sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Luiz Carlos Azedo: O conjunto da obra

- Correio Braziliense

O ex-presidente Luiz Inácio da Silva foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, por causa de um sonho de consumo familiar: o tríplex de Guarujá. Pode ser que ainda sofra nova condenação por desejo da mesma ordem, no caso do sítio de Atibaia, que ainda está em curso na 13ª Vara Federal de Curitiba, cujo titular é o juiz federal Sérgio Moro. Suas ambições pequeno-burguesas acabaram desaguando em processos de natureza criminal. Para evitar a prisão, que considera injusta, Lula resolveu politizar seu julgamento e manter a qualquer custo uma candidatura natimorta à Presidência. A rigor, não poderá concorrer por causa da Lei da Ficha Limpa.

Lula não se imagina na mesma situação do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, que pôs uma meteórica carreira política a perder em razão de sonhos de consumo e hoje está preso em Curitiba, para onde foi transferido com mãos algemadas e pés acorrentados. A rigor, porém, os meios utilizados para viabilizar os respectivos projetos de poder foram iguais, com vasos comunicantes no cartel das empreiteiras que desviaram recursos da Petrobras, da construção de estádios de futebol e de obras de infraestrutura para financiar projetos de poder e de enriquecimento pessoal. Zero diferença em relação a adversários que também se beneficiaram do desvio de recursos públicos para chegar e se manter no poder.

Lula sofreu uma derrota judicial acachapante em Porto Alegre, mas manteve a estratégia de confronto com o Judiciário, que desperta dois tipos de solidariedade da elite política. A mais sincera é dos que estão sendo processados pela Operação Lava-Jato e temem, como Lula, o chamado efeito Orloff do exemplo de Cabral: “eu sou você amanhã”. A mais falsa é a dos demais pré-candidatos a presidente da República que defendem o direito de Lula ser candidato, “mesmo que esteja preso”, por que estão de olho nos votos dos eleitores órfãos do petista. É bem típico da política. O principal objetivo de Lula é criar tal comoção no eleitorado que o livre da prisão.

Legado
Para sair do abismo que cavou com as próprias mãos, Lula quer ser absolvido pelos eleitores. Acredita que o veredicto das urnas se sobreporia às sentenças judiciais. Mesmo que Lula seja impedido de disputar as eleições com base na lei da Ficha Limpa, haveria o julgamento do seu legado político no processo eleitoral. Um “dedazo” na convenção petista indicaria seu substituto na sucessão presidencial, que faria apologia de suas realizações no governo de 2002 a 2010. A ex-presidente Dilma Rousseff, coitada, será jogada às feras da oposição. E responsabilizada pelo fracasso da chamada “nova matriz econômica”, como se Lula não tivesse nada a ver com isso.

Dilma ficaria com o ônus do desemprego, da inflação e da recessão na qual o país mergulhou, o legado de Lula seria a geração de emprego e renda numa economia que chegou a crescer 7% em 2010, ano em que deixou o poder, e a gratidão dos 52 milhões de pessoas beneficiadas pelo programa Bolsa Família. Vem daí a sua força eleitoral resiliente. Essa estratégia é vulnerável por causa da crise ética. A gênese da Lava-Jato foi o “mensalão”. No governo de Lula e sob seu comando político, montou-se o maior esquema de corrupção de que se tem conhecimento no Ocidente. O sistema de poder que se alicerçava no capitalismo de Estado e nos mecanismos de financiamento político desnudados pela Operação Lava-Jato também faz parte do chamado “conjunto da obra”.

Pode tirar o burrinho da sombra o político enrolado na Operação Lava-Jato. A condenação de Lula é a demonstração de que ninguém está acima da lei, pelo menos se estiver sem mandato. Houve uma mudança de postura do Ministério Público Federal sob comando de Raquel Dodge, a nova procuradora-geral, com o fim do vazamento das investigações, que continuam. Houve um “alto lá” nas delações premiadas, com o caso da JBS, mas outras delações de vulto estão para acontecer. A Polícia Federal emite sinais trocados sob nova direção, como aconteceu na transferência de Sérgio Cabral, na qual o agente japonês deu lugar a policiais ninjas das operações especiais. Mas os escândalos continuarão sendo investigados, inclusive no exterior, por onde Lula passou. O sinal veio ontem mesmo, com a apreensão do passaporte vermelho do ex-presidente da República, que estava com viagem marcada para a Etiópia, país que não tem tratado de extradição com o Brasil, por causa do caso da compra dos aviões de caças suecos pela Aeronáutica.

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