quarta-feira, 28 de março de 2018

Lula, o 'ficha-suja': Editorial | O Estado de S. Paulo

Se a Lei da Ficha Limpa vale o papel em que está escrita, o ex-presidente Lula da Silva tornou-se na segunda-feira passada, oficialmente, um “ficha-suja” – isto é, não pode ter sua candidatura a qualquer cargo eletivo aceita pela Justiça Eleitoral, em razão de condenação judicial em duas instâncias.

A ressalva sobre a validade da lei é necessária porque, diante do atual comportamento errático do Judiciário, muitas vezes contrário à própria Constituição, pode ser que a Lei da Ficha Limpa acabe sendo ignorada nos tribunais superiores em favor do poderoso demiurgo de Garanhuns.

Em situação normal, a decisão da 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) de negar o derradeiro recurso da defesa de Lula contra a condenação a 12 anos e 1 mês de prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, enquadra o ex-presidente na Lei da Ficha Limpa, sem qualquer sombra de dúvida. Conforme o texto da lei, são considerados “ficha suja”, ou seja, inelegíveis, os que, como Lula, forem condenados por corrupção e lavagem de dinheiro “em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”. O órgão judicial colegiado, neste caso, é a 8.ª Turma do TRF-4, composta por três desembargadores, que impuseram a Lula uma nova derrota por 3 a 0.

Mas o País não vive uma situação normal. Nada garante que criativos luminares da hermenêutica jurídica nos tribunais superiores permitam que prevaleça uma interpretação marota da Lei da Ficha Limpa, sob medida para Lula, tornando-a letra morta. Não é difícil imaginar tal desfecho. Basta lembrar que o ex-presidente já poderia estar preso, mas continua livre e verboso graças a uma heterodoxa decisão do Supremo Tribunal Federal, que lhe concedeu generoso salvo-conduto, válido pelo menos até o julgamento de seu pedido de habeas corpus, marcado para o próximo dia 4 – isso se nenhum ministro pedir vista, postergando a conclusão do processo para as calendas.

É claro que os rábulas petistas apostam que os tribunais superiores vão acabar se dobrando às suas chicanas, não apenas para manter Lula fora da cadeia, mas também para viabilizar sua candidatura. A estratégia, explícita, é embaralhar a interpretação da legislação de tal modo que o debate jurídico se arraste até depois das eleições, quando então, imaginam os petistas, haverá o fato consumado da vitória de Lula. “Tecnicamente, ele (Lula) não está inelegível”, disse ao Valor o deputado e advogado petista Wadih Damous (RJ), um dos protagonistas da defesa da presidente cassada Dilma Rousseff no processo de impeachment. “Quem decreta (a inelegibilidade) é o Tribunal Superior Eleitoral. Será uma situação muito interessante, com Lula vencedor no primeiro turno, com milhões de votos, e o Poder Judiciário tendo de decidir se impede a vontade popular.”

Mais uma vez, como já se tornou comum em sua história, o PT lança um repto às instituições, em particular ao Judiciário. E essa provocação é ainda mais escandalosa porque se dá no mesmo momento em que Lula da Silva desfila pelo País a desafiar os juízes e promotores que ousam condená-lo – um deles já foi qualificado de “moleque” pelo ex-presidente, que se considera, nada mais, nada menos, que um “perseguido político”.

Como tudo o que tem envolvido essa epopeia burlesca de Lula da Silva para se safar da Justiça, a tal “caravana” do ex-presidente – oficialmente destinada a “perscrutar a realidade brasileira”, a celebrar “as grandes transformações pelas quais o País passou nos governos petistas” e a denunciar “o deliberado desmonte dos programas e políticas públicas de desenvolvimento e inclusão social, que vem sendo operado pelo governo golpista desde 2016” – não passa de uma farsa destinada a manter o condenado Lula em evidência.

Como demonstração de força, contudo, a “caravana” tem sido até aqui um completo fiasco, ganhando o noticiário apenas em razão dos episódios de violência protagonizados tanto por petistas quanto por seus antípodas. Assim, sem o povo ao seu lado, Lula joga todas as suas fichas na fragilidade das instituições. Para o bem do País, ele não pode ganhar.

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