quinta-feira, 29 de março de 2018

Ricardo Noblat: “Fora da lei, nada!”

- Blog do Noblat

Recado aos incendiários

A quem interessa, a essa altura, a exacerbação dos ânimos políticos? Quem tiraria vantagens dela, ou pensa que tiraria? Ou quem menos perderia se ela avançasse? A saber, e não necessariamente nesta ordem.

Interessa ao PT xucro para trazer seus militantes de volta às ruas. Pois é cada vez mais precária a situação de Lula. Ficha suja, impedido de ser candidato, corre o risco de ser preso se o Supremo Tribunal Federal não der um jeito nisso. E, sem Lula, que jamais deixou alguém se criar à sua sombra, o partido teme colher uma baita derrota em outubro próximo

Interessa à parte da direita também xucra que apoia a candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSL) à presidência da República. O clima de radicalização favorece à eleição dele. Mas Bolsonaro precisa desesperadamente que Lula seja o seu opositor. A não ser, a suspensão das eleições estaria de bom tamanho para Bolsonaro.

Interessa aos que defendem pura e simplesmente uma intervenção militar, clamam pelo golpe, jogam ovos e pedras em quem odeiam e ameaçam com tiros à esmo. Eles podem não ter grande expressão eleitoral, mas são influentes e fazem muito barulho. O golpe militar de 64, logo de início, contou com amplo apoio popular.

Interessa à fatia burra dos políticos suspeita de corrupção que alimenta o sonho de que assim escaparia aos rigores da Justiça, que por sinal, já foram maiores no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Tais políticos seriam os primeiros, em um caso desses, a serem presos como prova irrecusável da suposta seriedade do novo regime de exceção.

Talvez não interesse pessoalmente ao presidente Michel Temer, nunca se sabe nem se saberá. Mas interessa aos que imaginam em torno dele que a prorrogação do mandato atual de Temer poderia ser engolida como única saída palatável e aparentemente legal entre aspas para enfrentar a tragédia de um país em chamas.

Seria preciso combinar com os militares, naturalmente. E os fardados, pelo menos (não confundi-los com os de pijama), não emitem sinais de que concordariam com isso. Sempre que consultados pelas alvoroçadas vivandeiras de quartéis, sacam de um exemplar da Constituição e respondem: “Se está previsto aqui, pode. Se não está, não pode”.

Às vésperas do impeachment de Dilma, com a discrição exigida por assunto tão delicado, alguns nomes do PT chegaram a sondar graduados do Exército sobre a possibilidade de o governo vir a decretar Estado de Sítio no país. Ouviram um sonoro “não”. Fora da legalidade, não há salvação. O mundo mudou. E o Brasil acompanhou a mudança.

Assisti de perto a primeira eleição da história de Angola depois do período como colônia de Portugal e de mais de 25 anos de guerra civil. Foi no início dos anos 90. Durante a campanha, muita gente morreu, inclusive auxiliares do então presidente da República. Mas a eleição se realizou. E a ONU declarou que seus resultados foram livres e justos.

Aqui não é Angola. E hoje, nem Angola é mais o que foi. Por lá, o presidente recém-eleito demitiu os filhos do antecessor, mandou processá-los por corrupção e governa de acordo com a lei.

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