domingo, 28 de janeiro de 2018

A ficha de Lula: Editorial/Folha de S. Paulo

Com estreita margem para recursos em instância superior, a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a mais de 12 anos de cadeia impõe sobre o ambiente político uma variável cuja importância, neste momento, não se pode aquilatar com precisão.

Parece plausível que, mesmo após o veredito unânime do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, boa parte dos cidadãos dispostos a reconduzir Lula ao Planalto não se incline a desistir do voto —enquanto o próprio petista, em aparência ao menos, mantém-se empenhado na candidatura.

A persistir essa situação, configuram-se óbvias tensões. A Lei da Ficha Limpa, de 2010, veta, como é sabido, o registro eleitoral de condenados em segunda instância.

É de presumir que não poucos, entre os próprios entusiastas do lulismo, tenham visto nesse dispositivo um instrumento de moralização da vida pública.

Ou porque acreditem ainda na inocência do líder, ou porque esperavam da Ficha Limpa eficácia exclusiva contra seus adversários, o fato é que dificilmente estariam prontos a aceitar, agora, que seja aplicada contra o ex-presidente.

Num outro paradoxo, as decisões do Supremo Tribunal Federal preconizando a prisão imediata dos condenados em segunda instância obtiveram forte apoio da opinião pública. Voltam-se, agora, contra um político a quem se pode acusar com justiça de muita coisa —mas não de ser impopular.

Pode-se imaginar, com razoável certeza, que o conjunto da população não se divide de modo estanque entre os que defendem a Lava Jato e aqueles que, mesmo com Lula condenado, mantêm a intenção de votar nele.

A aura que ainda faz do petista um "pai dos pobres" decerto compartilha, em algumas consciências, o espaço ocupado pela concepção de que são insuficientes, até, as penas aplicadas aos corruptos.

Claro que o desenvolvimento das pesquisas de opinião e da própria campanha eleitoral talvez venha a dissolver contradições como essas; de uma perspectiva mais ampla, não há como deixar de observar um distanciamento entre a moralidade pública e a política.

Dá-se como esperado que o envolvimento em escândalos produza efeitos devastadores sobre as pretensões de candidatos a cargos eletivos. Mesmo figuras como Paulo Maluf e Fernando Collor, que mantiveram votos suficientes para chegar ao Legislativo federal, deixaram de ser postulantes competitivos à Presidência.

Com Lula, a condenação e a perspectiva de vitória convivem por ora. Moral e política, corrupção e popularidade seguem em paralelo, ao menos provisoriamente. Ainda que persista o quadro, todavia, nada indica tratar-se de algo com que as instituições republicanas não estejam aptas a lidar.

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