segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Angela Bittencourt: 2018: Lula, Previdência e 'nova' regra de ouro

- Valor Econômico

Ativos brasileiros vão bem, mas no pacote emergente

Comemoração antecipada dá azar. Essa crença é forte no Brasil, onde o mercado financeiro já está em contagem regressiva para 2018. Desta vez, Iemanjá não participa. O marcador do ano, que chega em dezesseis dias, em 24 de janeiro, é o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre (RS). Lula foi condenado, em primeira instância, a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex do Guarujá. Se a condenação for confirmada pelo TRF-4, Corte de segunda instância, Lula pode ser impedido de concorrer às eleições de 2018. Para o mercado financeiro, esse é o primeiro evento prático da corrida eleitoral que culminará nas urnas em outubro. Para os brasileiros, essa pode vir a ser a apoteose da Lava-Jato.

"O julgamento de Lula é hoje o evento nacional mais relevante para o mercado. Em seguida vem o placar da decisão, porque ela nos dará a probabilidade de Lula ser ou não candidato a presidente. O resultado que sair do TRF-4 dará a partida para os arranjos políticos das candidaturas. A partir daí veremos se, nesta eleição presidencial, serão respeitados padrões históricos de distribuição de tempo de TV e de que forma serão contabilizadas as participações por mídia social. Alguns candidatos terão baixíssima presença na TV, mas vão explodir nas redes sociais", diz um executivo do mercado.

"O máximo que escutamos de consultores políticos competentes é que a mídia social será muito importante nesta eleição. Mas o quanto será importante e como será trabalhada, pouco se sabe sobre isso no Brasil."


Esse profissional, que pede à coluna para manter seu anonimato, reconhece que o Brasil, neste momento, está mais frágil em função de pendências que o atual governo tem a administrar e por tropeços em interesses eleitorais que contaminam importantes decisões. Contudo, explica, a dinâmica dos ativos brasileiros segue positiva sob todas as métricas.

"O real valoriza cerca de 2,5%, a parte intermediária dos juros está abaixo do que deveria estar, o Ibovespa marca recorde sobre recorde. Resta saber se as razões para esse comportamento são internas ou externas para avaliar o risco de o mercado subitamente mudar e entendo que o bom desempenho dos mercados brasileiros se deve a razões externas. O Brasil está seguindo um padrão que se repete entre emergentes e grandes mercados. Por ora, todos vão juntos", diz.

O executivo acrescenta, porém, que, "em algum momento, mais cedo do que mais tarde, os investidores buscarão as diferenças entre os países. E será preciso ter claro em que pé está o Brasil em um ano de eleição. Ibovespa a 79 mil pontos e curva de juro longa versus juro curto têm grande barganha em comparação a outros mercados? Ainda é possível ter retorno no Brasil? Talvez não".

A economia brasileira está ajustada o necessário para garantir ganhos futuros? O que temos até a eleição? E depois dela? Daí a importância de 24 de janeiro. Lula dentro ou Lula fora do pleito resultará em cenários eleitorais diferentes. Em diferentes fiadores para investimentos no Brasil. E isso não quer dizer que não haverá investimento. O fluxo financeiro da conta cambial do Brasil tem sido negativo. Contudo, o ingresso de investimento direto acusa importante estabilidade, explica o executivo de mercado a quem chamou negativa atenção, porém, a disposição do governo de mexer na "regra de ouro" das contas públicas.

"Quebrar a 'regra de ouro' mostra que há razões para preocupação, inclusive, porque no mercado não há prêmio como há um ano, o que torna o investidor local bem mais reservado. O estrangeiro, bem menos. Mas isso tem uma explicação. O Brasil é visto como parte do pacote de emergentes. E, nesse pacote estamos bem", diz o interlocutor da coluna.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do banco Fator, anima-se com o comportamento da inflação e dos juros no Brasil. Vê na política monetária uma gestão de sucesso. Em conversa com a coluna indicou que atividade e inflação produzem bons resultados. Mas se mostra ressabiado com novidades nas contas públicas.

Em relatório distribuído a clientes na sexta-feira, o economista chama atenção para as perspectivas "não tão brilhantes" para a política fiscal em 2018. Ele explica que a arrecadação corrente teve alguma recuperação com a melhora da atividade e que a queda da Selic tem reduzido expressivamente a despesa do governo com juros. Se o teto de gastos for atendido, o cumprimento da meta de déficit fica razoavelmente possível. Apesar de a inflação baixa não ajudar muito na "tributação" implícita na regra do teto.

Quanto à restrição à "regra de ouro", diz o economista do Fator, tal regra condiciona o endividamento do Tesouro ao financiamento de investimentos. Logo, a necessidade de cortar investimentos para cumprir as duas outras restrições faz ficar difícil investir para justificar novo endividamento. Em mais um movimento de "ajuste" à realidade, o governo começa o ano com outra PEC, a que propõe mecanismos para compatibilizar a "regra de ouro" com a realidade, e não vice-versa.

Gonçalves pondera que a regra constitucional parece ingênua ao ignorar a relevância de mecanismos contracíclicos absolutamente aceitos no ajuste das contas públicas e da atividade ao longo das oscilações. "É o que temos. Além da data do julgamento de Lula em janeiro e da votação da Previdência em fevereiro, teremos outra PEC no Congresso, dois turnos em cada casa, com as respectivas comissões. Imagine-se o que farão as agências de rating. São dois eventos, Previdência e 'regra de ouro', que definirão fortemente as expectativas em relação à política fiscal. Difícil que alguma se manifeste antes de fevereiro; mas depois, com a 'PEC da regra' voando, fica difícil."

O economista do Fator diz mais: "Se o dinheiro do BNDES para fechar as contas em 2018 parece razoavelmente combinado, a 'capitalização' da Caixa em R$ 15 bilhões com recursos do FGTS, e não do Tesouro, seu único acionista, deixa certo incômodo. É feito com aumento de capital alheio que não é uma exigibilidade, um direito de algum investidor que não foi consultado", conclui.

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