quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Cora Ronai: Feito pessoas comuns

- O Globo

Ontem, manifestantes pró-Lula fecharam estradas em São Paulo, ocuparam Porto Alegre, fizeram comícios. Todos diziam lutar “pela democracia”, o que prova que mesmo as palavras mais claras e inequívocas podem ter o seu significado distorcido ao sabor das conveniências. A verdade é que ontem a democracia saiu fortalecida do tribunal onde, pela primeira vez na História deste país, um ex-presidente da República viu confirmada a sua condenação por atos de corrupção. Por mais que a defesa e o PT tenham politizado o julgamento, por mais que intelectuais e políticos estrangeiros participem de abaixo-assinados a favor de Lula, o fato é que ele foi condenado pela falta de lisura da sua relação com o famigerado tríplex, um crime sem qualquer tintura — ou grandeza — ideológica.

Lula não foi condenado por ser Santo Lula, o representante máximo dos despossuídos; foi condenado porque continuou com as práticas pouco democráticas que se repetem no Brasil desde os tempos coloniais, práticas que ele tanto atacou antes de chegar ao poder.

É essencial para o bom funcionamento de uma democracia que todos sejam iguais perante a lei, assim como é essencial que todos os funcionários públicos, do mais humilde ao mais graduado, percebam que servem aos cidadãos que pagam os seus salários, e não a si mesmos, a seus amigos ou correligionários. Lula, cuja vida prática sempre esteve envolta em mistérios e incongruências, de apartamentos e jatinhos emprestados a sítios suspeitos e familiares que enriqueceram do nada, se esqueceu completamente disso, se é que algum dia soube.

Não é o único, nem a sua eventual prisão vai, sozinha, endireitar o país. Há muita gente solta que já devia estar presa há tempos, e há, ainda, a excrescência que é o foro privilegiado, que de ferramenta de proteção contra o autoritarismo se transformou em garantia de bandidos. Mas a decisão do TRF-4 aponta para um futuro melhor, para um Brasil sem cabeças coroadas, onde os poderosos responderão pelos seus atos como todos nós, mortais comuns, respondemos — ou deveríamos responder.

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