sábado, 3 de março de 2018

Gilvandro Coelho *: Tempo, memória e esperança

Publicação: 16/12/2017 – Diário de Pernambuco

Com a proximidade do Natal e do Ano Novo, as lembranças são inevitáveis. O balanço da vida. 

Como disse Norberto Bobbio - para os que, como ele (e como eu) - tiveram a graça de viver bastante, “o tempo é mais para entender o sentido de nossa vida”. Lembro-me de minha meninice na Paraíba. Meus pais, Maria e Eusébio, meus avós, meus tios, meus irmãos e primos. O sítio de Tambiá. Os primeiros estudos no Lyceu paraibano. Penso em Dom Carlos Coelho, que me orientou como parente e amigo nos meus primeiros anos como um verdadeiro preceptor. A ele devo o gosto pelo jornalismo. Penso nas constantes transferências de minha família, inicialmente para Minas Gerais, depois, Rio de Janeiro e, finalmente, Recife, acompanhando o pai, funcionário público federal. Aqui iniciei meus estudos superiores na Faculdade de Direito do Recife – UFPE, onde, depois, também estudaram meus irmãos, Germano e Fernando. Minha filha Maria Letícia e meus netos Rodrigo e Ana Luíza. Formei-me na Turma de 1945.

Tenho saudades de todos os meus colegas. Dos grupos de estudo que se formavam em minha casa, na Rua Montevideo, nº 170. E também na Praça do Derby, em casa do meu colega Marcos de Sá Pereira Freire, com cuja irmã, Maria Luíza (Zita) vim a me casar, com as bênçãos dos seus pais, desembargador Genaro Freire e de Dona Annete. No ano de minha formatura, uma tragédia aconteceu: Demócrito César de Souza Filho, um dos colegas do grupo de estudos foi assassinado pela polícia política estatal na sacada deste Diario de Pernambuco quando aguardava o discurso de Gilberto Freyre para encerrar a passeata que marcou a primeira manifestação pública dos estudantes do Recife em favor da paz mundial vislumbrada com a vitória aliada sobre as forças de Hitler e contra a política ditatorial do presidente Getúlio Vargas.

Como acontece nos ambientes de ditadura, o inquérito realizado concluiu que foi um crime de multidão e, assim, não seria possível identificar o autor dos disparos, nem indicar alguém, mesmo que nessa mesma ocasião tivesse sido morto o carvoeiro Manoel Elias, que transitava pelo local. Éramos todos jovens de pouco mais de vinte anos e não nos foi possível comemorar a formatura de um grupo que sonhava ser livre sob a proteção de um Direito justo e democrático. Não houve discurso na solenidade de formatura. Preferimos o silêncio como grito eloquente contra os que mataram o nosso colega. Por ousar divulgar notícias referentes ao triste acontecimento, o Diario de Pernambuco foi empastelado, mas voltou a circular depois da decisão magistral e corajosa do juiz Luiz Marinho. O início de minha vida profissional contou com o apoio de Mário Baptista e Torquato Castro, em cujos escritórios tive a honra de trabalhar.

Com a morte do meu pai aos 54 anos de idade, a família sofreu um grande golpe. Irmão mais velho entre 10, posicionei-me de forma mais intensa ao lado de minha mãe para acompanhar meus irmãos crescerem, estudarem e se casarem. Dona Maria foi firme como um rochedo. Determinada, educou, formou e casou os filhos. Eu a vi entrar na Igreja com os filhos homens, além de mim, Germano, Valêncio, Marcelo e Fernando. Fiz, porém, as vezes do meu falecido pai, e conduzi minha irmã Célia ao altar. A família cresceu ainda mais. Vieram os novos irmãos e irmãs: Barreto, Norma, Cyro, Silvio, Geraldo, Beta, Isolda, Déa e Rands. Depois os sobrinhos, os sobrinhos-netos e mais recentemente os sobrinhos-bisnetos. Sou pai de três filhos, avô de nove netos e bisavô, até agora, de seis bisnetos.
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* Advogado, procurador do TCE (aposentado) e professor de Direito da Unicap (licenciado

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