sexta-feira, 13 de abril de 2018

Fernando Abrucio: É preciso não fechar as portas

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

Dois lugares, dois olhares, passado e futuro de uma nação no centro do debate. A semana passada teve esse significado para mim. De um lado, estava nos Estados Unidos participando de seminários acadêmicos, sendo que um deles, o Brazil Conference, continha atores políticos e sociais importantes, como Ciro Gomes e o ministro Luís Roberto Barroso, que se misturavam com estudantes brasileiros, especialmente de Harvard. De outro, acompanhava com preocupação o calvário do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos acontecimentos mais relevantes da história recente do país. A distância física me fez ver o tamanho da divisão do país e seus efeitos perversos.

Nos seminários em Harvard e no MIT, os debates buscavam soluções para o Brasil em assuntos como educação, gestão pública, segurança pública, saúde e reforma política, entre os principais. Os expositores tinham diversidade de opiniões, mas se respeitavam e, mais importante, procuravam respostas que pudessem ser, em alguma medida, compartilhadas. Havia um diálogo em que as diferenças não impediam complementaridades e sínteses possíveis de visões opostas. O diagnóstico sobre a trajetória histórica brasileira estava presente, porém, a construção do futuro era o que unia a todos.

O Brasil visto de fora estava muito longe do país que, dividido como poucas vezes na história, acompanhava a novela da prisão do presidente Lula. Não havia lugar para meio-termo: ou se comemorava efusivamente a provável detenção do líder petista, ou se gritava contra o que seria uma enorme injustiça contra um inocente e sua causa - afinal, como disse Lula, ela já não era mais apenas um ser humano, mas uma ideia.

As reações, de todas as partes, foram mais emocionais do que racionais. Obviamente que um fato como esse mobiliza paixões, mas nada que justifica a violência de petistas contra jornalistas e os comentários de um antipetismo fora de lugar feitos por funcionários públicos, como os pilotos da FAB. O ódio está aparecendo cada vez mais nas manifestações na rua e na internet, e nada leva a crer, por ora, que vá diminuir até as eleições de outubro - ao contrário, é possível que ele se exacerbe ainda mais.

Uma primeira comparação sobre os dois eventos pode ser resumida da seguinte forma: os seminários nos Estados Unidos foram feitos sob o signo da esperança alimentada por um debate tolerante entre visões diferentes de mundo, enquanto no Brasil real vigora o desejo de aniquilamento do adversário. O equilíbrio analítico também fica mais claro quando converso com jornalistas e pesquisadores estrangeiros: em geral, eles elogiam a Operação Lava-Jato, ao mesmo tempo em que, no mínimo, têm dúvidas sobre o processo específico envolvendo o presidente Lula. Conjugar essas duas opiniões é algo impensável para a maior parte dos analistas brasileiros, na mídia ou na universidade - nas redes sociais, então, nem pensar.

A questão mais importante, na verdade, não é simplesmente saber qual dos lados está certo, para ficar no modelo polarizado em que nos atolamos. O ponto central é saber como governaremos o país a partir de 2019 com essa divisão. Goste-se ou não, o PT e, mais claramente, o presidente Lula representam uma fatia considerável do eleitorado, com impacto tanto no primeiro como no segundo turno da disputa presidencial. Poucos candidatos do centro para a direita perceberam que, se chegarem ao segundo turno, precisarão dos votos do lulismo. É paradoxal que mesmo Lula não sendo candidato à Presidência da República, ele pode ser o "eleitor" definidor do pleito de 2018, seja como apoiador direto de alguém, seja como adversário oculto de outrem na rodada final da votação.

Presos a um presente dominado pela vingança contra o passado, a sociedade e as lideranças políticas imaginam que o final da história será o triunfo de um dos lados. Lamento dizer que essa hipótese é remota. O Brasil é plural em termos eleitorais, isto é, tem heterogeneidades econômicas, sociais e políticas relevantes, que impedem a criação de uma maioria que não necessite negociar com outros grupos minoritários, seja no plano político-partidário, seja no plano social. Dos presidentes mais recentes, aqueles que organizaram seu mandato predominantemente por uma visão segundo a qual "o vencedor leva tudo", foram exatamente os que não conseguiram governar: Collor e Dilma.

É verdade que o PT, hoje, pouco consegue dizer como deve ser, em termos de ideias e estratégias, o futuro do país. Amarraram todo o seu destino ao de Lula, e precisam dizer algo mais (muito mais) se quiserem continuar relevantes, tal como foram nos últimos 30 anos. No entanto, seus adversários, especialmente os que estão salivando ódio nos últimos tempos, só apresentam soluções simplistas (ao estilo RoboCop) ou que significarão uma maior divisão entre os grupos sociais no país. Falta-lhes uma maior sensibilidade em relação aos mais pobres do Brasil, um conhecimento maior das heterogeneidades que marcam nossa nação.

Em outras palavras, o futuro do país não será resolvido por manifestações de rua e da internet que escolherão o RoboCop de plantão que virá nos salvar do "sistema". Para sairmos da crise, deve-se ter um diagnóstico preciso dos problemas prioritários e, principalmente, saber quais são as soluções e estratégias para equacioná-los. Para tudo isso, será necessário ter pessoas com várias formações, até com alguma divergência de opinião, e capazes de atuar em várias partes do Estado.

Essa foi a postura construtiva que dominou os seminários que frequentei em Harvard e no MIT. Ali, havia o incentivo para expor diferentes histórias de vida e visões de mundo. Empresários falaram de suas estratégias econômicas bem-sucedidas, acadêmicos fizeram diagnósticos e propuseram melhorias nas políticas públicas, políticos de polos opostos conversaram sem se xingarem, esportistas contaram as barreiras sociais que ultrapassaram, gestores públicos apresentaram soluções criativas e inovadoras, professores contaram como são as salas de aula das periferias do país, lideranças do movimento negro mostraram os efeitos do racismo e, para terminar, a cantora Anitta, tão reverenciada por seus fãs e malvista pelos preconceituosos, mostrou o quanto o seu enorme sucesso (nacional e internacional) tem a ver não só com sua arte, mas também com um enorme tino empreendedor, algo que aprendeu porque ela e sua família sempre deram muito valor à educação. Um mosaico tão rico, diversificado, provocador e inteligente sobreviveria à guerra entre as torcidas do caso Lula?

Diante da polarização burra e totalitária, uma frase não me sai da cabeça: é preciso não fechar as portas para o futuro. É isso que está em jogo: o quanto conseguiremos, nos próximos meses e no início de 2019, abrir as portas para o futuro. A violência nas grandes cidades, a dificuldade para melhorar os serviços públicos básicos, a crise da aprendizagem nas escolas públicas, a solvência do Estado, a paralisia da administração pública, a corrupção, os problemas ambientais, a perpetuação das desigualdades, tudo isso só será resolvido com projetos claros que aprendam com o passado e com o presente para mudar nossa trajetória e a de nossos filhos.

As portas para o futuro estarão abertas se escolhermos bem as prioridades e as estratégias para lidar com elas. Nessa linha, está a batalha pela Justiça igual para todos, tão presente na Operação Lava-Jato e noutras ações contra políticos e membros da elite empresarial brasileira. Claro que esse projeto de reconstrução do país precisa, de fato, dar o mesmo tratamento a todos, só que isso efetivamente não tem ocorrido. A Justiça em relação ao ex-presidente Lula, por enquanto, não se deu na mesma medida nos casos de Temer, Renan e Aécio, que passaram pelo TSE e STF. Ademais, tal como é feito com os pobres brasileiros, em algumas das investigações e decisões judiciais tem se repetido o padrão de linchamento que construiu o modelo bárbaro das prisões brasileiras - que não reduziu a criminalidade, piorou as condições de milhares de pessoas que nem julgadas foram e, de sobra, fortaleceu o crime organizado.

Afinal, de que maneira terminaremos com a corrupção de modo estrutural? Como criaremos, de forma mais duradoura, um país em que todos sejam efetivamente iguais? Por que o Congresso elege tanta gente comprometida com esse modelo perverso? Por qual razão o PP, partido com maior número de indiciados nos últimos escândalos, é o que mais cresceu com o troca-troca partidário?

A Lava-Jato e afins, se atuarem de forma mais equilibrada, podem ser um passo importante para mudar esse cenário, mas, de maneira mais ampla e profunda, a educação é a melhor porta do futuro para o país. Mas essa discussão não está movimentando as ruas nem as redes sociais, e tampouco políticos e economistas em geral. No Brazil Conference, assisti a dois jovens, Flávia Pinto e Ivan Akerman, que sairão de uma das melhores universidades brasileiras, de profissões muito requisitadas pelo mercado, para dar aula numa escola de periferia. Com criatividade e muita vontade de mudar o mundo, contaram suas agruras e soluções. Se mais jovens seguissem o caminho deles, em vez de povoarem os grupos polarizadores e estéreis, a semente de um futuro melhor seria plantada.
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Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP

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