quarta-feira, 21 de março de 2018

Maioria no STF quer que Cármen rediscuta segunda instância

A maioria dos ministros do Supremo defende a volta da discussão sobre a prisão em 2ª instância. Para Celso de Mello, a presidente do STF, Cármen Lúcia, passará por “constrangimento inédito” por não ter pautado a discussão.

Impasse supremo

Ministros indicam que tema pode ser levado hoje ao plenário, sem apoio de Cármen

André de Souza e Renata Mariz | O Globo

-BRASÍLIA- A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) defende que o plenário volte a discutir a possibilidade de réus serem presos em segunda instância, apesar da resistência da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. A pressão, que já era grande, aumentou ainda mais ontem. Partiu do ministro mais antigo da Corte, Celso de Mello, o aviso direto: a resistência de Cármen em pautar no plenário do STF duas ações que tratam de prisão após condenação em segunda instância poderá levá-la a vivenciar um constrangimento na sessão de hoje. Qualquer ministro poderá apresentar uma questão de ordem diretamente no plenário do STF para que o tema seja analisado, contrariando a vontade da presidente, o que, nas palavras de Celso, seria uma cobrança “inédita na História do Supremo”.

O próprio decano ou o ministro Marco Aurélio Mello, relator das ações, poderiam provocar a discussão. Nenhum deles confirmou ou descartou que fará isso.

— Eu não sei se tenho a intenção (de levantar a questão de ordem). Vou colocar a cabeça no travesseiro — disse Marco Aurélio.

Desde 2016, por decisão do próprio STF, a regra é executar a pena após a condenação em segunda instância. Se houver uma reversão de entendimento, a prisão pode ser possível apenas após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que na prática funcionaria como uma terceira instância. Há inclusive duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs), relatadas por Marco Aurélio, já liberadas para julgamento, mas Cármen Lúcia resiste em marcar uma data.

Pelo regimento do STF, cabe à presidente “decidir questões de ordem ou submetê-las ao tribunal quando entender necessário”. Neste cenário, a presidente tem três alternativas: decidir sozinha; abrir para o plenário; ou simplesmente não examinar o pedido. A praxe, no entanto, é que as questões de ordem sejam apreciadas pelo colegiado até por uma tradição democrática e por cortesia entre os ministros.

REUNIÃO PREVISTA ACABOU NÃO OCORRENDO
As declarações de Celso, favorável à mudança na regra da execução da pena, foram dadas após atritos com Cármen Lúcia em torno de uma reunião marcada para ontem para discutir o tema. O encontro, acertado na quarta-feira da semana passada, não chegou a ocorrer. Foi Celso quem o sugeriu, mas ele disse que ficou acertado que caberia a Cármen convidar os demais ministros. Ela não fez isso. A assessoria da presidente do STF informou que em nenhum momento ela entendeu que deveria chamá-los. Disse apenas que os receberia, deixando a cargo de Celso os convites. Vários ministros do STF ouvidos pelo GLOBO disseram que não chegaram a ser convidados e não sabiam da reunião.

— Eu apenas me reuni com a presidente para evitar que na (última) quinta-feira (no plenário) houvesse cobrança pública dirigida a ela em sessão plenária. Para evitar que a presidente sofresse uma cobrança inédita na história do Supremo que eu ponderei aos colegas que seria importante uma discussão interna, simplesmente para troca de ideias e nada mais — disse Celso de Mello.

Segundo ele, a saída para o problema é a presidente do STF exercer sua atribuição de pautar as duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) no plenário. Mas, diante da resistência dela, questionado se um ministro poderia levar uma questão de ordem para provocar o julgamento, Celso de Mello respondeu que “talvez”, mas ponderou:

— Isso nunca aconteceu na história do Supremo. Ao menos nos quase 29 anos que estou aqui. É para evitar um constrangimento inédito que se sugeriu e a presidente aceitou esse encontro. Indagado se ele mesmo apresentaria essa questão de ordem, Celso disse:

— Não sei. Vamos aguardar amanhã (hoje).

Questionado sobre quem deve decidir a questão de ordem, o ministro afirmou:

— Não sei, mas acho que uma eventual questão de ordem deve ser objeto de julgamento por parte de todo o tribunal. Não será um julgamento monocrático (definido apenas por um ministro), mas um julgamento necessariamente colegiado (por todos) — afirmou, antes de completar: — A não ser que a presidente opte por não colocar em debate. Mas eu acredito que a ministra Cármen se notabilizou por seu espírito responsável e claramente democrático.

Embora a maioria entenda que é preciso debater novamente o assunto, o decano não soube dizer se há mais de cinco votos para mudar o entendimento da Corte.

— É importante que haja uma definição em um sentido ou em outro. O fundamental é que o processo já iniciado seja concluído.

Ontem, Marco Aurélio Mello criticou o juiz Sergio Moro — da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos processos da Operação LavaJato na primeira instância — após ele dizer, em uma decisão judicial, que seria “desastrosa” uma eventual mudança no entendimento.

— Tempos estranhos. Juiz de primeiro grau fazendo apelo a ministro do Supremo — disse Marco Aurélio.

Também ontem, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou dois recursos contra a decisão tomada em 2016 pelo plenário da Corte. Esses recursos eram vistos como uma possibilidade de driblar a resistência da presidente do STF em pautar o tema. Mas o próprio Fachin destacou agora que eles também dependem de inclusão no calendário de julgamento, o que é justamente uma atribuição da presidente da Corte.

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