quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Míriam Leitão: Dúvida derruba a tese

- O Globo

Não há perseguição a Lula: país luta contra a corrupção. A incerteza que cerca o julgamento de hoje derruba, por si só, a tese central da defesa do ex-presidente Lula, a de que existe uma guerra jurídica contra ele. O que o país tem é uma Justiça independente, e ele sabe disso. As inúmeras possibilidades de recursos, e que permitem construir os mais diversos cenários para desdobramento desta ação, mostram que não há uma perseguição judicial contra Lula.

O fato de que adversários históricos, ou aliados circunstanciais, estejam vivendo situações semelhantes à do líder do PT mostra que o país está diante de um processo de luta contra a corrupção e não uma perseguição a um indivíduo ou a um partido. Entre seus antigos aliados estão o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, agora presos. Entre seus adversários, o senador Aécio Neves. A lista de políticos investigados por corrupção é enorme, nos mais variados campos políticos. O que acontece no Brasil é um processo maior e mais profundo do que está sendo simplificado pela retórica política. Os líderes do PT sabem disso, mas disputam, como sempre, a narrativa mais conveniente.

A narrativa terá que ser repetida muitas vezes. Ele tem outros processos a responder, como o do apartamento que usa ao lado do seu, ou o do sítio de Atibaia. Isso em Curitiba, mas em Brasília, ele foi denunciado em outros processos como os investigados na Operação Zelotes. No caso atual, o do apartamento do Guarujá, um dos argumentos da defesa é que o imóvel nunca foi dele, e que Lula o visitou como um potencial comprador. Por esse raciocínio, teria que ter havido a ocupação para então ficar claro que o apartamento fora dado a ele. O artigo 317 do Código Penal define corrupção de forma bem mais ampla. É “solicitar ou receber para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumila, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.

Se aquela foi uma visita apenas de um pretendente comprador, que depois desistiu, é preciso explicar muita coisa. Por que a OAS refez todo o projeto, e apenas para aquele apartamento, indicando a personalização do imóvel? Por que os móveis da cozinha vieram da mesma loja que forneceu para o sítio de Atibaia e pagos da mesma maneira? Qual a origem da escritura rasurada? Havia uma conta-corrente, em cada empreiteira com negócios com a Petrobras, para pagar aos políticos e aos funcionários em postos estratégicos. A acusação diz que foi daí que saiu o dinheiro para o apartamento.

Há muitas outras dúvidas razoáveis. E sobre elas os juízes do TRF-4 construíram seus votos que vão divulgar hoje. A defesa, ao lado do argumento político, de guerra judicial, construiu também uma argumentação técnica para responder à acusação. No dia de ontem, ninguém tinha certeza da decisão final dos três juízes que vão julgar o caso. E isso é bom. Palpites, havia muitos. Mas essa dispersão de possibilidades dá a certeza de que a Justiça está fazendo seu papel e julgando segundo os autos. Se eles forem fracos, a sentença será reformada.

No dia 26 de setembro, o tribunal de Porto Alegre absolveu pela segunda vez o ex-tesoureiro do PT João Vaccari. Ele estava condenado a nove anos, numa ação, e 15 anos, em outra. O PT soltou uma nota em que disse que “a segunda absolvição do companheiro João Vaccari no TRF-4 mostra que o Judiciário pode sim corrigir as arbitrariedades da Vara de Curitiba”. Quarenta e dois dias depois, em outra ação, a sentença contra Vaccari foi reformada. Para mais. Em vez de dez anos de prisão, a pena foi para 24 anos. O desembargador Leandro Paulsen, um dos julgadores de hoje, que havia votado pela absolvição nas duas ações anteriores, disse que condenou porque pela primeira vez havia provas.

É dessa incerteza, das dúvidas, das possibilidades de recursos e das mudanças de sentenças que se faz uma Justiça independente. O dia de hoje é importante não pelo resultado do julgamento, mas porque o Brasil tem uma democracia forte o suficiente para investigar, denunciar, julgar políticos suspeitos, de qualquer partido. Até mesmo um líder popular e que por duas vezes ocupou a Presidência do país. Ninguém está acima da lei

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