quarta-feira, 28 de março de 2018

Cristiano Romero: Uma janela de dois anos antes das reformas

- Valor Econômico

Mesmo sem a aprovação da reforma da Previdência, a equipe econômica do governo Temer conseguiu criar uma janela de dois anos para gerir as contas públicas sem desrespeitar o teto constitucional das despesas. O adiamento da reforma para o próximo governo foi ruim, preocupa, mas não é uma tragédia, justamente porque o Ministério da Fazenda adotou medidas para conter o aumento da dívida pública enquanto as mudanças das regras de aposentadoria não são aprovadas pelo Congresso. É isso o que explica a relativa calmaria do mercado, mesmo às vésperas de uma campanha eleitoral "nervosa", para dizer o mínimo.

O segredo está no corajoso e histórico corte promovido pelo governo na concessão de crédito subsidiado, um dos principais fatores de elevação da dívida bruta durante os governos Lula e Dilma. Como se sabe, entre 2008 e 2015, apenas o BNDES recebeu mais de R$ 500 bilhões em empréstimos do Tesouro Nacional, para conceder crédito subsidiado, principalmente, a grandes empresas - a indústria que mais tomou financiamento naquele período pelo PSI, linha que oferecia juros nominais de 2% a 3% ao ano (negativos, portanto, porque inferiores à inflação), foi a automobilística, integrada por multinacionais com acesso a dinheiro barato em seus países.

No segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, decidiu obrigar o BNDES a antecipar o pagamento de dívidas que só venceriam nas próximas quatro décadas. A motivação era uma só: como o Tesouro capta recursos no mercado ao custo aproximado da taxa básica de juros (Selic) e os emprestava ao BNDES cobrando a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) - na época, metade da Selic -, havia ali um subsídio explícito; além disso, o BNDES emprestava os recursos a juros negativos, uma forma de subsídio implícito; o pré-pagamento da dívida pelo banco diminui de forma significativa a conta de subsídios.

Interessado em reduzir drasticamente o gasto com subsídio, o governo Temer decidiu acelerar os pré-pagamentos do BNDES, aproveitando, inclusive, o fato de o banco ter dinheiro em caixa, graças à baixa demanda por seu crédito nos últimos anos. Inicialmente, decidiu-se que a instituição devolveria, ao longo de três anos, R$ 100 bilhões dos mais de R$ 500 bilhões que devia ao Tesouro. Depois, elevou-se o montante para R$ 280 bilhões, a serem pagos em prazo menor - dois anos.

Com isso, a conta de subsídio vem recuando e, consequentemente, diminuindo a pressão desse item da despesa sobre a dívida pública, que cresceu de forma exponencial nos últimos anos da gestão Dilma. Em 2015, a União gastou R$ 128,8 bilhões com subsídios. Por causa dos pré-pagamentos do BNDES, a despesa caiu para R$ 115,3 bilhões em 2016 e, no ano passado, para R$ 84,3 bilhões. A economia, apenas em 2017, foi de R$ 30,4 bilhões, dinheiro suficiente para bancar o programa Bolsa Família durante um ano.

A dívida bruta, por causa desse esforço fiscal, não chegou, no fim de 2017, aos 80% do Produto Interno Bruto (PIB) projetados pelo mercado. Estacionou em 74% do PIB e deve se manter neste nível em 2018. Evidentemente, outros fatores, como a queda acentuada da inflação e, consequentemente, da taxa Selic, contribuíram para conter a evolução da dívida pública.

Estratégia envolveu mudança da TJLP, que deixou de ser usada como referência dos financiamentos do BNDES, tendo sido substituída pela TLP (taxa de longo prazo que, em cinco anos, convergirá para uma taxa de mercado), foi fundamental para a redução dos subsídios. Na verdade, a combinação das medidas de política econômica criou as condições para a melhora geral da economia desde maio de 2016.

Uma olhadela nos resultados comprova os méritos do caminho escolhido: a inflação caiu de 10% em 12 meses para menos de 3%; a taxa Selic recuou de 14,25% para 6,5% ao ano; o juro real está em torno de 3%; e o ritmo de expansão do PIB saiu de contração de 3,6% em 2016 para alta de 1% em 2017 e 3% em 2018 e em 2019, conforme projeções do mercado.

Trata-se de um crescimento do PIB baixo? Nem tanto. Com a população crescendo em torno de 0,5% ao ano, se a economia avançar esses 3%, a renda per capita aumentará 2,5% ao ano no biênio 2018-2019. Nada mal para algo que recuou mais de 10% durante a recessão de 2014-2016.

Esse esforço fiscal permitiu acumular, em 2017, uma sobra de R$ 29 bilhões em despesas não realizadas, isto é, esse montante é a folga gerada dentro do teto constitucional dos gastos, mecanismo criado pelo atual governo para evitar que as despesas cresçam acima da variação da inflação. Neste ano, a sobra esperada é de R$ 92 bilhões. Como esses recursos podem ser "transferidos" para o ano seguinte, a Fazenda, na prática, criou uma janela de dois anos, durante os quais o governo teria algum tempo para aprovar medidas, como a reforma da Previdência, que alterem a estrutura de gastos da União. Sem reforma, em 2020 o teto será desrespeitado.

Agora está tudo resolvido? Claro que não! O governo ainda não eliminou o déficit primário, conceito que não contabiliza a despesa com juros da dívida. O rombo diminuiu - para 1,7% do PIB e, em 2018, deve ficar em 2,2% do PIB -, mas é alto e inaceitável - o Estado tem que se financiar com o que arrecada em tributos, do contrário, endivida-se sempre e torna o país vulnerável a crises.

Nilson Teixeira: o economista dos economistas
Melhor representante da classe de economistas que se negam a torturar os números para provar suas teses, Nilson Teixeira vai fazer falta ao banco Credit Suisse, onde atuou por 17 anos. Carioca que teve a ousadia de abandonar um emprego estável e bem remunerado no BNDES, Nilson é uma espécie de "economista dos economistas".

Obcecado por estudos que desmoralizem a sabedoria convencional, divulgava todo fim de ano um "livrão" com cenários para o Brasil, um panorama original e amplo sobre contas nacionais, finanças públicas e o que esperar de Brasília (as análises políticas ganharam destaque nos últimos anos). Num evento prestigiado por não menos que mil pessoas, entre economistas, gestores e CEOs de médias e grandes empresas, Nilson comandava, em grandes palcos de São Paulo, um verdadeiro show, onde transformava temas econômicos áridos em assuntos palatáveis.

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