domingo, 11 de março de 2018

Presidente tem de receber tratamento diferenciado, diz ministro da Justiça

Para Torquato Jardim, Temer tem funções essenciais de chefe de Estado que ficam prejudicadas com uma suspeita não fundamentada

Gustavo Uribe, Letícia Casado | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro da Justiça, Torquato Jardim, 68, defende que o presidente Michel Temer tenha um tratamento diferenciado em razão do cargo que ocupa.

Foi o argumento usado por ele para criticar a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso de quebrar os sigilos bancários e fiscal do presidente, no período de 2013 a 2017, no inquérito que investiga a suspeita de pagamento de propina na edição de um decreto do setor portuário.

Jardim disse à Folha que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, precisa acertar o passo com o seu antecessor, Rodrigo Janot.

Isso porque Dodge, ao contrário de Janot, pediu a inclusão do emedebista no inquérito que apura repasses da Odebrecht ao MDB em 2014, período anterior ao mandato presidencial de Temer. O ministro revelou que se discutiu decretar um estado de defesa no Rio de Janeiro, que autoriza a restrição de reuniões e a quebra de sigilos.


• Folha - Por que o sr. discorda da quebra dos sigilos do presidente?

Torquato Jardim - Acho equivocada porque inclui períodos em que ele (Temer) não era presidente. Essa é a questão. O decreto dos portos se refere a 2017. Se ele [Barroso] tem dúvidas e indícios, tem de motivar e fundamentar o ato e se conter ao período em que ele [Temer] já era presidente.

• A quebra do sigilo no período do mandato é, portanto, aceitável.

Seria tecnicamente e processualmente correto. Mas pede ponderação. Não se fez isso com nenhum presidente até hoje. É preciso termos conhecimento claro e objetivo das razões que levam à quebra do sigilo –mas somente do período em que ele está no cargo. Caso contrário, cria suspeita contra o cargo de presidente. Não é sobre apenas a pessoa, mas a incolumidade da função. Ele tem funções essenciais de chefe de Estado que ficam prejudicadas com essa suspeita não fundamentada. O Brasil nas próximas três ou quatro semanas, liderando o Mercosul, deve talvez fechar acordo comercial com a União Europeia. No auge de uma negociação, sai uma notícia de impacto comercial. É obvio que há prejuízo.

• Então o presidente deveria ter tratamento diferente dos outros cidadãos se existe uma suspeita de corrupção?

Sim, porque ele é presidente e a Constituição permite isso. Se fosse para ser tudo igual, não haveria o parágrafo 4, artigo 86 (de que o presidente "na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções").

• Há divergências sobre o entendimento do parágrafo 4.

Sempre haverá divergências. Eu estou dando a minha opinião.

• Ministros do STF e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tiveram outro entendimento.

Não é o meu. Quando você interpreta a Constituição, interpreta a Constituição. A compreensão de outros, e não vou nomear, é interpretar a Constituição como se fosse cláusula de Direito Processual Penal.

• O presidente não pode ter o sigilo quebrado se há suspeita de corrupção?

Se for um fato circunscrito ao exercício do mandato, sim, desde que muito bem fundamentado. Isso é o que eu quis dizer. Pelo dano que se causa à instituição Presidência da República.

• A procuradora-geral errou ao incluir Temer no inquérito da Odebrecht referente a repasses ao MDB em 2014?

Quem tem de acertar o passo é ela com o Janot [Rodrigo Janot, ex-procurador-geral]. O Janot arquivou.

• Janot, então, agiu melhor que a Dodge?

A minha interpretação é a do Janot.

• Mas não incluí-lo no inquérito não passa a ideia de que o presidente está acima do bem e do mal?

Não, quem diz isso é a Constituição.

• Há a possibilidade de o presidente ser alvo de novas denúncias por irregularidades.

Não creio, a investigação está muito longe disso. Não há o que justifique isso.

• Mas ele ainda tem mais nove meses no cargo.

Aí é ficção científica e eu não comento ficção científica.

• A execução da pena deve ocorrer após condenação em segunda instância?

Sim, sempre fui a favor.

• É necessário que o STF rediscuta o tema neste momento?

O problema que o STF enfrenta é institucional, interno e grave. Tem de decidir porque essa insegurança prejudica todo o sistema. A grande razão é a isonomia econômica. Pobre não tem advogado bacana para recorrer em Brasília e vai para a cadeia.

• É possível fazer isso mesmo com a discussão de que seria um casuísmo por causa do ex-presidente Lula?

Pois é, o fator Lula perturba a oportunidade do debate. Mas deve ser feito neste momento, sim, o mais rápido possível, independentemente do Lula.

• O senhor não concorda com a ministra Cármen Lúcia de que rediscutir isso agora seria apequenar o STF?

Acho que a corte tem de enfrentar as questões constitucionais fundamentais demandadas pela sociedade. E "timing" é irrelevante, o fator pessoal de quem quer que seja não pode afetar o "timing". Não estamos falando de Lula, estamos falando de milhares de brasileiros. Essa indisciplina intelectual da instituição perturba.

• A intervenção federal solucionará o problema da insegurança no Rio?

Vai solucionar, mas não em poucos meses. Com o tratamento de choque, haverá bons resultado. Será feita nova avaliação em dezembro. Dependendo do presidente que for eleito, pode haver entendimento para não suspender.

• Se não resolver com a intervenção federal, pode-se adotar medida mais drástica, como estado de defesa?

O estado de defesa é mais drástico porque suspende algumas garantias constitucionais, porém, funciona apenas 30 dias prorrogáveis por mais 30 dias. Esse é o problema. Isso foi muito considerado.

• O estado de defesa, então, não foi adotado por causa do tempo?

Pelo tempo. O tempo do estado de defesa não pode ser superior a esse período, está na Constituição. Por que ele é no curto prazo mais violento? Porque restringe reunião, mesmo que sindical e de associações, quebra sigilo de correspondência e de comunicação telegráfica e telefônica. Isso é muito severo, muito forte.

• Ele está descartado para o futuro?

Neste governo, está descartado.

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