segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Angela Bittencourt: Temer poderá ampliar legado e lustrar biografia

- Valor Econômico

Em 2018, renda disponível poderá crescer R$ 198 bi

O presidente quer defender o legado do seu governo na eleição de outubro e essa intenção deverá filtrar o candidato de centro-direita que receberá apoio do Planalto na urna. Michel Temer, que conduz à sucessão o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, afastada por crime de responsabilidade, também poderá tentar a reeleição. Contudo, com a intervenção na segurança do Rio e incentivo ao consumo ele poderá ampliar seu legado e lustrar sua biografia. Com bônus.
Enquanto a reeleição soa tarefa solitária, proporcionar mais bem-estar aos brasileiros tende a uma mobilização capaz de integrar outras áreas do governo até agora condenadas a angariar votos para a reforma da Previdência e sem muito sucesso. Também por esse motivo, na sexta-feira a chance de aprovação dessa reforma era tida como página virada pela intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro.

Expectativas estão sendo escoadas para a intervenção. E se a ação do Exército Brasileiro não decepcionar, uma melhora de humor sobretudo nos grandes centros urbanos poderá impulsionar um pouco mais de atividade. Chegar a esse estágio em seis meses, até às vésperas da eleição, está longe de fácil ou simples, mas se montam condições favoráveis ao mesmo tempo em que defensores da reforma previdenciária reconhecem que ela terá tratamento mais adequado no próximo governo.

O Brasil saiu da recessão que produziu um contingente de desempregados, mas também derrubou inflação e juro, além de impulsionar uma redução inédita de endividamento. Neste início de 2018, apenas 21% do orçamento das famílias estão comprometidos com o pagamento de dívidas, excluindo da conta despesas com crédito imobiliário. E a perspectiva de aumento da renda disponível em R$ 198 bilhões neste ano é o resultado mais eloquente dessa desalavancagem. Esse montante equivale a 2,2% do PIB.

Apresentado à coluna por credenciada fonte do governo, esse cálculo ainda preliminar representa a soma da liberação de orçamento comprometido anteriormente com dívidas, aumento na massa salarial e transferências sociais.

À coluna, a autoridade do governo, que preferiu não ser identificado, comparou esses quase R$ 200 bilhões ao combustível que deverá bancar crescimento de 3% em 2018. Somente a redução do endividamento agregará à renda disponível R$ 36 bilhões no primeiro trimestre, R$ 43 bilhões no segundo, R$ 40 bilhões no terceiro e R$ 26 bilhões no último quarto deste ano. Esses R$ 145 bilhões correspondem à sobra de dinheiro no bolso dos cidadãos pela queda de custos financeiros proporcionada pela redução de 7,50 pontos percentuais na taxa Selic - de 14,25% para 6,75% em um ano e meio.

O significativo ajuste das condições financeiras favoreceu trocas de dívidas mais caras por outras mais baratas, liquidação de prestações pendentes ou atrasadas e manutenção em contas correntes de recursos que seriam destinados às aplicações financeiras se as taxas de juros fossem mais elevadas ou atraentes.

Embora o governo possa vir a tomar medidas de fôlego, o principal estímulo à atividade é a distensão monetária. Até a semana passada, o governo estava debruçado sobre a reforma da Previdência que perdeu espaço, mas a decisão de frear a escalada da violência no Rio de Janeiro não desabona o governo. Há um clamor por segurança.

Informação positiva sobre a reforma das aposentadorias: as alterações feitas pelo relator do projeto para agregar apoio ao texto não chegaram a alterar a economia prevista pelo governo, após uma primeira revisão. Essa constatação animou o interlocutor da coluna para quem seria necessário pensar que o governo ainda poderia ganhar de R$ 300 bilhões a R$ 400 bilhões em dez anos. "É bem menos que o previsto inicialmente, mas hoje não economizamos nada", diz.

A fonte avalia que expansão do PIB em 3% neste ano é realista levando-se em conta que a atividade no segundo semestre será influenciada por decisões tomadas neste primeiro semestre. Ela lembra que temos, por ora, a queda do juro e não se deve esperar muito mais, uma vez que neste ano a economia e a política caminharão juntas.

"A revisão de projeções que vem sendo feita por economistas do mercado - para PIB de 3,5% e até mais neste ano - adiciona aos indicadores boa dose de otimismo. A aprovação da reforma das aposentadorias, se ocorrer, deve contribuir positivamente para o cenário e pode justificar mais um corte de juro pelo Copom. Mas seus efeitos fiscais não são imediatos."

A gestão de expectativas terá um papel crucial para os indicadores econômicos nos próximos meses - sejam elas a respeito de aprovação de reformas, novas medidas para o crescimento ou quanto ao resultado da intervenção no Rio. Pelo canal das expectativas é possível aumentar a confiança, melhorar o ambiente de negócios e, indiretamente, blindar prêmios de risco e assim evitar efeitos na taxa de câmbio.

"Para alimentar a atividade temos os R$ 145 bilhões que saíram de dívidas e têm passe livre para o consumo. A migração desses recursos ocorrerá e com efeito duradouro. Mas é inegável que incertezas existirão ao longo do ano, especialmente porque o processo eleitoral promete ser acirrado e com resultado nebuloso possivelmente até a votação", pondera o interlocutor.

O 1º turno de votação será em 7 de outubro e o 2º no dia 28. Na sequência, nos dias 30 e 31, o Copom realiza a penúltima reunião de 2018 e, neste encontro, a alta do juro pode ser retomada. Essa reversão é esperada pela maioria de 47 economistas pesquisados pelo Valor que não descartam um encontro atormentado por incertezas. "As incertezas tendem a criar um estado de letargia na tomada de decisões e a afetar o ritmo da atividade", alerta a fonte que não considera desprezível a perspectiva de "vazamento" da balança comercial no segundo semestre deste ano.

"O script é o de sempre. O aumento do consumo pressionará as importações e impedirá que as exportações cresçam no mesmo ritmo, mas sem prejuízo para as expectativas. As projeções para o IPCA já mostram a inflação saindo de 2,9%, em doze meses no fechamento de 2016, para cerca de 4% na passagem de 2018 para 2019, quando o indicador estará colado à meta."

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