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Dificilmente a semana que começa vai dar espaço para a aprovação da reforma política, pois todos estão aguardando o que vem na delação premiada do doleiro Lúcio Funaro contra Temer e seu grupo do PMDB, a quem Funaro servia.

O país entra novamente num momento em que os paradoxos predominam. É hora de tentar derrubar o presidente da República, quando as coisas parecem estar voltando aos eixos?

A solução da crise fiscal depende das medidas de ajuste que o Congresso ainda não aprovou, e se os deputados ficarem dominados pela agenda do Rodrigo Janot não terão condições de retomar o tema que realmente importa.

O risco da Renca | Miriam Leitão

- O Globo

O governo está mal informado ou tem péssimas intenções em relação à extinção da Renca. Mesmo com o fim da reserva, apenas 10% do território poderia ter exploração mineral, segundo Beto Veríssimo, pesquisador do Imazon. Ao contrário do que o governo diz, o desmatamento na área é mínimo, de 0,3%. O risco é haver a intenção de mudar o marco regulatório das unidades de conservação.

‘Toda a região da Calha Norte do Pará, onde está inserida a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), tem 272 mil quilômetros quadrados, uma área equivalente à soma de São Paulo e Sergipe, e apenas 300 mil habitantes, que se concentram nas margens dos rios e têm atividades de baixo impacto. A Renca é uma parte disso, tem 46,5 mil quilômetros. Foi criada como reserva mineral, mas as unidades de conservação foram sendo criadas e se sobrepondo à reserva mineral e hoje só pode haver exploração de minério em um pequeno trecho. O governo não explicou o que quer, mas qualquer coisa além disso ele só pode fazer se alterar os planos de manejo ou mudar a lei das unidades de conservação”, explica Beto Veríssimo.

O STF poderia congelar os mimos a Joesley | Elio Gaspari

- O Globo

Até os mármores do Supremo Tribunal Federal sabem que o beato Joesley Batista estava grampeando conversas muito antes de ir ao Jaburu para sua tertúlia com Michel Temer. Eles também sabem que os Batista só foram à Procuradoria-Geral porque temiam a chegada da Polícia Federal às suas casas. A repórter Monica Bergamo revelou que se juntaram novos áudios e documentos ao processo do acordo com o Ministério Público. O procedimento cheira a uma nova fuga para a frente. A esquisitice pode estar relacionada com pelo menos dois fatos: as confissões de novos colaboradores e a iminente substituição da Procuradoria-Geral com a qual ele acertou um acordo-girafa.

O melhor que poderia acontecer seria o ministro Luiz Edson Fachin estender as negociações com o beato, até que a procuradora-geral Raquel Dodge e sua equipe possam saber onde a instituição pisa.

Batista já mostrou que tinha o que contar. Não contou tudo o que sabe e deixou lacunas. Uma delas foi a natureza e a tramitação de seus pleitos no BNDES. Ministros de Temer e parlamentares dizendo e fazendo o que não devem chegam a ser um bem-vindo arroz de festa, mas a pressa de Batista deveria ser esfriada, para que o conjunto faça maior nexo. Se todo os seus pleitos financeiros eram lisos, fica difícil entender por que distribuía tanto dinheiro.

Se os irmãos Batista quiserem começar tudo de novo, melhor assim, mas que seja para liberar o pacote inteiro, mesmo que seja necessário esticar prazos.

Surfando a onda do grampo do Jaburu, Joesley Batista ficou com a impressão de que foi bem-sucedido na construção do improvável personagem do empresário angelical rapinado por políticos larápios. Enganou-se, assim como estava enganado quando pensava que se livraria das investigações dos procuradores de Rodrigo Janot.

O "Liberal" e seu quintal | Armando Castelar Pinheiro

- Valor Econômico (1/9/2017)

As mudanças necessárias irão contrariar interesses poderosos, inclusive de muitos 'liberais'

Na segunda-feira da semana passada (21/8) o Valor publicou longa entrevista com o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. O pretexto da entrevista era a reeleição de Skaf para presidir a federação da indústria paulista, mas nela se falou tanto de Fiesp como de política e das eleições de 2018, em que Skaf deve ser outra vez candidato a governador de São Paulo.

Na entrevista Skaf defendeu uma plataforma "liberal" para a economia: "Nas eleições há duas visões: a minha é de ser a favor da economia liberal, da livre iniciativa, de cobrar eficiência, Estado menor, bom ambiente de negócios". Nessa linha, elogiou a reforma trabalhista e a terceirização, defendeu a reforma da Previdência, criticou o aumento salarial do funcionalismo e a "carga tributária absurda" ("Não defendo aumento de impostos, mas redução de gastos para diminuir desperdícios"), e argumentou que a privatização deveria ser acelerada para ajudar a fechar as contas públicas: "Outras formas de arrecadação, como concessões, rodadas de petróleo, venda de participações societárias de empresas poderiam ter maior velocidade".

Não deve ter escapado ao leitor o simbolismo da posição assumida pelo presidente da Fiesp. Afinal de contas, a origem da Fiesp remonta à posição anti-liberal assumida por seu mais destacado fundador, Roberto Simonsen, que no famoso debate com Eugenio Gudin defendeu, e convenceu a elite do país, que o caminho para o desenvolvimento era o planejamento estatal e o Estado grande, inclusive com destaque para as empresas estatais.

O Brasil velho e o Brasil novo | Marcos Lisboa

- Folha de S. Paulo

O momento é paradoxal. Por um lado, há o muro fiscal, cada vez mais perto. Por outro, há um debate inédito sobre os problemas do país, que não se reduzem ao maniqueísmo da última campanha.

Falta muito a fazer, mas alguns avanços surpreendem. Melhor ainda, não se trata apenas do resultado de um governo que utiliza velhos métodos em troca de reformas que garantam a boa vontade de parte da sociedade.

A reforma trabalhista foi significativamente aperfeiçoada pelo Congresso.

Os argumentos técnicos foram decisivos na discussão sobre os subsídios do BNDES, assim como a liderança do relator. O debate surpreende. A reforma é defendida por políticos tradicionalmente associados aos setores beneficiados pelo subsídio. A oposição à proposta, por sua vez, reúne antigos adversários, alguns que apoiaram o impeachment, outros que o denunciaram como golpe.

A informação que faltou Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

China superou o Brasil em renda per capita e deve passar em bem-estar médio

No domingo passado, reportagem de Érica Fraga e Álvaro Fagundes informava que em 2016 o PIB per capita da China ultrapassou o brasileiro. O resultado é impressionante, pois em 1980 nosso PIB per capita era 15 vezes maior do que o chinês.

Comparar produção entre países é difícil. Em geral, o que as pessoas fazem é tomar o PIB do país medido na sua própria moeda e aplicar o câmbio para o dólar. A partir daí, compara-se o valor do PIB de diversos países na moeda americana.

O problema com essa metodologia é que o mesmo bem ou serviço pode ter diferentes preços em diversos países. Para contornar essa dificuldade, calcula-se o PIB para diferentes países em dólares, mas controlando para as diferenças sistemáticas de custo de vida. Os valores dos serviços e dos bens nos diversos países são avaliados empregando um mesmo conjunto de preços.

Privatizações e concessões | José Roberto Mendonça de Barros

- O Estado de S. Paulo

Privatizar estatais é a única garantia de que governo não precisará fazer aportes

No dia 24 de agosto, o governo anunciou um ambicioso programa de privatizações e concessões para este e para o próximo ano. Esse movimento é muito importante no momento atual. Infelizmente, foi mal divulgado, uma vez que ficou a impressão de que o grande objetivo é arrecadar recursos extras para o Tesouro, quando, na realidade, esta é apenas uma das razões para privatizar – e não a mais importante. Isso porque os volumes possíveis de serem arrecadados são relativamente pequenos, em comparação com o déficit fiscal projetado, e também por se tratar de uma receita não recorrente, que ocorre somente uma vez.

Existem várias razões para justificar o programa, e a mais importante é que passar esses projetos para o setor privado é a única forma de elevar o investimento, sem o qual a recuperação econômica não vai se consolidar. Por causa das agruras do Tesouro e do excesso de capacidade hoje existente na indústria e em outros segmentos, apenas a infraestrutura será capaz de realizar tal tarefa. Sua melhora é a forma mais eficaz de conseguirmos elevar a produtividade da economia brasileira num prazo relativamente curto.

Defesa da Venezuela trará custos ao PT em 2018, diz historiador

Entrevista José Murilo de Carvalho

Historiador coordena palestras na ABL sobre populismo e avalia que denúncias de corrupção podem levar à eleição de candidatos que se apresentam falsamente como antissistema

Gabriel Cariello | O Globo

Para historiador, descrença em políticos pode levar à escolha de líderes que se apresentem, autêntica ou falsamente, como antissistema. “Lembremos no que deu o caçador de marajás”.

• O populismo é um sintoma de crise da democracia ou consequência dela?

Populismo é conceito escorregadio. Tomado como apelo a grupos excluídos feito por figuras carismáticas é sempre consequência da democracia. Em países em fase de abertura da franquia eleitoral, como na América Ibérica do século XX, foi consequência da expansão democrática. Em países já com ampla franquia, como na Europa e nos Estados Unidos de hoje, é consequência de exaustão democrática.

• O enfraquecimento das instituições representativas com as denúncias de corrupção apuradas em investigações, em especial a Lava-Jato, pode produzir líderes populistas?

As denúncias causam desencanto e descrença nas instituições, nos políticos, na própria política. Isso pode levar à abstenção eleitoral (mais difícil no Brasil por causa da obrigatoriedade do voto), ao voto nulo (absurdamente não contado como válido no Brasil), ou à escolha de lideranças que se apresentem, autêntica ou falsamente, como antissistema.

Para que lado? | Vera Magalhães

- O Estado de S.Paulo

Pré-candidatos se movem feito baratas tontas entre direita e esquerda, sem bússola

Sacudidos pela tempestade Harvey representada pela Lava Jato na última quadra, os partidos e políticos brasileiros tentam achar nos escombros um figurino com o qual se apresentar ao eleitor zangado em 2018.

A inundação parece ter levado junto a bússola: siglas e postulantes se movimentam em zigue-zague da esquerda à direita, ora ocupando um centro instável, sem saber também para qual dos pontos cardeais do espectro político-ideológico vai pender o eleitorado no ano que vem.

Assim vê-se João Doria Jr. – identificado com a centro-direita e detentor de um potencial de votos nesse espectro – se apresentar confusamente como o “novo Macron”, inclusive fazendo questão de ser literal, ao visitar o recém-eleito e já impopular presidente da França. Ora, Macron tinha uma trajetória mais à esquerda e caminhou para a centro-direita para se viabilizar como candidato diante do ceticismo geral dos franceses com os partidos tradicionais.

O Brasil passou – Editorial | Folha de S. Paulo

Talvez mais até do que na economia, é provavelmente no campo da política que se mostram incertas e frágeis as previsões dos especialistas. Além da natureza caprichosa e fortuita dos acontecimentos, também o desejo pessoal e o partidarismo tendem, nesse caso, a exercer sua influência.

Passado um ano da consumação do impeachment de Dilma Rousseff —a petista foi afastada em maio, mas o desfecho formal e quase inevitável do processo só se deu ao final de agosto de 2016—, avaliações e prognósticos amplamente difundidos ao longo daquela crise se mostram, se não errôneos, merecedores de relativização.

Defensores da então presidente alardeavam, por exemplo, o risco de instabilidade e de revolta face ao que tentaram classificar, como ainda o fazem, de "golpe" contra as instituições democráticas e um "projeto de governo popular".

O Brasil no espelho – Editorial | O Estado de S. Paulo

Ninguém presta no Brasil, a julgar pelo mais recente Barômetro Político, pesquisa do instituto Ipsos noticiada no Estado. O levantamento indica uma profunda insatisfação dos brasileiros com os rumos do País e com o modo como se comportam quase todas as pessoas que frequentam com algum destaque o noticiário político. Mesmo aqueles tidos como heróis, como o juiz Sérgio Moro, enfrentam queda de popularidade. Em seu conjunto, os números mostram o grau de hostilidade dos cidadãos em relação àqueles que, de uma forma ou de outra, os representam ou pretendem encarnar a opinião pública e as aspirações da sociedade.

É como se os brasileiros, diante do espelho, não se reconhecessem nesse reflexo – ou, pior, como se a imagem ali refletida lhes causasse engulhos. Esse ambiente de total rejeição e negação é o húmus propício ao populismo – o que nos levou ao desastre, pelas mãos do lulopetismo, e o que nele nos conserva, pela prevalência do ceticismo e da inação –, pois o discurso dos demagogos só se dissemina em sociedades com alto grau de desencanto com as lideranças tradicionais.

É hora de expor a verdade fiscal – Editorial | O Globo

Déficits gigantescos justificam que os governantes façam cumprir legislação já existente que determina a abertura de fato da caixa-preta das despesas públicas

Chefes do Executivo, Legislativo e Judiciário deveriam se reunir e impor, com urgência, normas harmônicas e obrigatórias em todas as instâncias de governo, organismos estatais e paraestatais, com o objetivo de possibilitar a rápida e clara compreensão sobre como o poder público gasta o dinheiro dos cidadãos. É o mínimo que podem e precisam fazer: expor à luz do sol o real significado de um rombo de R$ 318 bilhões nas contas públicas deste e no próximo ano. Os brasileiros têm o direito de saber como, onde, quando e por que se produz um déficit de cerca R$ 7,3 milhões a cada minuto nas administrações federal, estadual e municipal.

Leis sobre a transparência no uso de dinheiro público existem há muito tempo. Falta empenho dos gestores responsáveis em fazê-las cumprir em todos os níveis, com a devida prestação de contas em formato simples, que possibilite a leitura e compreensão de forma direta e clara pela sociedade.

Incerteza sobre candidatura de Lula embaralha eleição no NE

Bruno Boghossian | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - As dúvidas sobre a candidatura de Lula ao Palácio do Planalto em 2018 provocaram um impasse na definição das estratégias eleitorais dos principais partidos do país, especialmente no Nordeste.

Em busca de uma carona na popularidade do ex-presidente, políticos de siglas como PMDB e PP abriram articulações com o PT na região para a construção de chapas conjuntas a governos estaduais e ao Senado —apesar de suas legendas estarem alinhadas a uma possível candidatura do PSDB na disputa nacional.

No entanto, como a participação de Lula nessa eleição ainda dependerá de decisões judiciais, as negociações para a montagem de muitos desses palanques locais passaram a enfrentar dificuldades que talvez só tenham um desfecho às vésperas do início das campanhas.

O fator Lula criou empecilhos para o PMDB de Michel Temer no Ceará, por exemplo. O partido defende o lançamento de uma candidatura presidencial ao lado de PSDB e DEM, mas o presidente do Senado, Eunício Oliveira (CE), quer subir ao palanque ao lado do petista para disputar sua reeleição. "Por que não? Essa candidatura terá um impacto muito forte no Nordeste", disse Eunício.

O movimento já é feito abertamente por Renan Calheiros (AL), que trocou elogios com o ex-presidente em um ato há cerca de dez dias.

PMDB e PSDB se dividem em 18 Estados

Aliados no governo Michel Temer, tucanos e peemedebistas não devem repetir dobradinha na maior parte das disputas estaduais em 2018

Renan Truffi e Igor Gadelha, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Aliados em torno da gestão Michel Temer, PMDB e PSDB não devem repetir a dobradinha na maior parte das disputas estaduais em 2018. Levantamento feito pelo Estadão/Broadcast mostra que hoje a tendência é de que tucanos e peemedebistas fiquem separados em 18 Estados, contra nove unidades da federação nos quais a parceria nacional pode se repetir.

Em campos opostos nas eleições de 2014, quando PMDB era o principal aliado do PT no governo federal, os peemedebistas se uniram aos tucanos em maio de 2016 em meio ao impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff. Desde então, as duas siglas têm compartilhado cargos federais, diretrizes de governo e protagonismo nas decisões tomadas pelo Palácio do Planalto. Mas essa relação não deve mudar o quadro de coligações entre as legendas desde a última eleição presidencial.

Em 2014, o número de alianças do PMDB com os tucanos era o mesmo que se projeta para 2018. Na ocasião, PMDB e PSDB também se coligaram em nove Estados, enquanto integraram chapas distintas em outras 18 disputas estaduais.

Sem barreira, nanicos vão aumentar

Se a chamada cláusula de barreira não for aprovada, na reforma política em discussão no Congresso, o número de partidos no país, já alto (35), pode explodir. Há 67 legendas na fila para obter registro. Partidos como PR, PP e PT resistem em votar a proposta antes de acordo sobre a criação do distritão e do fundo público para campanhas.

Partidos sem limite

Resistência da Câmara à cláusula de barreira dá fôlego a 68 legendas que buscam registro

Catarina Alencastro, Eduardo Bresciani e Maria Lima | O Globo

BRASÍLIA - Enquanto a fixação de uma cláusula de barreira para restringir o acesso de partidos a recursos públicos e a tempo de TV é asfixiada na Câmara, a proliferação de legendas ganha fôlego. O Brasil já tem 35 partidos, e nas próximas semanas deverá ser aprovado pela Justiça Eleitoral o 36º, chamado Muda Brasil. A legenda tem o apoio, nos bastidores, do ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão e principal dirigente do PR, um dos mais emblemáticos representantes do chamado centrão. Há ainda outras 67 legendas em formação, na fase de coleta de assinaturas, o que poderia levar o número para 103, caso todas obtenham o apoio de 486 mil eleitores, como manda a lei.

A cláusula de barreira em discussão na Câmara é mais flexível do que a aprovada no Senado, mas a votação corre risco porque alguns partidos vinculam este debate à análise de outra emenda constitucional, que trata do sistema eleitoral e do fundo público para campanhas. O PP, por exemplo, só aceita votar a cláusula se o sistema para eleição de deputados for alterado, enquanto que PR e PRB querem a manutenção do atual sistema para aceitar a regra que limita os partidos. O PT, por sua vez, gostaria de decidir, primeiro, a criação do fundo público para as campanhas. Só depois aceitaria tratar da barreira aos partidos sem representatividade.

Com todo o jeito do centrão

Apesar do discurso de novas propostas, legenda se alinha a outras já conhecidas do eleitor

Eduardo Bbresciani | O Globo

-BRASÍLIA - Apesar do nome Muda Brasil, o 36º partido brasileiro está longe de apresentar uma novidade no cenário político nacional. A legenda evita se posicionar em algum campo ideológico, definindo-se como de centro, e tem o sucesso na sua criação atribuído ao ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão e principal liderança do PR. O presidente da nova legenda, José Renato da Silva, afirma que Valdemar o ajudou apenas “não atrapalhando”, mas reconhece que está no PR a origem de seu partido.

— Sobre o Valdemar, tenho afeição por ele. Fiquei 15 anos no PR. Ele não me ajudou como eu gostaria. A ajuda que eu tive dele foi de não atrapalhar, de me dar liberdade de conversar com ex-companheiros. Alguns puderam me ajudar. Tive apoio de pessoas de praticamente todos os partidos, mas claro que no PR tem uma afinidade grande e foi uma boa base do apoio que eu tive — afirmou José Renato.

Autopsicografia | Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.