segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Opinião do dia: Paulo Hartung

O que é o centro político?

É a turma de centro esquerda mais os liberais reformistas. Precisamos juntar essa turma em um projeto e uma agenda clara para o País, que seja reformista e modernizadora.

Já há uma disputa entre o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o governador Geraldo Alckmin pela liderança do centro em 2018. Qual deles tem mais identificação com esse campo?

É positivo que eles tenham se colocado. São bem-vindos. Estamos vivendo o maior vazio de lideranças da nossa história. A realidade vai mostrar quem é viável e competitivo. Nenhum desses nomes, porém, deveria ser obcecado por posição. O momento é delicadíssimo. O mais importante agora é acertar na narrativa para a população entender porque é importante essa agenda entrar no País.

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Paulo Hartung é governando do Espirito Santo, em entrevista, O Estado de S. Paulo, 24/12/2017

Marcus André Melo*:Terapias imaginárias

- Folha de S. Paulo

Passada a euforia em torno da reforma eleitoral, a discussão centra-se no sistema de governo. As terapias propostas para problemas imaginários associados ao presidencialismo de coalizão são múltiplas, e os equívocos sobre esse arranjo institucional igualmente numerosos.

Presidencialismos de coalizão existem da Colômbia à Indonésia. Difícil entender exatamente como a forma modal de estrutura constitucional no mundo pode explicar patologias como as que têm sido apontadas para o caso brasileiro: corrupção sistêmica, os deficits fiscais ou crises que levam ao impeachment presidencial etc. Não há evidência robusta de que presidencialismos de coalizão —sem qualificações— engendrem patologia alguma.

Quase 2/3 das democracias do mundo são presidencialistas ou semipresidencialistas. O resto é parlamentarista: nesse grupo, as coalizões multipartidárias chegam a 80%. Na base de dados sobre democracias presidencialistas de Tim Power (Oxford University) há 613 observações (ano-país) entre 1974 e 2013, presidentes minoritários formaram coalizões multipartidárias em 52% dos casos.

Denis Lerrer Rosenfield*: Mal-estar

- O Globo

Bolsonaro expressa questões e posições de uma sociedade que está de ‘saco cheio’ com tudo o que está aí

Há um profundo mal-estar na sociedade brasileira. As pessoas estão tomadas pelo desânimo e pela insegurança, portadoras de uma grande descrença em relação aos políticos e aos partidos. Se a moralidade pública tornou-se uma bandeira política, é por que não faltaram razões que corroboram uma tal percepção. É bem verdade que a economia voltou a crescer, criando novas condições sociais, graças às reformas realizadas pelo atual governo, porém tais efeitos ainda não se fizeram sentir ou não são percebidos enquanto tais.

Não deveria, portanto, causar estranheza o fortalecimento da candidatura do deputado Jair Bolsonaro, na medida em que ele consegue dar vazão ao sentimento de uma sociedade cansada de desmandos. Pretender desqualificá-lo como sendo de extrema-direita é nada mais do que uma reação de tipo ideológica, pois não leva em consideração que suas posições estão enraizadas na sociedade. Ele não é uma “bolha” que logo estourará, mas um fenômeno que expressa questões e posições de uma sociedade que está de “saco cheio” com tudo o que está aí.

A descrença da sociedade com os políticos e partidos em geral tem sérias razões. Não há praticamente nenhum grande partido que escape. O PT foi o grande mestre com o mensalão e o petrolão, em cujos governos o país foi levado à ruína econômica e à falta completa de ética. Ex-membros do novo governo estão envolvidos na Lava-Jato, como o de um ex-ministro com mais de 50 milhões escondidos em um apartamento. As imagens foram impactantes. O ex-presidente do PSDB também aparece envolvido no caso da JBS. A lista poderia ser interminável. Fica, porém, a percepção de que todos os partidos estão podres, embora evidentemente existam pessoas sérias e honestas em todos eles. O que conta aqui é a percepção popular. Neste sentido, a posição de um outsider tende a ser muito bem recebida.

José Roberto Mendonça de Barros*: 2018 e além

- O Estado de S. Paulo

A resistência a mudanças inevitáveis é característica de nossa sociedade

Estamos nos aproximando de um momento decisivo. Na economia, o cenário polarizou e passou a depender da aprovação da reforma da Previdência, ainda que na sua forma mais compacta.

Na política, o julgamento de Lula em janeiro e a janela de mudança na filiação partidária em março, vão acabar por levar à formação do grid de largada da sucessão presidencial, resultando na primeira baliza das chances das diversas candidaturas.

Mais do que a nomenclatura, o que vai ser fundamental é a característica do embate entre populistas, de esquerda ou de direita, e reformistas. A questão complicada na elaboração desses cenários é que os dois campos, econômico e político, não são independentes.

Embora exista a frustração resultante da incapacidade do governo de levar a voto a reforma da Previdência, muita gente está deixando de levar em conta alguns pontos que considero fundamentais, pois viramos o ano com dois avanços decisivos.

O primeiro é que não pairam mais dúvidas sobre a necessidade da reforma da Previdência. O governo demorou a articular o discurso de redução dos privilégios, mas o fez com certo sucesso. Uma indicação disso é que os sindicatos de trabalhadores do setor privado não têm mostrado particular interesse em lutar contra a reforma, como demonstra a baixa adesão das manifestações fora de Brasília. Apenas as associações dos servidores públicos estão mobilizadas na defesa de seus privilégios.

Rolf Kuntz*: Os Poderes são três, mas o Tesouro é só um

- O Estado de S.Paulo

No Brasil, separaram a noção de Poder e a de responsabilidade pelo trabalho de governar

Como dizem nos filmes, há boas e más notícias nas projeções para a economia brasileira nos próximos anos. As boas são suficientes, sem ambições irrealistas, para encher uma cesta de Natal. O crescimento econômico deve ficar entre 2,5% e 3% em 2018, superando de longe o desempenho – cerca de 1% de expansão – estimado para 2017. O quadro internacional continua benigno, com os principais mercados em recuperação e dinheiro ainda farto, apesar da elevação de juros iniciada nos Estados Unidos. A retomada se espalha, no Brasil, pelos segmentos da indústria. As contas externas estão sólidas e assim devem continuar, mesmo com o esperado aumento das importações, consequência saudável da reativação nacional. A inflação deve permanecer contida pelo menos até 2020, segundo as previsões do mercado e do Banco Central. O investimento produtivo, embora ainda muito baixo, está em recuperação, depois de quatro anos de queda, e deve seguir em alta. Se isso se confirmar, um ciclo de crescimento seguro estará praticamente garantido. Mas essas previsões, presentes em todos os cenários mais elaborados, são acompanhadas de uma ressalva: o fortalecimento econômico só será duradouro se houver avanço no ajuste das finanças púbicas – incluída a reforma da Previdência. Quem cuidará dessa condição?

Leandro Colon: 'Irmãos siameses', na ditadura, na cadeia

- Folha de S. Paulo

"Marin promete que será fiel a Maluf", informa o título da página 4 da Folha de 12 de maio de 1982, uma quarta-feira. Na véspera, José Maria Marin, então vice-governador de São Paulo, rasgara elogios a Paulo Maluf, o governador.

Dias depois, Maluf deixaria o cargo para disputar e conquistar vaga na Câmara dos Deputados. Marin o substituiria no governo até 1983.

Naquele maio de 82, a dupla do PDS trocou afagos públicos. Marin declarou sua "lealdade total e fidelidade a este grande estadista que é Paulo Maluf". Maluf soube retribuir à altura. Falou em "amizade e lealdade, integridade e competência".

"Não encontro um exemplo onde o governador e o vice tenham se dado como irmãos gêmeos, como irmãos siameses, como eu sempre me dei com José Maria Marin", disse.

Monica de Bolle*: A solidão da América Latina

- O Estado de S.Paulo

No Brasil, prevalece o embate Lula-Bolsonaro, com um centro pulverizado

Fim de ano é sempre época de escrever colunas e artigos sobre o que esperar para o próximo na política, na economia. É sempre tempo de dar algumas pinceladas nos desafios, aflições, dilemas e agruras. O ano de 2018 será marcado por algo quase sem precedentes na América Latina: cerca de 420 milhões de pessoas serão chamadas às urnas para escolher quem determinará o destino de seus países, dentre os quais estarão três das maiores economias da região – Brasil, México e Colômbia. Ao contemplar o destino incerto e nebuloso desses três países, é impossível escapar da sensação de que 2018 será o ano da política nos tempos da cólera nessa região que, apesar de avanços, solitária permanece. “Pátria imensa de homens alucinados”, assim definiu Gabriel García Márquez a América Latina em seu discurso, cujo título encabeça esse artigo, na entrega do Nobel de Literatura em 1982.

A violência física e econômica da desigualdade, a brutalidade da corrupção, temas de 1982 para García Márquez, temas de 2018 para os eleitores latino-americanos. Os eleitores latino-americanos, habitantes de região tão frequentemente esquecida, carente da atenção mundial, da consideração dos EUA, já que no centro das grandes batalhas geopolíticas não está, por maior que seja, hoje, a presença da China.

Solitários, desiludidos com seus governantes, enraivecidos uns com outros ante a polarização crescente que caracteriza tudo e todos, eleitores que representam quase 80% do PIB da região escolherão os próximos homens e mulheres que hão de compor seus governos no ano que vem. Tais decisões não estarão circunscritas às fronteiras de cada nação. Os novos governos e suas diretrizes econômicas fadados estão a influenciar o restante da América Latina e seus eternos conflitos.

Vinicius Mota: Gerações em guerra

- Folha de S. Paulo

"O espectro que agora assombra as nações ricas não é a guerra de classes, mas a guerra entre gerações". A frase é do historiador Robert Fogel (1926-2013), Nobel de economia, num sintético mas luminoso livro de 2004, "The Escape from Hunger and Premature Death" (a fuga da fome e da morte prematura).

O rasante que Fogel faz de 300 anos de transformação da máquina fisiológica do Homo sapiens impressiona. Apenas no século 20, a duração da aposentadoria nas nações ricas multiplicou-se por cinco; a parcela dos que vivem o suficiente para aposentar-se, por sete; a quantidade de tempo dedicado ao lazer para aqueles ainda na força de trabalho, por quatro.

Em 1880, cerca de 80% do tempo disponível de um trabalhador era dedicado a ganhar a vida. Em 2040, estima-se que praticamente essa mesma parcela estará livre para ele fazer o que bem entender.

As implicações para a chamada economia política serão soberbas. Dá vontade de rir dos debates contemporâneos sobre "defender as indústrias e os empregos locais", que inspiraram a reforma tributária nos EUA de Trumprecentemente.

Cida Damasco: Tocando em frente

- O Estado de S.Paulo

Desafiado a fazer previsões sobre o desempenho da economia, um grande amigo, jornalista experiente, costumava recorrer a uma tirada sarcástica: por via das dúvidas, melhor ser pessimista, porque na economia brasileira não dava certo ser otimista. E ele tinha lá suas razões: durante muito tempo essa “teoria” mostrou-se não apenas uma simples demonstração de humor ácido, mas uma dura realidade. Depois de um longo período em que a economia brasileira parecia finalmente “ter dado certo”, nos últimos anos a ironia voltou a fazer sentido.

Com 2018 virando a esquina – e como esse ano foi esperado! --, a pergunta que mais se ouve agora é: “Será que dá para ser otimista em relação a 2018?” A ideia, aqui, é abdicar de profecias irrealizáveis, apostas bombásticas e reunir uma lista de desejos para a economia brasileira no ano que vem. Alguns mais modestos, outros mais ambiciosos, mas no fundo todos na linha de “cumprir a vida, compreender a marcha e tocar em frente”, nas palavras da inspirada composição de Renato Teixeira e Almir Sater.

Para começar, vamos falar de crescimento. A maioria dos analistas espera que a atividade econômica continue sua marcha de recuperação, mesmo que em ritmo moderado, beneficiada pelo efeito da inflação anêmica sobre a renda dos trabalhadores e por alguns estímulos específicos ao consumo, embora ainda sem a cooperação decisiva dos investimentos – estes à espera dos novos rumos do País, a serem ditados pelos resultados da eleição presidencial. A expectativa do governo é de um crescimento do PIB mais perto de 3% -- o mercado financeiro, por enquanto mais cauteloso, crava em 2,6% --, combinado com uma melhora gradativa do emprego, concentrada em alguns setores e ainda sustentada pela informalidade. Com uma campanha eleitoral que não saia dos eixos e, portanto, sem grandes tremores políticos, é possível até esperar um quadro um pouco mais favorável, que contribua para distensionar a área social.

A miopia do nacionalismo: Editorial/O Globo

A estatal foi exaurida pela MP de Dilma, e não há outra alternativa para o setor receber investimentos

Segundo Millôr Fernandes, “quando uma ideologia fica bem velhinha, ela vem morar no Brasil”. Pois nos aproximamos da segunda década do século XXI e a visão do nacionalismo, mesmo num mundo globalizado, ainda atrai brasileiros, à esquerda e à direita.

Como certas ideologias são uma forma de religião sectária, não importa os estragos que o nacionalismo fez e faz no mundo, nos aspectos político e econômico. Trump e Putin são dois exemplares desta visão estreita e que, no extremo, costuma levar a catástrofes. Na economia, não basta o atraso que o Brasil demorou a superar no petróleo, e que começou a ser eliminado quando a Petrobras se abriu a contratos de exploração com empresas estrangeiras. Mas os religiosos continuam fieis.

A miopia nacionalista continua sem enxergar o que dizia Deng Xiao-Ping com sua frase: “Não importa a cor do gato, contanto que cace o rato”. Ele não escapou de ser uma vítima da Revolução Cultural, reação do maoismo a tentativas de abrir a China, mas sobreviveu para construir bases sobre as quais o país se modernizou no aspecto econômico, usando para isso instrumentos do capitalismo. Como resultado, a China se tornou a segunda economia do mundo. Tem um encontro marcado com a contradição de se modernizar, gerar milionários e uma enorme classe média, e continuar uma ditadura política de partido único. Mas esta é outra questão.

Bagunça nas delações: Editorial/O Estado de S. Paulo

Ao julgar a ação que discute a competência da Polícia Federal para fechar acordo de delação premiada, mais uma vez o Supremo Tribunal Federal (STF) teve de se deparar com a bagunça que, em junho deste ano, ele mesmo criou em torno da colaboração premiada, ao decidir sobre os limites da atuação do relator nesse tipo de acordo. Fica evidente que os equívocos judiciais, especialmente quando ocorrem na esfera da Suprema Corte, têm efeitos sistêmicos deletérios. No caso, a solução adotada em junho pelo STF tinha o objetivo de não desautorizar o ministro Edson Fachin na homologação do acordo de delação premiada da JBS. O problema é que, para supostamente salvar a face do ministro, a Corte seguiu um posicionamento contrário ao que dita a lei, o que, como era óbvio, só agravou o erro. Em vez de um ministro, agora é geral a imbricação numa interpretação parcial, que desequilibra o instituto da delação premiada.

Após a divulgação dos termos do acordo de delação premiada entre a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o pessoal da JBS, ficou claro que o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não havia seguido com muito rigor a lei. Entre outras questões, não lhe cabia conceder irrestrita imunidade penal aos delatores. No entanto, quando foi descoberto o deslize, o acordo de delação da JBS já havia sido homologado pelo ministro Edson Fachin. Naquele momento, o erro de Janot era também erro de Fachin, que não podia ter dado aval a essas condições acintosamente ilegais.

Personalismo frágil: Editorial/Folha de S. Paulo

Com julgamento em segunda instância marcado para o dia 24 de janeiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é a grande incógnita do pleito de 2018.

Caso sua candidatura venha a se inviabilizar numa eventual condenação, mostra-se por enquanto incerto o rumo eleitoral dos que se identificam com o petista.

A relativa carência de alternativas à esquerda na presente conjuntura se ilustra bem pelo fato de que, na pesquisa mais recente do Datafolha, um candidato associado a esse campo, Ciro Gomes (PDT), teria hoje apenas cerca de um terço dos votos de Lula, num cenário sem o ex-presidente.

Nessa ordem de especulações, sem dúvida prematuras, haveria entretanto a considerar que a enorme rejeição ao presidente Michel Temer (PMDB) abre possibilidades eleitorais consideráveis para quem quiser representar as forças que se opuseram ao impeachment.

Todavia, um aspecto relevante no atual clima eleitoral tende a relativizar tal raciocínio. Segundo Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha, e Alessandro Janoni, chefe de pesquisas do mesmo instituto, seria impreciso dizer que o eleitorado se divide entre os que apoiam e os que rejeitam o lulismo.

‘Existe uma avenida aberta para um outsider em 2018’, diz Paulo Hartung

Entrevista com Paulo Hartung, governador do Espírito Santo

Cotado para compor uma chapa presidencial como vice, governador diz que centro político não se estruturou para a eleição

Eduardo Kattah e Pedro Venceslau, enviados especiais/ O Estado de S. Paulo,24/12/2017

VITÓRIA - O governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), afirma que o centro político do País não se estruturou para a eleição presidencial do próximo ano e ainda há “uma avenida aberta para um outsider” em 2018. Ele define como centro político a centro esquerda – no qual se insere – mais os “liberais reformistas”. “Precisamos unir o centro da política”, afirmou em entrevista ao Estado.

Hartung, que cogita sair do PMDB, manteve conversas recentes com Luciano Huck e Joaquim Barbosa e diz que um nome de fora da política poderia representar esse campo. Ele afirma já estar “abraçado no projeto nacional” e é cotado para compor como vice uma chapa na sucessão presidencial. Leia os principais trechos da entrevista.

Qual será sua participação na política em 2018?

O ambiente no Brasil hoje é péssimo, e isso empurra a política para os extremos. Quem tem espaço num campo desse é bravateiro e vendedor de terreno na Lua. Minha torcida é para que o País acalme um pouco. Se o Brasil percorrer 2018 com esse ambiente péssimo, provavelmente as decisões serão movidas por ressentimento e raiva. Tem razão para a população estar ressentida? Claro que tem. Os americanos decidiram com o fígado e não estão satisfeitos com a decisão. Só que os americanos tem gordura para queimar, mas o Brasil não tem. O Brasil está literalmente pele e osso. Os americanos podem fazer uma aventura, nós não. Ou a gente acerta a mão em 2018, ou vamos flertar com o que há de pior na nossa vizinhança latino-americana.

Mas, e sua participação?

Os processos eleitorais estão sendo definidos em cima da hora. Temos de percorrer até junho ou parte de julho de 2018 para amadurecer decisões.

O sr. disse em meados deste ano que estava disposto a deixar o PMDB. Ainda está?

Estou observando o quadro como um todo para tomar decisões. Vou usar o tempo do prazo (legal). Esperava que o Congresso fizesse algumas mudanças na vida partidária e eleitoral do País. A impressão é que a sociedade está em uma direção e as instituições políticas do País em outra. Há um divórcio.

Caciques do Senado na mira da Lava Jato terão reeleição difícil

Talita Fernandes / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Com o encerramento dos mandatos de dois terços dos senadores, os principais caciques do Senado vão às urnas em 2018 em um cenário adverso: terão de explicar ao eleitor as acusações das quais são alvo, propor saídas para a crise política e enfrentar menor disponibilidade de recursos para financiamento de suas campanhas.

Dos 54 senadores cujos mandatos chegam ao fim, 21 respondem a investigações no STF em ações da Lava Jato ou desdobramentos.

Neste quadro, estão nomes de destaque na Casa como Renan Calheiros (MDB-AL), Romero Jucá (MDB-RR), Aécio Neves (PSDB-MG) e o presidente Eunício Oliveira (MDB-CE). Será a primeira eleição geral após o STF ter proibido o financiamento empresarial, em 2015, e depois de a classe política ter sido atingida pela Lava Jato.

Segundo colocado na corrida presidencial em 2014, Aécio agora enfrenta dificuldades para firmar sua candidatura à reeleição.

O mineiro enfrentou forte desgaste em 2017 após ter sido gravado pelo empresário e delator Joesley Batista. Foi denunciado pelos crimes de obstrução de Justiça e corrupção passiva e afastado duas vezes do mandato pela Justiça.

Por meio de sua assessoria, o tucano não confirmou se disputará uma vaga no Senado, mas disse que, na avaliação de seu grupo político, "uma candidatura majoritária é o melhor caminho para que o senador possa responder às acusações de que é alvo e repor a verdade".

DISTÂNCIA
Réu no STF por crime de peculato e alvo de inquéritos na Lava Jato, Renan passou a cuidar de sua reeleição desde o início de 2017. Ele se distanciou de Michel Temer e passou a fazer oposição a medidas como as reformas trabalhista e da Previdência.

Além disso, intensificou as agendas no interior de Alagoas ao lado do governador, Renan Filho (MDB).

Com ideais conservadores, bancada católica ocupa posições estratégicas na Câmara

Anna Virginia Balloussier / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A bancada evangélica pode até ser mais pop, mas a católica não fica muito atrás quando o assunto é conservadorismo no Congresso. E um bate-boca durante audiência pública em outubro, na Câmara, ilustra bem o protagonismo no front pró-família desse grupo que conta com dezenas de deputados e o respaldo da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

O presidente da frente, Givaldo Carimbão, evocou sua fé ao esbravejar contra "obras de arte do diabo". Fustigou o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, convidado para discutir exposições beneficiadas por incentivo fiscal e acusadas de pedofilia, zoofilia e toda a sorte de ofensa religiosa.

"Macaco nos peitos de Nossa Senhora, um homem urina na cabeça de Jesus e Maria...", elencou o deputado do Partido Humanista da Solidariedade de Alagoas. "O que o sr. ministro acharia se tal 'arte' ultrajasse aquela que o deu à luz?

"Tenho duas mães, me respeite. Maria de Deus [a do ventre] e Maria Santíssima. Eu queria que fosse com a mãe dele. Mija na cabeça dela. Queria pegar a mãe do ministro e colocar com as pernas abertas", declarou o deputado.

Com dedo em riste, Leitão se levantou da cadeira e acusou o parlamentar de "ofender minha falecida mãe". Lidava com o congressista que propõe um projeto de lei para estipular até 30 anos de prisão, "sem direito a progressão de pena", a quem se envolver com mostras como a gaúcha "Queermuseu", de onde saíram parte das "obras do diabo" que aviltaram religiosos.

De braços dados com os "companheiros evangélicos", a bancada católica quer propulsionar uma linha de resistência a causas progressistas, como aborto, eutanásia, casamento de homossexual e arte com símbolos sagrados, disse à Folha seu presidente.

Chegam a 40 os deputados atuantes na bancada (metade do quorum evangélico), segundo Carimbão. Alguns estão em lugares estratégicos na Casa.

Flavinho (PSB-SP) comanda a oposição a discussões sobre ideologia de gênero e orientação sexual nas escolas. Há dois meses, Diego Garcia (PHS-PR) substituiu um colega evangélico na liderança da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família.

Eros Biondini (Pros-MG) chefia outra frente, em prol de comunidades terapêuticas para dependentes químicos, campo dominado por instituições religiosas.

Assim como evangélicos têm seu culto semanal num dos plenários da Câmara, os católicos fazem um grupo de oração nas manhãs de quarta-feira –por vezes animado pelo violão do deputado-cantor Eros Biondini, de músicas como "Quem Está Feliz Diga Eu" ("Com solo de guitarra/E a batera no ritmo de Deus").

BANCADA DA BÍBLIA
Para Carimbão, a aliança com os "irmãos cristãos" é benquista, ainda que católicos percam espaço para o segmento (nos anos 1970 superavam 90% da população brasileira; hoje são metade). "É melhor abrir uma igreja evangélica do que um cabaré, como se diz no Nordeste."

Eleição não terá 3 dos mais votados

Com três dos cinco deputados federais mais votados no Rio em 2014 — Jair Bolsonaro (PSC), Eduardo Cunha (PMDB) e Chico Alencar (PSOL) — fora da campanha pela reeleição, estado terá disputa por 891 mil votos “sem dono” em 2018.

Disputa em aberto

Dos cinco deputados federais mais votados do Rio, três não vão disputar a reeleição

Miguel Caballero / O Globo

Se 2018 começará com grande indefinição na eleição para presidente da República, dada a dúvida se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá concorrer, e para governador do Rio, na qual não há ainda nomes confirmados que possam ser apontados como favoritos, a disputa para a bancada federal fluminense na Câmara também se dará em circunstâncias que aprofundam as incertezas. Ao menos um prognóstico é garantido: haverá mudanças na lista de deputados mais votados no estado.

É impossível que o resultado de 2014 se repita. Dos cinco candidatos mais votados naquele ano, três deles, que somaram nada menos do que 891 mil votos, não estarão novamente no páreo: Jair Bolsonaro (PSC, primeiro lugar, com 464 mil votos), Eduardo Cunha (PMDB, terceiro, com 232 mil votos) e Chico Alencar (PSOL, quarto, com 195 mil votos), por motivos diferentes, não tentarão a reeleição.

DESTINO DOS VOTOS
Bolsonaro é pré-candidato a presidente da República; Eduardo Cunha está preso em Curitiba, condenado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas na Lava-Jato; e Chico Alencar tentará uma vaga no Senado. Esse contingente de votos deve ser herdado por aliados, dispersado entre novos nomes ou, em grande parte, ficar sem dono.

Os outros dois deputados que completam a lista dos cinco mais votados no Rio vivem situação peculiar. A atual secretária municipal de Desenvolvimento do Rio, Clarissa Garotinho (PR, segunda colocada, 335 mil votos), viu o pai, o ex-governador Anthony Garotinho, ser preso duas vezes no último ano. E o ministro do Esporte, Leonardo Picciani (PMDB, quinto lugar em 2014, com 180 mil votos), carrega o sobrenome do pai, o presidente afastado da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, atualmente preso na cadeia pública José Frederico Marques, em Benfica, em decorrência de investigações da Lava-Jato.

A crise econômica do país, ainda mais profunda no Rio, a deterioração do PMDB no estado e a repercussão da Lava-Jato, com a prisão das principais lideranças políticas fluminenses, tornam o pleito para o Legislativo de difícil previsão.

O ponto comum entre especialistas é o prognóstico de um índice recorde de “não voto” (brancos ou nulos).

Frente Favela Brasil quer lançar candidatos pela Rede, PDT e PSB

Movimento colhe assinaturas para obter registro partidário

Fernanda Krakovics / O Globo

Em fase de coleta de assinaturas para a obtenção do registro partidário, a Frente Favela Brasil (Frente) negocia com a Rede, o PDT e o PSB a filiação de seus integrantes, que conservariam a plataforma do movimento, para disputar as eleições do ano que vem.

— Decidimos criar um partido porque existe um modelo de exclusão. Precisamos estar nos espaços de poder. A gente não quer mais que ninguém organize a gente, queremos falar por nós mesmos. A pauta que nos une é a discriminação de todos nós — diz Celso Athayde, coordenador da Central Única das Favelas (Cufa) e um dos idealizadores da Frente.

Ele ressalta que o partido não é restrito a negros, embora seja focado neles:

— É um partido de moradores de favela que tenham qualquer cor. Obviamente que os brancos não vão ter prioridade nem protagonismo, porque somos maioria também na favela.

Entre os nomes que o novo partido pretende lançar está o do rapper Rappin´Hood para o Senado por São Paulo. No Rio, a frente tenta convencer o rapper MV Bill a sair também para senador. Se ele não aceitar, a rapper Nega Gizza disputará o cargo. O plano da Frente é ter ainda 40 candidatos para deputados estaduais e federais em todos os estados do país.

Para evitar divisões internas, a Frente apresentou um programa partidário genérico:

Painel/Folha: Para compensar corte, ministro tenta liberar R$ 3 bi em restos a pagar para o Minha Casa, Minha Vida

Cheque pré-datado Para compensar o corte de R$ 1,2 bilhão no orçamento do Minha Casa, Minha Vida em 2018, o ministro das Cidades, Alexandre Baldy, negocia com o Planejamento a liberação de R$ 3 bilhões como restos a pagar. A ideia é que o valor fique disponível ainda esta semana e garanta a continuidade das obras em 150 mil imóveis para pessoas de baixa renda. A negociação tem um componente eleitoral: o governo vai trabalhar no próximo ano na ampliação dos programas sociais.

Volto já Baldy, que assumiu o Ministério das Cidades em novembro, avisou a aliados que será candidato em 2018 e deve deixar a pasta até o final de março. Ele trabalha com um cronograma intensivo de inaugurações e projetos de curto prazo.

Mãozinha A descoberta de petróleo em seu território fez a Guiana propor ao Brasil um acordo de cooperação e facilitação de investimentos em petróleo e gás.

Vem que tem Estima-se que, em 2020, o país produza 100 mil barris por dia e, em 2022, o dobro. O Brasil foi procurado para ser o parceiro externo na exploração.

Boca fechada Daniel Bialski, advogado de Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, rechaça especulações de que seu cliente pense em delação premiada.“Vários já provaram que as acusações eram falsas. Paulo será mais um. Ele não propôs e não tem motivo para fazer delação”, diz.

Timing Pessoas próximas ao empresário Adir Assad, apontado como o operador que ajudou a desviar recursos de obras paulistas para o caixa dois das empreiteiras e para Paulo Preto, não acreditam que a ressurreição do escândalo do cartel em São Paulo possa dar novo fôlego à sua tentativa de fechar delação.

Timing 2 Preso em outubro de 2016, Assad decidiu colaborar com a Lava Jato no início de 2017, mas sentiu que o interesse dos procuradores esfriou, especialmente depois das revelações feitas pela Odebrecht.

Antecedentes O juiz Glaucenir Silva de Oliveira, apontado como autor de um áudio com ataques ao ministro Gilmar Mendes, foi parar numa delegacia de Campos dos Goytacazes em 2013, acusado de agredir uma guarda de trânsito que o multou por não usar cinto de segurança.

Antecedentes 2 De acordo com a imprensa local, uma testemunha afirmou que o juiz botou o “dedo na cara” da agente e a xingou. O magistrado ainda teria avisado que estava armado. A oficial confirmou a agressão e disse que Glaucenir chegou a segurá-la pela farda.

Justa causa O juiz afirmou que estava sem cinto porque, alvo de ameaças, precisava ter mobilidade para se defender caso sofresse um ataque no trânsito. Ele apresentou queixa contra a guarda por desacato.

Tudo planejado Auxiliares do ministro Henrique Meirelles (Fazenda) trabalham para burilar o discurso que ele usará para rebater eventuais críticas por ter atuado no governo Lula.

Esse cara sou eu Meirelles foi aconselhado a dizer que pilotou a economia em uma das fases mais auspiciosas do país e que, quando saiu, tudo desandou.

Roupa nova O PT articula para o dia 13 de janeiro, um sábado, a transformação das sedes do partido em comitês de defesa da candidatura de Lula. A ideia é promover atos em todos os Estados do país.

Procura-se Após o rompimento com Antonio Palocci, o PT busca novos nomes para investir em Ribeirão Preto, cidade que ele administrou por dois mandatos. A aposta é o professor de direito Gustavo Assed, ex-presidente do Botafogo na cidade.

Pelas beiradas O cartola deve ser candidato a deputado estadual pelo partido.

Coluna do Estadão: Supremo decidirá idade para ensino fundamental

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, liberou no último dia 21 para julgamento uma ação que pode pôr fim à polêmica sobre a idade mínima para o ingresso de crianças no ensino fundamental. O governo de Mato Grosso do Sul acionou o STF com o objetivo de determinar que as crianças tenham 6 anos completos para serem admitidas no primeiro ano do ensino. Tribunais de Justiça de todo o País têm permitido a matrícula de crianças que ainda não chegaram a essa idade. Caberá ao STF dar a palavra final sobre o tema.2

» Janela escolar. Uma resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) estabeleceu que, para ingressar no ensino fundamental, a criança deverá ter completado 6 anos até o dia 31 de março do ano em que a matrícula for efetuada. Mesmo assim juízes ignoram.

» Discussão. O julgamento sobre o tema no Supremo foi iniciado em setembro de 2017. O relator, Edson Fachin, entendeu que não é possível fixar como exigência uma data ao longo do ano letivo para a criança completar 6 anos.

» Reprovado. O conselheiro Aléssio Costa Lima, do CNE, vê com preocupação o voto de Fachin. “Podemos chegar em um extremo de uma criança que vai completar 6 anos só em 31 de dezembro frequentar a mesma classe de alunos que já têm 6 anos”, diz.

» Suspense. A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, definirá a data de retomada do julgamento.

» Bora, Temer. Dirigentes do PMDB estabeleceram uma meta para decidir se o presidente Temer disputa a reeleição em 2018. Ele precisa alcançar 10% de bom e ótimo e 20% de regular até meados de 2018.

» Meio cheio. Pesquisas qualitativas mostram que o presidente tem boa capacidade de recuperação da imagem. Diante da baixa popularidade dele, o partido vê aprovação até no regular.

» Na manga. O plano B da cúpula peemedebista é o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD). O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), não é tido como candidato natural da aliança.

» Mortos-vivos. O pente-fino do Ministério do Desenvolvimento Social, em parceria com peritos do INSS, no pagamento do auxílio-doença levou ao cancelamento de 226.273 benefícios que estavam sendo irregularmente concedidos. Havia casos até de mortos recebendo o benefício.

» Caixa. A economia com a fiscalização chegou a R$ 3,2 bilhões. O ministro Osmar Terra deixa o cargo até abril para disputar a reeleição para a Câmara.

» Espírito natalino. Crítico contundente de Temer, o senador Renan Calheiros passou um jantar inteiro na semana passada falando mal do presidente, mas já no finalzinho da noite admitiu que via qualidades nele.

» Sonho meu. Luislinda Valois não quer sair de Direitos Humanos de jeito nenhum. A insistência dela em permanecer — tendo até se desfiliado do PSDB — causa constrangimento no Planalto. A avaliação do desempenho da ministra, ali, não é nada boa.

O legado de Chaplin

Nos 40 anos de morte de Charles Chaplin, humoristas brasileiros falam sobre sua herança

Luiz Carlos Merten / O Estado de S.Paulo

Completam-se, neste Natal, 40 anos da morte de Charles Chaplin. Ele morreu em 25 de dezembro de 1977 e, quase sem exceção, todos os obituários destacaram a importância da data. Claro, ninguém escolhe o dia em que vai morrer, mas faz todo sentido que Chaplin, criador de um personagem imortal - Carlitos -, tenha se despedido justamente no dia em que a cristandade festeja o nascimento de Jesus Cristo. Jesus é amor, proclamam os cristãos. Seu nascimento é signo de esperança - o Messias que os judeus não reconhecem e ainda esperam.

Carlitos tinha/tem tudo a ver com esse espírito de humanidade e fraternidade. Vagabundo, sapatos rotos, chapéu e bengala, ele se equilibra sobre os próprios passos, sempre enfrentando o poder, em todas as suas formas. O policial, o capitalista são seus arqui-inimigos. Sem um níquel, Carlitos comeu os cadarços do seu sapato, como se fossem fios de espaguete, para matar a fome (Em Busca do Ouro), protegeu o menino órfão (O Garoto), devolveu a visão à garota cega (Luzes da Cidade), enfrentou a automação (dos Tempos Modernos) etc. Chaplin, agora não é mais Carlitos, foi um dos construtores da linguagem, fazendo avançar as técnicas de narração cinematográfica. A questão é: na lembrança desses 40 anos, qual é o legado de Chaplin?

Ingrid Guimarães, uma das atrizes mais conhecidas de cinema e TV do Brasil, recordista de público com sua série De Pernas pro Ar - na quinta, 28, ela estreia Fala Sério, Mãe -, o tem em altíssima conta. “Chaplin é a minha maior referência de humor. Sou louca por ele. Tenho todos os seus filmes. Essa mistura poética entre humor e emoção é tudo o que almejo. Esse vagabundo desastrado, genial, atemporal. Meu favorito é O Garoto. Choro todas as vezes em que eles se reencontram.” Na contracorrente, Fábio Porchat, igualmente conhecido do cinema, TV e internet, emite uma opinião que pode ser polêmica. “O humor pode ser cruel, porque envelhece muito rápido, e o Chaplin envelheceu. Não creio que o jovem de hoje tenha o mesmo interesse por ele. É importante, a resistência dele em O Grande Ditador, o discurso final, mas é meio peça de museu. Representa outra época.”

E Renato Aragão, o Didi, a alma dos Trapalhões? “(Chaplin) É uma das minhas maiores referências, ao lado de Oscarito e Carmem Miranda. Com ele, passei a olhar a melhor maneira de se usar o corpo com graça, mas sem exagero. E poucos conseguem fazer chorar da mesma forma, com o mesmo gestual.” Jarbas Homem de Mello, que estudou muito a obra e a vida de Chaplin para fazer o musical de 2015, reflete: “Ele foi um gênio do seu tempo, porque encontrou sua arte num momento oportuno, quando o cinema estava se criando. A partir daí, Chaplin foi fundo, ao colocar em seu personagem, Carlitos, todas as nuances do ser humano e deixando para os artistas que viriam depois um legado - saber como desvendar e colocar em sua interpretação o lado bom e o lado mau”.

Jarbas toca num ponto essencial - o artista e seu tempo. Charles Spencer Chaplin nasceu em Londres, em 16 de abril de 1889. Os pais eram artistas de music-hall e se separaram quando ele tinha 3 anos. O pai era alcoólatra e morreu de cirrose quando Chaplin tinha 12 anos. Foi enterrado numa vala comum. A mãe era cantora, mas sofria de problemas mentais. Teve diversas internações. Numa delas, uma infecção de laringe impediu-a de cantar. Foi o fim. Face a tanta adversidade, o pequeno Chaplin foi guerreiro. Perseverou. De 1910 a 12, participou de uma primeira turnê pela América, integrando a trupe de Fred Karno. Regressou à Inglaterra e, de novo em 1912, e outra vez com Karno, voltou aos EUA. Da trupe, participava um certo Arthur Stanley Jefferson, que mais tarde ficou famoso como Stan Laurel, formando dupla com Oliver Hardy - O Gordo e o Magro. Em 1913, Mack Sennett impressionou-se com o número de Chaplin e o contratou para sua companhia, a Keystone. Foi um desastre, e o próprio Chaplin convenceu-se de que não levava jeito para o cinema. Salvou-o Mabel Normand, que não apenas percebeu o potencial do jovem Charles, como convenceu Sennett a dar-lhe outra chance.

Fernando Pessoa: Natal na Província

Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!

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Fernando Pessoa, in 'Poesias'