terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Míriam Leitão: Visão de mercado

- O Globo

O Ibovespa afundou ontem 2,6% num dia em que no mundo inteiro houve quedas fortes. O temor é que o banco central americano suba os juros mais rapidamente este ano. O S&;P teve queda de 4,1%, e o Dow Jones, o maior recuo em pontos da história. No Brasil, espantosa foi a alta anterior. A bolsa teve o melhor janeiro em 12 anos, e a entrada de capital estrangeiro em um mês foi quase do tamanho de 2017.

Em janeiro, a alta no mercado brasileiro foi de 11% e houve quebras de recordes sucessivos. Nos últimos 12 meses, em que o país viveu crise fiscal e tensão política, as ações na bolsa tiveram uma valorização, segundo cálculo feito pela Economática para a coluna, de mais de R$ 800 bilhões. O cálculo foi feito com o pico, antes das últimas duas quedas.

O movimento de ontem foi mundial e não tem muita ligação com o que acontece aqui. Mas o interessante é se perguntar, mais do que a oscilação negativa dos últimos dois pregões, o que levou ao movimento de alta.

Num seminário na semana passada do banco Credit Suisse, continuava a aposta de que as reformas seriam aprovadas. Se não forem pelo governo Temer, deverão ser por quem for eleito em outubro, independentemente do viés político. Outro motivo da visão positiva é que a previsão mais comum é de crescimento por dois ou três anos, para recuperar a perda da recessão.


Quem cruza os dados da conjuntura política e fiscal do país com o movimento do Ibovespa não pode deixar de se espantar. Nos últimos 12 meses, terminados no fim de janeiro, o índice saiu da casa dos 60 mil pontos para 85 mil, o que representou uma valorização nominal de R$ 823 bilhões das empresas brasileiras, segundo o estudo elaborado por Einar Rivero, da Economática. A queda de sexta e de ontem levou o índice para 81 mil.

Apesar do temor de mudança da política monetária americana, o cenário externo não é ruim. Os EUA estão com PIB mais forte, assim como a Europa, e não há risco de desaceleração abrupta da China. Há bastante liquidez no mundo, e esses dólares buscam mercados emergentes como o Brasil porque estão mais dispostos a correr riscos. Em janeiro, o saldo do investimento estrangeiro na bolsa foi de R$ 9,54 bi. No ano passado inteiro foi de R$ 13,4 bi.

Mas, além disso, há a avaliação interna. O economista Luis Stuhlberger, que gere o Verde, um dos fundos de investimento mais rentáveis do país, explicava na semana passada o movimento positivo com a tese de que o mercado financeiro está olhando para o curto prazo e para a possibilidade de crescimento mais forte do Brasil nos próximos dois ou três anos. Pelas suas contas, a alta do PIB pode ficar acima de 3% entre 2018 e 2020.

Amanhã o Banco Central deve reduzir novamente a taxa Selic, para 6,75%. Essa sequência de quedas, que levou a taxa de juros de 14,25% para a nova redução esta semana, será um dos motores da alta do PIB em 2018. Como a inflação está baixa, o mercado financeiro estima que os juros reais também ficarão baixos, o que irá facilitar o pagamento de dívidas, os investimentos e o consumo.

O dólar normalmente sobe em anos de muita incerteza eleitoral, mas em 2018 alguns pontos são favoráveis: o déficit em conta-corrente é muito pequeno, e as reservas cambiais, muito altas. Esse abundância de dólares aqui, que se soma ao fluxo de entrada de capital, faz com que o cenário mais provável seja de a volatilidade ser menor do que em 2002. Haverá, claro, volatilidade. E ontem isso ficou claro.

Em qualquer evento do mercado os dados apresentados são de um país em grave crise fiscal em que os gastos obrigatórios, entre eles o previdenciário, têm subido demais, reduzindo outras despesas necessárias. E, apesar disso, a bolsa teve sucessivas altas.

A conclusão é a de que o Brasil tem um bom curto prazo, com crescimento do PIB, inflação e juros baixos, altas reservas cambiais. O futuro tem entraves que parecem imensos, mas a avaliação mais comum feita no mercado é a de que a situação chegou a tal ponto que qualquer que seja o eleito ele será naturalmente empurrado para uma agenda de reformas para aumentar sua capacidade de governar.

Evidentemente não é tão simples. Se o mercado mundial entrar numa fase de queda de bolsas e aversão a risco, as análises todas terão outro viés. E as crises brasileiras pesarão muito mais.

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