quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Marta Arretche: 2018 chegou, mas é 2019 que importa

- Valor Econômico

Ganhar a eleição não será suficiente para produzir confiança

Excluído o assunto das prováveis candidaturas presidenciais, este início de 2018 não parece muito diferente do início de 2017. O crime organizado controla as ruas e as cadeias e uma epidemia avança nas áreas urbanas, com seu saldo de mortes banais. Quem não acompanhou a mídia nas últimas 12 horas está desatualizado do enésimo escândalo do governo Temer. À indicação da ministra do Trabalho se sucedeu o afastamento forçado nas vice-presidências da Caixa Econômica Federal. O STF deverá ser chamado a decidir mais uma vez sobre uma disputa que sequer deveria ter começado. Os padrinhos das indicações para o Ministério do Trabalho e Caixa renovam nossa percepção de que, na democracia, cada eleitor tem um voto, mas alguns têm poder.

Indiferente ao estado de natureza que vige nas grandes cidades brasileiras, a agenda segue monotemática: é preciso cortar gastos, a reforma da Previdência liderando a lista. É verdade que no início de 2017 o discurso da reforma da Previdência era outro. Esta era condição necessária para o crescimento econômico. Como o crescimento veio sem a reforma, agora esta faz parte de um compromisso do governo Temer com a redução dos privilégios. Se tivesse começado por aí, teríamos mais chances de começar 2018 com novidades.

Para quem não se furtou aos fatos, a reforma da Previdência foi o salvo conduto do presidente, mimetizando Eduardo Cunha na função de entregar o impeachment de Dilma. Nenhuma alternativa seria superior à sua capacidade de formar maiorias parlamentares, não importando seus custos para a reputação da elite política brasileira.

Também é verdade que 2017 trouxe algum crescimento econômico e queda da inflação, mas não é certo que estes tenham vindo para ficar. Tudo somado, todas as expectativas se mantém presas ao papel redentor das próximas eleições, em particular a do presidente. Os economistas anunciam um desastre caso a consolidação fiscal não venha a ser assumida pelo próximo presidente. A tragédia do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Norte seria potencializada para a escala nacional.

Um ajuste fiscal implica escolher ganhadores e perdedores. Uma lenta convergência em torno de alternativas majoritariamente aceitas pode parecer atraente. Mas, não parece haver tempo hábil para isto. A bomba fiscal pode explodir antes.

A importância das preferências do próximo presidente, contudo, tem obscurecido uma questão de caráter tão ou mais estratégico. O risco de um presidente não comprometido com a consolidação fiscal aprovar sua agenda é muito menor do que o risco de um presidente comprometido com ela não conseguir aprovar as medidas necessárias. Nossa história recente mostra que o resultado agregado das decisões do Congresso consistiu em aumentar gastos sem aumentar impostos, além de distribuir subvenções e perdoar dívidas. Coube aos presidentes arcar com o ônus político do veto às bombas fiscais. Logo, nossa grande preocupação deve se concentrar nas condições políticas necessárias para que o próximo presidente possa produzir consolidação fiscal, em um país em que a pobreza voltou a aumentar e a violência mata em escala industrial.

Ajustes fiscais estão entre as medidas mais impopulares em qualquer país do mundo. Por isto, o suporte político à taxação e ao corte de gastos requer confiança no governo. É preciso que as elites políticas que lideram o processo sejam reconhecidas como implementando perdas de curto prazo para obter benefícios de longo prazo. Mas esta aposta no longo prazo requer credibilidade por parte de quem faz a promessa.

Para os interessados, recomendo a leitura de artigo publicado na "The American Economic Review", em 2015. Kuziemko e colaboradores realizaram uma série de estudos experimentais com cerca de 10 mil respondentes nos EUA. Concluíram que a descrença no governo destrói o apoio às políticas, mesmo quando os entrevistados acreditam em seus benefícios.

Em pesquisa da Oxfam, realizada pelo Datafolha em agosto do ano passado, 72% dos entrevistados declararam ser favoráveis a que "o governo diminua os impostos sobre os produtos e serviços que a população consome e compense a diferença com aumento de impostos sobre a renda dos mais ricos". A proposta não pode ser considerada populista. Ela apenas mudaria nosso atual modelo de taxação de modo a reduzir sua regressividade. Plausivelmente, não é o apoio a este princípio que deve erodir o suporte do eleitorado a medidas nesta direção, mas a falta de confiança no governo.

Ganhar a eleição não será suficiente para produzir confiança no eleito. Nossa história recente mostra que três escolhas têm alta probabilidade de minar a confiança no futuro presidente, independentemente do tamanho de sua coalizão de governo.

Para o candidato eleito, o estelionato eleitoral - praticado com o Plano Cruzado por Sarney passando pela desvalorização cambial de Fernando Henrique até Dilma - implica a perda de apoio de seus eleitores sem ganhar o apoio dos que não votaram nele. Para o candidato derrotado, judicializar o resultado eleitoral e não admitir a derrota - mesmo que por motivos menos banais do que "apenas encher o saco" - sinaliza a possibilidade de um impeachment. Por fim, Temer não deveria ser candidato. Mesmo que tenha alguma chance (re)eleitoral, sua candidatura colocaria o privilégio do foro no centro da campanha. Na hipótese de que Lula não possa concorrer, a candidatura de Temer mostraria como o foro privilegiado cria duas categorias de acusados de crimes contra a administração pública: os que podem concorrer e os que não podem concorrer. Para que a justiça seja imparcial, é preciso que a lei seja imparcial.
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Marta Arretche é professora titular do Departamento de Ciência Política e pró-reitora adjunta de pesquisa da USP, diretora do Centro de Estudos da Metrópole

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