terça-feira, 6 de março de 2018

João Cabral de Melo Neto: Pedra do Sono

Dentro da perda da memória
uma mulher azul estava deitada
que escondia entre os braços
desses pássaros friíssimos
que a lua sopra alta noite
nos ombros nus do retrato.

E do retrato nasciam duas flores
(dois olhos dois seios dois clarinetes)
que em certas horas do dia
cresciam prodigiosamente
para que as bicicletas do meu desespero
corressem sobre os seus cabelos;

E nas bicicletas que eram poemas
chegavam meus amigos alucinados.
Sentados em desordem aparente,
ei-los a engolir regularmente seus relógios
enquanto o hierofante armado cavaleiro
movia inutilmente seu único braço.

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