domingo, 18 de fevereiro de 2018

Luiz Carlos Azedo: Não morreram em vão

- Correio Braziliense

O comandante militar do Leste, general Braga Netto, é o novo xerife do Rio. Tem a tarefa de restabelecer a paz e a ordem. É a primeira intervenção federal depois da Constituição de 1988

Quando a Itália entrou na I Guerra Mundial, em 1915, ao lado da “Entente” (aliança entre França, Inglaterra e Rússia), os políticos italianos acreditavam que aquela seria uma oportunidade de libertar Trento e Trieste do jugo estrangeiro e declararam guerra ao Império Austro-Húngaro. Centenas de milhares de jovens foram recrutados e lançados à batalha. No primeiro confronto, porém, o exército inimigo manteve as suas linhas de defesa de Izonso e o ataque foi contido. Morreram 15 mil italianos.

Na segunda batalha, foram 40 mil mortos; na terceira, 60 mil. Os italianos lutaram “por Trento e por Trieste” em mais oito batalhas, até que, em Caporreto, na décima-segunda, foram derrotados fragorosamente e empurrados pelas forças austro-húngaras às portas de Veneza. O episódio, citado no livro Homo Deus, de Yuval Noah Harari (Companhia das Letras), ficou conhecido como a síndrome “Nossos rapazes não morreram em vão”, porque foram contabilizados 700 mil italianos mortos e mais de 1 milhão de feridos ao final da guerra.

Depois de perder a primeira batalha de Izonzo, os políticos italianos tinham duas opções. A primeira era admitir o erro e assinar um tratado de paz, que seria aceito pelo Império Austro-Húngaro, que enfrentava outros três exércitos poderosos. Prevaleceu a segunda, porque a primeira tinha o ônus de ter que explicar para os pais, as viúvas e os filhos dos 15 mil mortos de Izonso por que eles morreram em vão. Era mais fácil exacerbar o nacionalismo e continuar a guerra.

Entretanto, Harari adverte que não se pode culpar apenas os políticos. O povo também continuou apoiando o envio de tropas para o front. E quando a guerra terminou e os territórios não foram recuperados, mesmo com o fim do Império Austro-Húngaro, os políticos e o povo entregaram o poder a Mussolini e seus fascistas, que prometerem conseguir para a Itália uma compensação compatível com os sacrifícios feitos.

Nem de longe Trento e Trieste se parecem com a Rocinha e o Complexo do Alemão, muito menos as Forças Armadas tiveram baixas até agora no Rio de Janeiro, mas já dá para perceber aonde é que podemos chegar com a decretação da intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. É a repetição de uma solução que não teve resultados satisfatórios: o emprego das Forças Armadas para combater o tráfico de drogas e fazer o patrulhamento ostensivo nos logradouros importantes da cidade.

Há um pacto entre o governo federal e o governo estadual nessa questão da segurança e outras políticas públicas que entraram em colapso no estado. Porque estão sob controle de correligionários, o presidente Michel Temer e o governador Luiz Fernando Pezão, que ontem tirou por menos a situação e disse que pretende deixar como legado de seu governo a presença do Exército, Marinha e Aeronáutica na segurança do estado. Ambos são do MDB. E, agora, empunham a bandeira da ordem.

Confronto
A medida tomada tem certa funcionalidade, porque a situação havia realmente saído do controle durante o carnaval, com o colapso da segurança pública. Mas não será uma resolução efetiva para o problema, que demanda um esforço de longo prazo e uma mudança de liderança política, pois a atual foi desmoralizada pelas crises fiscal e ética. É mais uma jogada política e de marketing, que pode ter o efeito contrário se fracassar. O tempo dirá.

Muitos acham que a intervenção esvaziaria o discurso do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que prega uma espécie de “terror de Estado” nas comunidades controladas pelo tráfico. Em evento promovido pelo banco Pactual BTG, em 6 de fevereiro, para mais de mil executivos do setor financeiro, Bolsonaro declarou que mandaria um helicóptero derramar milhares de folhetos sobre a favela da Rocinha, avisando que daria um prazo de seis horas para os bandidos se entregarem. Encerrado o tempo, se eles continuassem escondidos, metralharia a Rocinha. Foi aplaudido de pé.

Essa é a primeira intervenção federal feita com base na Constituição de 1988 e inverte a situação das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) realizadas até agora, seja para garantir a realização das Olimpíadas e da Copa do Mundo, seja para combater o tráfico de drogas e garantir as vias de acesso à capital fluminense. O comandante militar do Leste, general Walter Souza Braga Netto, de 60 anos, porém, é o novo xerife do Rio de Janeiro. Tem a tarefa de restabelecer a paz e a ordem.

Antes, a missão das Forças Armadas era apoiar as polícias civil e militar; agora, o general vai comandá-las. Além disso, uma mudança de legislação garante aos soldados e oficiais das Forças Armadas o foro privilegiado da Justiça Militar em casos de confronto. Mesmo assim, a situação é dramática, porque uma parte das forças de segurança estaduais está comprometida com o crime organizado e a outra, desmoralizada e desmotivada, além de fragilizada por constantes execuções de policiais militares. O problema do Rio não é só a segurança pública. Faltam competência e honestidade.

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