sexta-feira, 16 de março de 2018

‘A crise só vale para juízes’

Magistrados se consideram injustiçados e dizem que críticas a benefícios são retaliação

Mateus Coutinho | O Globo

-BRASÍLIA- Ao fim de um dia de manifestações por reajustes salariais e benefícios, representantes das magistraturas federais e de procuradores da República e do Trabalho afirmaram que as críticas feitas aos “penduricalhos” recebidos são uma “retaliação” pelos desdobramentos da Lava-Jato. Juízes envolvidos na operação não participaram dos atos. Os protestos, que incluíram greve de algumas categorias de juízes, ocorreram uma semana antes do julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o benefício indistinto do auxílio-moradia para magistrados. Os juízes reivindicam reajustes anuais e reclamam que outros servidores federais conseguiram aumentos e benefícios que superam o teto constitucional de R$ 33,7 mil.

De acordo com a Associação dos Juízes Federais (Ajufe), cerca de 800 juízes e desembargadores aderiram à greve. A categoria tem 1.796 profissionais. Na Justiça do Trabalho, 44% das varas em todo o país paralisaram suas atividades.

Em Brasília, representantes das categorias se reuniram em uma sala da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 10ª Região (Amatra-10), no quinto andar do prédio da Justiça do Trabalho. Lá, gastaram cerca de uma hora e meia em uma coletiva com a imprensa para explicar os motivos do movimento. Na sequência, realizaram um ato com cerca de 50 pessoas e que durou uma hora. Eles argumentam que as categorias não têm conseguido obter reajustes nos últimos anos, ao contrário do que ocorre com outras carreiras. O presidente da Ajufe, Roberto Veloso, afirmou que a justificativa da crise econômica do país não teria sustentação.

— O problema é que a crise só está valendo para os juízes — ironizou.

O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano, enfatizou que a Constituição prevê que os vencimentos dos juízes e membros do MP devem ser reajustados anualmente. Ressaltou que se isso estivesse sendo respeitado os salários dos juízes seriam maiores do que o que recebem hoje, com o auxílio-moradia.

— Veja, se o reajuste automático tivesse sido garantido desde 2005, os vencimentos hoje estariam em R$ 47 mil — disse Feliciano.

As categorias afirmam que os benefícios em discussão afetam apenas quem atua na área federal, e não juízes e procuradores estaduais, que teriam outros “penduricalhos”.

Questionado se iria defender uma unificação que aumente ou diminua os vencimentos de todos os juízes, Feliciano disse que o importante é não ter “redução de vencimentos”. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a principal da categoria e que conta com juízes estaduais, não aderiu ao ato de ontem. Os magistrados também citaram os aumentos de outras categorias de servidores públicos federais, como membros da Advocacia-Geral da União, Defensoria Pública da União e da Receita Federal. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho, afirmou que há uma vingança contra juízes e procuradores devido às investigações de corrupção, principalmente da Lava-Jato:

— Não existe outra razão para essa situação que não seja a retaliação.
Ele ressaltou que o auxílio-moradia existe desde 1979 para outras categorias e que só agora passou a ser visto como assunto polêmico.

— Por que só virou escândalo quando foi ampliado para magistrados da União? — questionou.

No manifesto de uma página, os representantes das categorias criticaram os projetos de lei que preveem a tipificação dos crimes de abuso de autoridade e de violação de prerrogativas de advogados. Eles afirmam que as propostas ameaçam a autonomia de juízes e membros do MP.

— Nós tememos que aconteça no Brasil o que aconteceu na Itália. Lá houve esse mesmo procedimento (de desvalorização da magistratura) quando fizeram a Operação Mãos Limpas — disse Veloso, da Ajufe.

COFFEE BREAK
Os representantes alegaram que as reivindicações não têm relação com o julgamento do Supremo. Sustentaram que a iniciativa visa apenas tratamento unitário com outras categorias, mas evitaram defender que os salários de outros fossem reduzidos para se atingir a unidade defendida.

— Ninguém quer atacar as outras categorias — afirmou o presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Ângelo da Costa.

Após o ato no hall de entrada do prédio da Justiça do Trabalho, os representantes das categorias voltaram para a sala da Amatra, onde os esperava um lanche com sanduíches, salgados, bolos e refrigerantes.

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