segunda-feira, 19 de março de 2018

Violência caracteriza política no RJ

Cristian Klein e André Guilherme Vieira | Valor Econômico

RIO E SÃO PAULO - A atividade política é claramente mais vulnerável no Rio do que no restante do País. Um levantamento da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) mostra que, de 79 políticos assassinados no Brasil de 2000 a 2016, 13 foram no Estado, que lidera o ranking nacional.

A vereadora carioca do Psol Marielle Franco, assassinada na quarta-feira, distoa do perfil que predomina nos demais casos, em que são mais frequentes as mortes de candidatos de siglas associadas à centro-direita. A autoria do crime contra Marielle, com repercussão internacional, segue sem solução. A principal suspeita recai em milicianos, dado o quadro de descontrole existente na Polícia Militar. Mas especialistas lançam suspeita também sobre o tráfico.

Estudo mostra que Rio é líder em assassinato de políticos no Brasil
Levantamento com dados preliminares de um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) mostra que 79 candidatos foram assassinados nas eleições ocorridas entre 2000 e 2016. Os casos diferem da execução da vereadora Marielle Franco (Psol), que não estava em campanha. Mas indicam os riscos da atuação política, que vão além do período eleitoral. Do total dos assassinados, 63 (80%) foram postulantes a vereador, seis a prefeito e três a vice-prefeito - ou seja, 91% dos casos no âmbito municipal. Os outros 9% correspondem a quatro deputados estaduais e três federais.

O Rio de Janeiro é o Estado que concentra o maior número de assassinatos, 13 (16,5%), seguido por São Paulo com nove (11,9%) e Pernambuco com sete (8,9%). Os homicídios ocorreram em 22 das 27 Unidades da Federação. A autoria do Estudo, com o título " Violência e Eleições: Brasil e Rio em perspectiva Comparada " é do cientista político Felipe Borba e do mestrando Ary Nogueira.

No Rio de Janeiro, especificamente, as mortes se distribuem por dez municípios e dez diferentes partidos. No Brasil, os assassinatos atingiram candidatos de 25 partidos. A sigla com o maior número de políticos mortos é o PSDB com dez casos (12,7%), seguido pelo PMDB e PP, ambos com nove (11,4%). No PT, há três assassinados entre 2000 e 2016.

"A literatura especializada sinaliza que a violência eleitoral é ocasionada principalmente pelo receio dos grupos envolvidos de perderem acesso aos recursos do Estado", afirmam os autores do estudo.

A maioria absoluta dos políticos mortos em campanha é do sexo masculino (93,7%). Há pouca distinção entre os candidatos por nível de escolaridade e ocupação profissional: 41% dos candidatos tinham o ensino médio, 35,4% o ensino fundamental e 22,8% o ensino superior. A categoria predominante é a de agricultores ou pecuaristas (12,6%).

Negligência estatal levou PM fluminense à ruína
Má formação de soldados, falta de supervisão da atividade policial e baixo investimento em estrutura levaram, ao longo de décadas, ao atual quadro de anomia, ineficiência e criminalização da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PM-RJ), na avaliação de pesquisadores e especialistas em Segurança Pública entrevistados pelo Valor.

"Os dados mostram uma negligência, uma omissão de décadas do Estado para com a PM do Rio", avalia Ilona Szabó de Carvalho, diretora-executiva do Instituto Igarapé e estudiosa da Segurança Pública no Brasil.

Assassinada com quatro tiros na cabeça na noite de 14 de março, em um cenário com evidências de crime premeditado, a vereadora Marielle Franco (PSOL) era uma crítica obstinada da violência contra mulheres e negros. A principal linha de investigação da Polícia Federal (PF), destacada pelo ministro da Segurança Raul Jungmann para auxiliar a Polícia Civil na investigação do homicídio, aponta que Marielle pode ter sido executada por milicianos - em geral policiais ou ex-policiais que, associados em bandos, empregam violência para achacar moradores de favelas em troca de "proteção" e serviços como transporte clandestino, venda de botijões de gás e fornecimento ilegal de TV a cabo.

"A violência no Rio é um produto da PM e dos governos que não fizeram absolutamente nada durante décadas", critica o ex-secretário nacional de Segurança Pública no governo Fernando Henrique Cardoso, José Vicente da Silva Filho, coronel aposentado da PM paulista.

"No Rio, a PM está entrelaçada com o crime. Nunca houve um trabalho de estímulo à integridade do policial, nem de qualificação da formação do soldado, do treinamento. Simplesmente não existe gestão ou qualquer investimento em tecnologia", denuncia José Vicente.

O ex-secretário nacional de Segurança Pública afirma haver, no Rio, uma distância muito grande entre o soldado que sobe o morro e troca tiros com traficantes e o oficial a quem cabe supervisioná-lo.

"Não se pode deixar o trabalho de correição somente para a corregedoria, que fica num prédio no centro, afastada das ações de campo. Esse trabalho de disciplina depende da supervisão imediata de quem comanda os policiais, é feito no dia-a-dia. É preciso ter o olho no olho", ensina o ex-secretário.

A pesquisadora Ilona Szabó de Carvalho concorda com José Vicente. Na opinião dela, faltam formação qualificada e equipamentos básicos para a PM fluminense.

"A PM do Rio é sucateada. Não há formação continuada dos policiais e simplesmente não tem equipamento porque nunca houve uma modernização dessa polícia", afirma a pesquisadora.

Ilona traça um paralelo entre as forças policiais militares do Rio e de São Paulo. Ela afirma que a corporação paulista passou por um processo de aperfeiçoamento depois do episódio que ficou conhecido como "o caso da Favela Naval", ocorrido em 1997 em Diadema, na Grande São Paulo, que teve repercussão internacional.

"Depois da favela Naval, criou-se em São Paulo uma preocupação com a qualificação do policial que sai da academia e com a utilização de tecnologia para prevenção e esclarecimentos de crimes. Houve modernização. Já nos batalhões do Rio de Janeiro os boletins de ocorrência ainda são feitos à mão", relata Ilona. Segundo ela, a PM fluminense sequer possui sistema informatizado para gestão de Recursos Humanos e controle de ausências, afastamentos e férias dos policiais. "É tudo feito no papel".

Para o coronel José Vicente, o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) falhou no aspecto estratégico de ocupação de espaços. "Pelos dados mais atuais [do Fórum Brasileiro de Segurança Pública], o Leblon, bairro da Zona Sul da capital, tem 1 policial para 400 habitantes. Já Belford Roxo, município muito mais violenta, tem 1 policial para 1900 habitantes. O morador de Belford Roxo está evidentemente mais exposto ao crime".

Intensificadas com a aproximação da Copa do Mundo de 2014, as UPPs acabaram convertidas em uma espécie de "cinturão de segurança" no entorno de locais onde ocorreriam jogos do campeonato mundial de futebol e eventos esportivos da Olimpíada de 2016. É o que concluiu pesquisa realizada pelo Laboratório de Análise da Violência (LAV), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), coordenada pelo pesquisador Ignácio Cano a partir de 2012.

Sobre a corrupção na PM paulista, José Vicente da Silva diz que é um problema real mas, ao contrário do que acontece no Rio, a força policial de São Paulo não apresenta sintomas de "metástase". "Em São Paulo os policiais trabalham com segurança privada na hora de folga. E também para a prefeitura, policiando áreas de interesse da municipalidade. São meios de complementar a renda", diz José Vicente. "O problema ocorre quando o policial prioriza a atividade privada em detrimento da PM", alerta.

Para ex-capitão, motivação para assassinato ainda é nebulosa
Especialista em segurança, ex-capitão da Polícia Militar do Rio que inspirou o personagem Capitão Nascimento, no filme "Tropa de Elite", Rodrigo Pimentel considera um "crime extremamente ousado e inédito" o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, não descarta que a execução tenha sido cometida por traficantes e critica a entrada da Polícia Federal na investigação.

"Acho absurdo o governo Temer tentar federalizar as investigações. Não que a Polícia Federal não seja confiável, mas ela é especializada em crime de colarinho branco. É quase como se quisessem encerrar as investigações", afirma, em entrevista ao Valor.

Pimentel rebate a hipótese de que os principais suspeitos da morte de Marielle seriam policiais, já que a vereadora denunciava abusos cometidos por PMs. Acha prematuro fazer qualquer tipo de suposição. Lembra que Marielle nem era autora do post que reclamava dos excessos do 41º Batalhão de Acari. A vereadora, diz, tinha apenas replicado mensagem original do coletivo de mulheres negras, sem nominar culpado.

"O crime tem que ter motivação. Esse caso é diferente do assassinato da juíza Patricia Acioli, em 2011, que iria condenar na semana seguinte os policiais que a mataram", argumenta.
O especialista também questiona a ideia de que o objetivo da execução seria o de enfrentar e "chocar" a intervenção federal, por supostas modificações das Forças Armadas na rotina e nos interesses dos policiais, agora sob o comando do interventor, o general Braga Netto. "Como se a intervenção estivesse dando certo, prendendo muita gente...", afirma. Para Pimentel, ainda não houve tempo nem medidas tomadas que tenham deixado algum policial "magoado" ou "furioso" a ponto de provocar uma retaliação.

O novo comandante-geral da Polícia Militar, coronel Luis Cláudio Laviano, tomou posse no dia da execução de Marielle. E o novo chefe da Polícia Civil, delegado Rivaldo Barbosa, assumiu na véspera. "O interventor demorou quase um mês para indicá-los. E agora estão preocupados em montar seus gabinetes, escolher os comandantes... Nada aconteceu que justifique. É frágil dizer que a morte de Marielle é reação à intervenção", afirma.

Para Pimentel, o assassinato de Marielle é "tão inusitado", pela aparente falta de motivação, que pode ser tudo - crime político, cometido por traficante, milícia, polícia - "só não é um latrocínio". Em sua opinião, se o objetivo dos autores fosse causar um grande impacto contra a intervenção federal, o alvo não teria sido Marielle, que apesar de combativa, não era o maior ícone entre os políticos defensores dos direitos humanos no Rio. "Seria o Freixo", diz.

No entanto, o deputado estadual, que também inspirou o personagem do professor e deputado Diogo Fraga em "Tropa de Elite", anda cercado de seguranças, desde que presidiu a CPI das Milícias, há dez anos, o que dificulta crime semelhante. "Seria então [os deputados federais] Jean Wyllys, Chico Alencar, [os sociólogos] Ignacio Cano, Luiz Eduardo Soares. Conheci a Marielle há cinco meses. Era doce, agradável, simples. Mas não era pessoa emblemática. Nunca vi um policial reclamar dela. O que ela denunciava não fazia marola. Não era famosa, pouca gente conhecia", afirma.

Para Pimentel, quem executou Marielle "possivelmente não" tinha noção da repercussão que o caso tomaria. "Por esse motivo, não descarto que tenha sido morta por traficantes", diz. O ex-PM lembra que a origem da vereadora é o Complexo da Maré, uma área muito conflagrada, onde o território é dividido entre três facções de traficantes - Amigos dos Amigos, Comando Vermelho, "um pedacinho do Terceiro Comando" - e uma faixa dominada por milicianos. "Num lugar assim, qualquer militante de direitos humanos vai ficar inimigo de alguém. Ser presidente da associação de moradores na Maré é um perigo", diz.

Se o crime foi encomendado por milicianos, afirma Pimentel, isso demonstra que a milícia "pela primeira vez" estaria reagindo às prisões. No mesmo dia da morte de Marielle, na quarta-feira, cinco milicianos foram presos.

Se foi cometido por traficantes, isso sinalizaria que as facções de drogas estariam entrando numa etapa de enfrentamento, num processo de mexicanização da violência, mas não de colombianização, distingue. "No norte do México, prefeitos foram mortos pelo tráfico, mas a situação da Colômbia atualmente já não passa mais por aí. No Brasil, seria o sinal de que as facções perderam a vergonha, qualquer medo do Estado", diz.

Se os autores do crime forem policiais, fariam parte de grupos de extermínio, uma vez que as investigações apontam o envolvimento de pelo menos dois carros. Amigo do novo chefe da Polícia Civil, Pimentel afirma que, a esta hora, Rivaldo Barbosa está mobilizando todos os seus esforços para a eludicação do crime. "Eu diria que em quatro ou cinco semanas, a Polícia Civil já terá identificados os suspeitos", afirma.

Pimentel considera a execução de Marielle um crime "muito especial", inédito, em relação por exemplo ao assassinato de juízes, uma vez que três magistrados já foram mortos nas últimas duas décadas no país, afirma.

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