segunda-feira, 2 de abril de 2018

Almir Pazzianotto Pinto: O STJ como terceira instância

- Diário do Poder

“...no espírito unânime dos povos, uma Constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado, de mais firme e de mais imóvel que uma lei comum”. Ferdinand Lassalle

É correto recolher o réu à prisão, após sentença condenatória proferida por Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal?

A pergunta admite resposta afirmativa em duas situações: 1º) se o réu conformou-se e abdicou de recorrer; 2º) se recorreu após o decurso do prazo legal. Em ambos os casos a decisão transita em julgado e afasta a presunção de inocência, prescrita no artigo 5º, LVII, da Constituição da República (CR).

Determina a Constituição que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, e que “aos litigantes, em processo administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (Art. 5º, LIV e LV).

Quando o réu não se opõe à aplicação da pena, renuncia ao direito de apelar, ou perde o prazo para fazê-lo, não há violação do devido processo legal e foram garantidos o contraditório e o amplo direito de defesa. A sentença passa em julgado. Nada mais há a fazer. O acusado será enviado ao cárcere, para cumprir a condenação.

A Constituição em vigor é a única que adotou o princípio da presunção da inocência até que sentença judicial condenatória passe em julgado, e torne incabível a apresentação de novo recurso. Diz o inciso LVII do artigo 5º: “ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O dispositivo, ao lado de dezenas de outros, integra o rol Dos Direitos e Garantias Fundamentais como cláusula pétrea (Art. 60, § 4º, IV).

A Carta Imperial de 25/3/1824 exigia, para alguém ser preso, “culpa formada, exceto nos casos declarados em lei” (Art. 179). A primeira Constituição republicana, de 24/2/1891, adotava a regra do trânsito em julgado para oficiais do Exército e da Armada. Prescrevia o artigo 76: Os oficiais do Exército e da Armada só perderão suas patentes por condenação em mais de dois anos de prisão, passada em julgado nos Tribunais competentes. O artigo 77 determinava: “Os militares de terra e mar terão foro especial nos delitos militares”. Os parágrafos primeiro e segundo dispunham sobre a criação e a organização do Supremo Tribunal Militar, hoje Superior Tribunal Militar, integrado ao Poder Judiciário.

A Constituição de 1891 assegurava aos acusados “a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela” (Art. 72, § 16). A mesma regra foi adotada nas Constituições de 1934 (Art. 113, nº 24); de 1946 (Art. 141, § 25); de 1967 (Emenda nº 1/69, Art. 153, § 15). Na Carta de 1937, editada para implantar a ditadura do Estado Novo, Getúlio Vargas desprezou o assunto.

Ao dilatar as garantias individuais e coletivas a Constituição ampliou as chances de o réu se defender. Além da exigência do trânsito em julgado criou o Recurso Especial (RESP) ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme reza o artigo 105, III, e disciplinam os artigos 255/257 do Regimento Interno do STJ. Anteriormente à Constituição vigente o réu dispunha de Apelação ao Tribunal de Justiça e do pedido de Revisão, medida análoga à ação rescisória ou “remédio jurídico especial”, na lição de Pontes de Miranda. Hoje, além da Apelação, tem a beneficiá-lo o RESP e o Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (CR, Art. 102, III, a). Assim se explica o volume de recursos que deságuam no STJ e no STF, para obter justiça ou apenas protelar o trânsito em julgado.

Advogados especializados em Direito Constitucional e Processo Penal, exploram as veredas constitucionais e legais no exercício do pleno direito de defesa dos clientes. Os cidadãos comuns deploram a morosidade processual, benéfica a criminosos comuns, corruptos e estelionatários. Não há, porém, muito a fazer, além de protestar. Comentaristas e constitucionalistas improvisados, pouco afeitos às novidades da Constituição de 1988 e às sutilezas de jurisprudência alimentada por decisões monocratas, contribuem para incandescer a confusão. Exige-se demais do leigo quando se lhe cobram que entenda o imbróglio do sistema jurídico-processual.

Hoje, o dilema do Supremo consiste em decidir entre exercer a guarda da Constituição, como determina o Art. 102, ou atender ao clamor popular que exige o cumprimento da pena, independente do trânsito em julgado. A boa solução, salvo melhor juízo, consistiria na supressão do inciso LVII do Art. 5º. Emendada 99 vezes, não haveria problema na aprovação do 100º remendo, tão logo suspensa a intervenção no Rio de Janeiro.

Sendo, de certo modo, tão simples, pergunta-se por que não se faz?

Emenda dessa natureza, de iniciativa do presidente da República, ou apresentada por um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, poderia ser examinada, discutida e promulgada no espaço de poucos dias. Resta descobrir, todavia, como contornar a proibição do Art. 60, § 4º, IV, que veda emendas destinadas a abolir Direitos e Garantias Fundamentais.

Ao assegurar ao réu o direito ao devido processo legal, ao amplo direito de defesa, e exigir o trânsito em julgado da sentença condenatória, a Constituição incorporou, como cláusulas pétreas, dispositivos de Direito Processual Penal.

Erraram os integrantes da Assembleia Nacional Constituinte? Seja a resposta sim, seja não, o fato é que está feito e nem com lipoaspiração poderá ser alterado.

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Almir Pazzianotto Pinto, advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

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