domingo, 21 de janeiro de 2018

Por sobrevivência, esquerda tem 'trégua' e constrói agenda comum

Catia Seabra, Anna Virginia Balloussier / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Sob bênção de Luiz Inácio Lula da Silva, partidos de esquerda buscarão uma estratégia conjunta de sobrevivência a partir da quarta-feira (24), data do julgamento do petista pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre.

Com a possibilidade de a condenação do ex-presidente se manter, PT, PC do B, PDT e até PSB promovem uma "trégua eleitoral" e anteciparam para após o Carnaval o lançamento de um programa com vistas a uma aliança no segundo turno do pleito —ou mesmo no primeiro. O PSOL tem acompanhado as discussões na condição de observador.

Fora PSB, todas essas legendas anunciaram (ou flertam com a ideia de) pré-candidatos —Manuela D'Ávila pelo PC do B, Ciro Gomes pelo PDT e Guilherme Boulos pelo PSOL.

Essa agenda —que inclui a defesa da soberania nacional e de reformas estruturais— permitirá que Lula discuta com dirigentes partidários uma saída para as esquerdas. A ideia, contudo, não é impor uma adesão ao PT. A pretexto dessa articulação, Lula deverá conversar pessoalmente com os pré-candidatos, desobstruindo o diálogo até com seu ex-ministro Ciro —que evitou assinar o manifesto "Eleição Sem Lula É Fraude".

Lançado em dezembro, o texto foi respaldado por D'Ávila e Boulos, além de nomes como Chico Buarque, Pepe Mujica, Noam Chomsky e até o deputado Paulinho da Força, que no impeachment de 2016 adaptou "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores" para "Dilma, vai embora que o Brasil não quer você / E leva o Lula junto e os vagabundos do PT".

Amigo de Lula, o ex-ministro Luiz Dulci é apontado como um canal com Ciro. Outra ponte, o presidente do PDT, Carlos Lupi, diz que Ciro sempre esteve aberto a esse encontro. "Mas este não é o momento." O próprio Lupi gravou um vídeo de desagravo a Lula.

TEST-DRIVE
Nos bastidores, o ex-presidente defende o direito de siglas "testarem" sua viabilidade eleitoral. Mas ele cita o próprio Ciro —que em cenários sem Lula chega a 13% no Datafolha após tentar o Planalto duas vezes— como exemplo das dificuldades de suas candidaturas.

Em março, Ciro disse à Folha que, com Lula no páreo, via para si no máximo "um papel nobre" na disputa. "Vou lá para meus 12%, 15% no mínimo, mas daí dizer para o povo que acredito que vou ser presidente... Não consigo mentir desse jeito."

Na terça (16), as fundações desses quatro partidos concluíram um documento batizado de "Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento". Em fevereiro, suas bancadas se reunirão no Congresso. O presidente da Fundação Perseu Abramo, Márcio Pochmann, admite que o cronograma foi adiantado após TRF-4 programar o julgamento para janeiro.

Ex-presidente do PC do B, Renato Rabelo diz que o debate servirá de base para uma unificação. Prometer resistência sem unidade ampla seria "bravata, uma visão primária". "Se a esquerda tiver uma base mínima referencial, poderá se juntar até no primeiro turno."

"A expectativa é que haja uma trégua eleitoral em todo o campo democrático", diz o deputado Orlando Silva (PC do B), ex-ministro lulista e dilmista. "Tirar Lula no tapetão vai reforçar a instabilidade."

Vice-presidente do PT, Alexandre Padilha afirma que o "fura-fila" do TRF-4, que pôs o processo de Lula à frente de outros, "fez um bem para esse campo. A unidade pode culminar numa ampla frente".

Líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini reconhece que o endosso do PSOL "é mais difícil", lembrando que a sigla já dispensou o PT no palanque (como Marcelo Freixo com Lula em 2016). Cria de ex-petistas dissidentes, a sigla lançou nota crítica ao julgamento ("tentativa de consolidar o golpe de 2016"), mas reafirmou o ímpeto por "uma candidatura radical, popular e que aponte a necessidade de uma alternativa independente".

O PT trabalha com três hipóteses após eventual condenação: a manutenção da candidatura de Lula, a busca de um plano B e uma remota possibilidade de boicote à eleição.

A definição da estratégia dependerá da decisão do TRF-4 e da reação popular. Se a corte não for unânime na manutenção da pena de nove anos e seis meses fixada pelo juiz Sergio Moro ou alterá-la, Lula poderá esticar sua candidatura até a data final de registro da chapa, em agosto.

Se a sentença for ratificada, o PT abrirá debate sobre um plano B. Principais apostas: o ex-governador da Bahia Jaques Wagner e o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad.

Segundo Lupi, alguns petistas acenam com a possibilidade de apoio a Ciro, tendo Haddad como vice. Pedetistas duvidam. Presidente da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini, Manoel Dias diz que a candidatura de Ciro é "irreversível".

Apesar dessa afirmação, Dias prega a construção de uma unidade, algo "raro" no campo de esquerda. "Já se fez até piada, de que a esquerda só se unia na cadeia."

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