quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Marcelo Coelho: Provas, sim, e claríssimas

- Folha de S. Paulo

Bem que a defesa do ex-presidente Lula tentou. Um a um, seus argumentos foram refutados pelo desembargador Gebran Neto, relator do famoso caso do tríplex em Guarujá no Tribunal Regional Federal.

Para o advogado Cristiano Zanin Martins, o processo apresentava as mais diversas falhas. O juiz Sergio Moro, por exemplo, não tinha a imparcialidade necessária: basta lembrar o episódio da condução coercitiva de Lula para prestar depoimento na Polícia Federal.

Nada disso, respondeu o desembargador. A condução coercitiva só foi decretada porque era importante ouvir várias testemunhas ao mesmo tempo -Lula entre elas. O Ministério Público, aliás, tinha pedido a prisão temporária do ex-presidente; Moro foi até menos severo, portanto.

Cerceamento de defesa? O advogado descrevia vários episódios. Sergio Moro tinha recusado o pedido para que se pudesse examinar com mais tempo alguns documentos do processo. Mas aqueles documentos, afirma Gebran, tinham sido incluídos pela própria defesa...

Os advogados também reclamaram das gravações do depoimento de Lula a Sergio Moro: as câmeras só mostravam o rosto do ex-presidente, e não o do juiz ou dos acusadores. Gebran se espanta: mas era Lula quem estava falando...!

Para o advogado, era preciso, ademais, reconstituir todo o caminho do dinheiro, desde os supostos ganhos da empreiteira OAS com a Petrobras, até sua transformação em obras e melhorias no apartamento de Guarujá. Mais uma vez, Gebran contestou esse raciocínio. Não importa, disse ele, se o dinheiro usado para corromper alguém possui origem lícita ou ilegal: o que importa é o ato da corrupção em si.

Conforme o conhecido mantra, a defesa de Lula afirmou que "não há provas" de que o apartamento tríplex tenha sido efetivamente presenteado por Léo Pinheiro, da OAS, ao ex-presidente. Afinal, o título de propriedade em nome de Lula não consta em cartório nenhum.

É que, além de corrupção, lembrou o desembargador, o que se fez foi lavagem de dinheiro: ocultava-se o nome de quem se beneficiava com o tríplex. É como se o apartamento estivesse em nome de um laranja, explicou.

Uma rasura grosseira no contrato tentava disfarçar que não era o tríplex, mas sim um apartamento comum, o que continuava, em tese, cabendo a Lula.

E estava fora de "qualquer dúvida razoável" o fato de que o apartamento fora oferecido —e aceito— por Lula. Não é "razoável", com efeito, achar que o presidente da OAS agisse como um simples corretor de imóveis, escolhendo Lula como um comprador entre vários possíveis.

Tanto é assim, que todos os apartamentos daquele prédio no Guarujá foram vendidos, menos o tríplex, "reservado" para o cliente especial. Reformas e mesmo eletrodomésticos foram providenciados para atender ao gosto do casal Lula da Silva.

O revisor, Leandro Paulsen, reforçava. Como alguém que não se considera dono do imóvel escolhe armários ou muda o lugar de uma escada ou da piscina?

Para a defesa, também não ficaram claros os favores específicos que o ex-presidente tenha feito para a construtora. Sem isso, não há como comprovar que houve corrupção.

Há, sim, sentenciou Gebran. É muito diferente o ato concreto de um funcionário específico, cancelando uma multa de trânsito ou alterando um parágrafo de contrato, e a ação política de um presidente, nomeando, por exemplo, os diretores da Petrobras que iriam operar o esquema.

Não, contra-ataca a defesa: quem nomeava os diretores era o conselho da empresa, não o presidente Lula...

Formalmente, sim. Mas, na prática, Lula teve participação direta na nomeação de diretores como Paulo Roberto Costa. Foi desse modo, aliás, que conseguiu romper o boicote do PMDB a votações de seu interesse no Congresso. Inúmeros depoimentos confirmam isso.

Por cerca de três horas, o relator do caso justificou pacientemente os motivos para a condenação. As provas eram claríssimas. Nenhuma versão alternativa para o que aconteceu era mais plausível, ou foi sequer apresentada.

"Para além de qualquer dúvida razoável": esse o critério jurídico para uma condenação. Os outros dois desembargadores, com muita minúcia também, concordaram.

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