segunda-feira, 16 de abril de 2018

Entrevista: Alberto Aggio

O Partido dos Trabalhadores fez muito mal para a esquerda brasileira, avalia Alberto Aggio. De acordo com ele, além de ter entrado em um mecanismo de corrupção jamais visto, o PT também não acompanhou as transformações ocorridas em todo o mundo

Por Germano Martiniano | FAP

O entrevistado desta semana da série FAP Entrevista é com Alberto Aggio, professor titular da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Historiador pela Universidade de São Paulo (USP), onde também realizou mestrado e doutorado, a trajetória acadêmica dele, em grande parte, voltou-se para o estudo e compreensão da história e questões socioeconômicas da América Latina, especialmente Brasil e Chile. Além dos títulos acadêmicos, que não se finalizaram no doutorado, mas também no pós-doutorado no Chile e na Itália, Aggio também publicou diversos livros, nos quais explorou as questões latino-americanas e também o pensamento gramsciano. Esta entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

A vida política de Alberto Aggio começou no final da década de 1970, na Zona Leste de São Paulo, quando entrou no Partido Comunista Brasileiro (PCB) ficando até seu final. Na fundação do Partido Popular Socialista (PPS), do qual que é filiado atualmente, Aggio se afastou do política por ter sido contra alguns caminhos tomados pelo partido. “Não me afastei porque fui contra a mudança, mas porque discordei dos caminhos pós-mudança”, disse o historiador. Aggio também participou da campanha presidencial de Roberto Freire em 1989 e da Revista Presença, liderada por Luiz Werneck Vianna, até seu final, em 1992.

Aggio possui forte vínculo com o pensamento de Gramsci e com o comunismo democrático. Para o historiador, a questão da democracia é de vital importância. “Sempre achei que o pós-comunismo do PPS deveria avançar para uma esquerda democrática mais ampliada, com liberais avançados e outras culturas políticas democráticas do país”, expôs. Atualmente, Aggio dedica-se ao lançamento de mais um livro, um conjunto de ensaios que tenta repensar precisamente a trajetória recente da esquerda, particularmente no Brasil e na América Latina.

Este “repensar” da esquerda foi um dos temas tratados com Aggio na entrevista para FAP, da qual também é dirigente. Para o historiador, o PT fez muito mal à esquerda brasileira, não apenas a colocando num sistema de corrupção “jamais visto”, como também não a atualizando, rechaçando as mudanças que ocorreram no mundo. “É uma esquerda que vive ainda no século XIX ou XX”, enfatizou Alberto. Além da necessidade de uma nova visão para esquerda brasileira, Aggio também discorreu de temas como a prisão de Lula, Lava Jato e justiça brasileira, eleições 2018 e o que esperar do novo presidente do Brasil.

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista com Alberto Aggio:

• FAP Entrevista – O pré-candidato a presidente da República, Geraldo Alckmin tem sobre si uma acusação de um suposto caixa dois vindo da Odebrecht, nas suas campanhas de 2010 e 2014. O STJ, ao contrário do que pedia a Procuradoria Geral da República, remeteu o processo para a Justiça Eleitoral de São Paulo, alegando que os problemas do tucano se limitam à pratica de caixa dois. Como o senhor avalia essa decisão?

Alberto Aggio – É efetivamente um problema para o pré-candidato Geraldo Alckmin, independentemente de onde este processo dele vá parar. Como é uma questão eleitoral, não é tão absurdo que seja investigado e processado num tribunal afeito às questões eleitorais. A comparação com os esquemas de corrupção do esquema tipo PT me parece exagerada. Ou seja, há que se perguntar se a Odebrecht, que deu dinheiro para as campanhas de Alckmin, teve vantagens indevidas no seu governo e quais vantagens.

• O juiz Sérgio Moro negou, essa semana, qualquer tipo de regalia ao ex-presidente Lula na prisão. O ex-ministro Antonio Palocci também teve o pedido de habeas corpus negado pelo STF. Qual sua visão sobre o discurso petista que acusa a Lava Jato de ser uma operação política?

Não há o menor sentido. Os petistas sempre viram a Lava Jato como um problema, uma vez que eles sabiam dos esquemas que sustentaram nos seus governos. Está claro que a Operação Lava Jato já prendeu pessoas que não são do PT. Estão lá o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha; o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e alguns outros. Antonio Palocci, em especial, foi propositadamente evasivo e difuso nos seus depoimentos até que começasse a falar coisa com coisa. Ainda tem muito a esclarecer. Quanto a Lula, creio que o tratamento está sendo o mais digno possível. Mas, preso é preso. Ele não está lá tirando férias.

• Quem pode atrair os votos que iriam para Lula? Quem ganha com a prisão do ex-presidente?

Quem ganha com a prisão de Lula é o Brasil. É a República e a democracia brasileiras. Os supostos votos de Lula serão garimpados por todos os candidatos que irão competir. Há algumas hipóteses que, dizem, vem das pesquisas e que Bolsonaro vai amealhar boa parte deles. Difícil saber se é verdade. Pode ser. Creio que os candidatos da esquerda filopetista, como Boulos e Manuela, não conseguirão ampliar a transferência de votos. Serão candidatos residuais. Ciro Gomes é uma incógnita e traz grandes problemas de personalidade e de desempenho pessoal por conta do seu temperamento, de forma que o cenário permanece aberto.

• Em artigo publicado na Folha de São Paulo, Bruno Boghossian avalia que a prisão de Lula dilui o debate sobre corrupção e amplia a rejeição à classe política nas eleições 2018. O senhor concorda com esta visão? O que deve pautar o debate dos presidenciáveis?

Creio que a corrupção é uma agenda da sociedade brasileira como um todo. Não creio que perde força com a prisão de Lula, muito ao contrário. Penso que a desmoralização da chamada classe política vai além do tema da corrupção. Há problemas de diversos níveis no sistema político que precisam ser sanados. Mas, como os futuros governantes, a serem eleitos em 2018, vão montar seus governos em relação a esse tema é fundamental. Em relação ao segundo tema, espero que o debate entre os candidatos a presidente seja pautado pelos problemas nacionais, que olhem para o futuro, a partir da crise presente, que vejam o país no seu conjunto e não fiquem debatendo parcialidades e questões pequenas, ainda que elas tenham sua importância. Acho que a revisão do papel do Estado na sua relação com a economia e os direitos sociais de todos é ponto central. Com isso quero dizer que, nessa eleição, espero que haja espaço sério para se discutir duas formas pelas quais o Estado brasileiro tem sido apropriado privadamente: o patrimonialismo e o corporativismo. Mas o tema da volta do crescimento também é essencial, assim como, da nossa integração competitiva, dos avanços da ciência e da tecnologia, da sustentabilidade, etc.

• William Waack, num artigo dessa semana argumenta que a prisão de Lula e tudo o que ele significou de impacto na opinião pública não foi capaz de trazer um rumo para o país e que Lula já deveria ser página virada e deveríamos estar em outro nível de discussão, construindo um rumo para o Brasil. O senhor concorda?

Estou de pleno acordo. Precisamos ultrapassar o lulismo em todos os sentidos. Já foi o tempo em que se deveria pensar que a sociedade brasileira buscava seu herói ou seu mito. Essa é uma visão ultrapassada. Em especial a do mito: uma esquerda que pensa em sacralizar um mito para poder fazer as transformações na sociedade vive ainda no século XIX ou XX, está ultrapassada. Hoje precisamos de pensar a partir da democracia, dos sistemas democráticos, da pluralidade de atores, dos diversos valores da contemporaneidade que fazem com que a política possa ser cada vez mais democrática, como valores da reciprocidade, da proximidade, da co-responsabilidade.

• Em que parte ou setor da esquerda o senhor se encaixaria? Pode-se falar de uma centro-esquerda ou esquerda democrática?

Uma autodefinição é sempre complicado. Creio que a postura mais avançada hoje, dentro da esquerda, é trabalhar para que haja uma nova comunidade política com perfil de centro-esquerda. O PT fez muito mal para a esquerda brasileira. Ele a enxovalhou metendo-a num sistema de corrupção jamais visto. E a sociedade reagiu: hoje é difícil sustentar uma identificação de esquerda, sem dar as devidas justificativas. Parece que não se pode mais falar em esquerda, em um setor da política que pensa em combinar democracia com avanços sociais, em propor uma nova visão de sociedade, consonante com esse tempo de grandes mudanças que vivemos. Acho que a esquerda tem um papel. Mas é preciso que ela enfrente seus bloqueios, suas ideias já ultrapassadas, e formule novas que venham da sua tradição de lutas democráticas.

• O senhor lançará nas próximas semanas um novo livro. De que trata esta nova publicação?

Trata-se de um conjunto de ensaios que tenta repensar precisamente a trajetória recente da esquerda, particularmente no Brasil e na América Latina. São ensaios que discutem o Brasil das mobilizações de 2013 ao impeachment de Dilma; examina questões da politica democrática em diversas partes do mundo, explora os pensamentos do italiano Antonio Gramsci e sua relação com a democracia, e reflete sobre temas atuais que nos colocam questões serias e dramáticas para nós e as gerações futuras.

• Como cidadão brasileiro, o que o senhor espera do novo presidente do Brasil?

Espero que ele se afirme na legitimidade do voto dos brasileiros, que faça jus a ele e que pratique, democraticamente, o lema que todos nós reconhecemos: o Brasil não pode ser governado por apenas uma força política. A pluralidade brasileira é expressiva e ela é que dá vigor ao país. O novo presidente deve ser o comandante de um novo Brasil. No seu mandato completaremos 200 anos. Devemos ultrapassar esse período cinza que estamos vivendo e voltarmos a ter orgulho do que já construímos e do que projetamos para o futuro.

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