terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

*Joel Pinheiro da Fonseca: A utopia das redes sociais

- Folha de S. Paulo

É uma surpresa que o resultado dos megafones nas mãos dos indivíduos seja barulho e tribalismo?

Havia um sonho no início da internet: o sonho de uma humanidade mais unida. Com mais facilidade de comunicação, pessoas de lugares distantes interagiriam mais e derrubariam muros. Com um mar de informações disponível a um clique, quaisquer discordâncias seriam facilmente resolvidas. A tecnologia abria as portas para um mundo da união universal pautada pela ciência.

Infelizmente, não foi o que aconteceu. O contato entre pessoas distantes permitiu que aqueles que pensam igual troquem mais figurinhas e articulem ações conjuntas. Ao mesmo tempo, a abundância de informações permitiu que cada narrativa se servisse de dados e exemplos para reforçá-la e aumentar seu poder de persuasão junto a ouvintes indefesos.

Hoje, aquele sonho de internet (um espaço amplo, aberto e descentralizado) se foi; vivemos no enorme condomínio fechado do Facebook, que acelera a polarização. No início dos anos 2000, alguns poucos aficionados por política e cultura discutiam entre desconhecidos em fóruns online sob identidades anônimas. Hoje, as coisas se misturaram: seu manifesto político na rede te dá reputação (ou ódio) entre pessoas que te conhecem.

O Facebook se apresenta como uma plataforma neutra, na qual o sucesso de cada post depende apenas do interesse que ele gera nos usuários. Quanto ao conteúdo ideológico (e excetuando uma política rígida de excluir nudez e possíveis ofensas a algum grupo), ele realmente não faz nenhum tipo de filtro ou controle do que é publicado.

Se mentiras sensacionalistas capturam melhor a atenção dos leitores do que reportagens ponderadas, o que se há de fazer? É a natureza humana. É uma surpresa que o resultado dos megafones nas mãos dos indivíduos não seja imparcialidade e profundidade, e sim barulho e tribalismo?

Para quem se dispõe a ser protagonista da própria busca por conhecimento, a internet foi uma das maiores dádivas da história. Entre jornais e revistas do mundo todo, sites especializados, Wikipedia, blogs com análise de alta qualidade (que jamais teriam espaço na mídia tradicional), interlocutores inteligentes e proximidade com formadores de opinião, a vida melhorou muito. Agora, para quem adota uma postura passiva (infelizmente, a maioria), ficou mais fácil ser enganado e, pior, aumentou a propensão a se fechar dentro de uma bolha ideológica.

Por mais que seja neutra em sua proposta, a plataforma do Facebook, como qualquer outra, pode ser manipulada. Foi o que a Rússia fez (via a "Internet Research Agency", IRA, que serve aos interesses do governo russo), com milhares de usuários falsos e a criação de páginas e posts —compartilhados milhões de vezes— para desestabilizar o debate público americano em 2016.

As páginas criadas pela IRA ocupavam ambos os extremos do espectro ideológico: de ativismo negro a campanha anti-imigração de latinos. A finalidade era sempre a mesma: aumentar o caos para enfraquecer o país internamente.

Não está claro o tamanho da influência russa. Eu acredito que o processo natural de interação nas redes já leve a esse resultado, com a interferência de agentes externos sendo apenas um acessório.

No Brasil, nada indica que o governo russo interfira no debate público. Contudo, é curioso notar que, em sua luta sincera pelo que acreditam ser o bem do Brasil, cidadãos convictos e grupos de ativismo político se comportem exatamente da maneira que um inimigo gostaria de incentivar para destruir a nação.
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*É economista pelo Insper, mestre em filosofia pela USP

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