sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

César Felício: O choque é inevitável

- Valor Econômico

Impacto de "fake news" no processo eleitoral será grande

Preparem-se para o impacto. Há pouco a fazer para impedir que notícias falsas tenham papel central no processo eleitoral brasileiro. O embuste e a calúnia sempre tiveram protagonismo aqui e no exterior, mas não havia a internet e aplicativos de mensagens para aumentar a repercussão do jogo sujo.

Já em 1945, no tempo do rádio a válvula, a eleição foi influenciada por uma clássica "fake news": ao contrário do que se tornou lenda, o brigadeiro Eduardo Gomes (UDN) nunca disse que não precisava do voto dos marmiteiros. Fez uma declaração de que não queria os votos "daquela malta", se referindo a apoiadores do marechal Eurico Dutra (PSD). Um apoiador de Dutra, o empresário Hugo Borghi, distorceu a fala do brigadeiro e propagou a calúnia.

No cenário atual, há uma democracia com mais de cem milhões de eleitores que vivenciam um ambiente em que o descrédito das instituições atingiu recordes internacionais. Metade desse contingente se informa preferencialmente por redes sociais e três em cada cinco cidadãos contam com acesso particular à internet.

Os exércitos de seguidores de alguns candidatos no Facebook e Twitter têm algumas divisões compostas por robôs, quando postagens são geradas por algoritmos; ou por ciborgues, quando um operador humano administra diversos perfis falsos. Na eleição de 2014, conforme levantamento feito pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp) da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, robôs chegaram a motivar 11% das discussões no Twitter. Em 2015, com o crescimento do debate sobre o impeachment, 21,4% das intervenções de apoiadores de Dilma Rousseff eram impulsionadas por contas automatizadas. Nas eleições municipais em São Paulo de 2016 os robôs tracionavam 11,25% do debate pró-Doria; 11,54% das interações pró-Haddad e 8,4% do exército pró-Russomanno.

A influência do dispositivo virtual no cenário das eleições parece considerável e a curva de Bolsonaro nas pesquisas é um indicador. Em um ano, saiu de um patamar próximo a 10% para ir a um de 20%. Com uma rede de apoios políticos completamente pífia, sua fortaleza está no Facebook. Segundo levantamento da consultoria SocialBakers, entre janeiro e novembro do ano passado Bolsonaro teve 7,4 milhões de interações na rede social, equivalente a impressionantes 53% do total que engloba também os resultados de Lula, João Doria, Alckmin, Fernando Haddad, Marina Silva, Ciro e Aécio.

"As empresas, as instituições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estão estudando formas de coibir as 'fake news', e as há, mas a velocidade de propagação deste noticiário falso é tão alta que o potencial dano que podem causar no debate eleitoral ainda está subestimado", afirmou o cientista político Marco Aurélio Ruediger, diretor do Dapp e integrante do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições criado pelo TSE.

A lei pode alcançar a 'fake news', mas não está claro como poderá cercear a atuação de robôs e ciborgues. É possível constituir redes na sociedade para mecanismos de conferência de dados, mas não é tão fácil usar as ferramentas que permitem distinguir o que provém das fábricas de robôs que estão ativas na Ucrânia e na Índia, abastecendo o debate virtual no Brasil. "O fato é que não há uma proposta pronta para minimizar os danos na eleição deste ano", comentou Ruediger.

O trabalho do Dapp estava voltado para o Twitter, mas a automação dos perfis do Facebook é um fato, já detectado pela própria empresa. Para Ruediger, a imprensa tradicional terá papel fundamental na propagação de ferramentas que permitam ao leitor criar seus próprios filtros do que é confiável ou não na internet, mas a depuração da rede é impossível.

O desafio de manter o debate eleitoral dentro do campo do real é maior ainda quando se olha o WhatsApp. Um estudo do cientista social Mauricio Moura, do Ideia Big Data, que atuou nas campanhas eleitorais de 2014, comprovou a eficácia da disseminação de vídeos e mensagens políticas neste ambiente, sobretudo junto ao público jovem. Um em cada três brasileiros tinha acesso a smartphones em 2014. Um em cada cinco brasileiros era usuário do WhatsApp. Eram 45 milhões de inscritos, uma Argentina inteira. De lá para cá, o uso de aplicativos de mensagens como o WhatsApp só fez aumentar.

Dilma mandou uma mensagem para 35 milhões de usuários do WhatsApp no último dia de campanha. Ao longo da corrida eleitoral, o PSDB produziu 33 peças publicitárias de WhatsApp em favor de Aécio Neves.

Mauricio Moura monitorou dois grupos de estudo. Um contingente de jovens entre 16 anos e 17 anos que receberam mensagens políticas de WhatsApp e outro na mesma faixa etária que não recebeu. O voto nesta faixa, bom lembrar, é facultativo e o engajamento costuma ser baixo. As mensagens foram enviadas em nome de candidatos do PT, PSDB e PMDB. No Rio de Janeiro, 89% dos jovens que receberam a mensagem compareceram para votar. Dos que não receberam, 12% foram às urnas. Em Santa Catarina, 58% dos que foram contactados votaram, ante 14% que ficaram sem a mensagem e permaneceram em casa.

Como as mensagens de WhatsApp são criptografadas, monitorá-las externamente é tarefa impossível. O achado de Moura é um indicativo de que a influência da ferramenta é tão significativa quanto seria destacar equipes de cabos eleitorais para bater de porta em porta nas casas de eleitores e exortá-los a votar. Também foram monitorados grupos em que eleitores na faixa facultativa de voto receberam a visita de militantes e os que não receberam. Os resultados foram similares aos obtidos entre os usuários de WhatsApp. Malas diretas por spam e chamadas de telemarketing não produziram resultado algum na faixa dos eleitores adolescentes.

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